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Imunidade(s) na era do coronavirus - entrevista com Roberto Esposito



Imunidade(s) na era do coronavirus


 Entrevista de Torbjörn Elensky com Roberto Esposito*


P: Com a emergência provocada pela difusão epidemia do Covid-19 vemos os políticos de todos os países empenhados de maneira excepcional na salvação de vidas humanas. Como considera essas repercussões à luz da sua teoria da immunitas?


R: Parece-me que a questão da imunização confirma sua absoluta centralidade no quadro da biopolítica contemporânea. A biopolítica não é uma categoria imutável ao longo do tempo. Como Foucault já havia argumentado, é um fenômeno histórico, que tem seu começo e que passa por muitas mudanças. Se no início do século XX, muito por conta do nazismo, mas não só, a biopolítica se reverteu em uma forma tanatopolítica, de política da morte, hoje assume um aspecto diferente, profundamente marcado pela linguagem da imunidade. Isso quer dizer que não é necessário pensar a relação biopolítica como domínio do poder sobre a vida – mesmo que isso não esteja de fora –, mas como uma dinâmica que diz respeito à própria vida dos indivíduos e das populações em relação ao risco de contágio. Então, em vez de uma relação vertical entre alto e baixo, uma relação horizontal entre indivíduos e comunidade. Tanto a questão da imigração quanto a do coronavírus entram nesse horizonte imunitário. A imunização é reivindicada, por um lado, como defesa contra o contágio por alguns indivíduos e, por outro, como uma espécie de vacina contra a mesma doença. Como já foi dito, somente quando uma grande parte da população tiver sido infectada, será estabelecida a “imunidade de rebanho” que a protegerá do retorno do mal.

P: Tenho a impressão que, no início da epidemia, pelo menos na Suécia, houve um certo cinismo ao enfatizar que as vítimas do coronavírus seriam apenas idosos e aqueles já doentes. Também houve declarações do tipo na Itália? Existem posições ligadas a uma espécie de darwinismo social?

R: Confirmo que também na Itália houve uma sensação semelhante, igualmente desagradável – pelo menos antes de ficar claro que o coronavírus também ataca pessoas não idosas e até jovens. A morte de idosos foi tomada como uma espécie de salvaguarda para aqueles que não são idosos - como se a doença, em vez de ameaçar a todos, ameaçasse apenas um determinado segmento da população acima de uma certa idade. Daí a ideia, posteriormente revelada falsa, de que os jovens estavam seguros e, consequentemente, poderiam estar menos atentos ao contágio. Isso explica o fato de que, pelo menos nos últimos dias, muitos jovens evitaram se proteger, continuando a frequentar lugares lotados, como bares, festas, eventos esportivos. Concordo que nessas atitudes se sente uma espécie de darwinismo social – na Suécia presente desde as primeiras décadas do século XX – segundo o qual apenas os mais fortes sobreviverão em comparação aos mais frágeis. Daí à ideia de que as vidas destes últimos possam ser sacrificadas para a sobrevivência dos primeiros, há apenas um passo.

P: Que consequências a epidemia pode ter nas fronteiras, dentro e fora da União Europeia? Pode fortalecer a tendência de isolamento de cada país?

R: Infelizmente, essa é uma possibilidade muito séria. O coronavírus pode ter um efeito em duas direções diferentes e opostas. Por um lado, sua rápida expansão além das fronteiras nacionais e até continentais torna a perspectiva de retornar aos estados nacionais – o que chamamos de “soberania” na Itália – impraticável. Qual é a utilidade de fortalecer as fronteiras nacionais se o maior risco hoje – o da pandemia – é capaz de superar todos os controles, de atravessar todas as fronteiras? Por outro lado, a emergência do vírus, com as terríveis consequências que isso implica, ainda constitui um golpe para a globalização. Como já aconteceu com a crise econômica e com a imigração, a globalização revela sua face negativa. Longe de trazer apenas vantagens, também produz sérios efeitos negativos. Isso pode induzir os Estados a tentar, na medida do possível, um fechamento interno, fortalecendo as chamadas forças políticas populistas (na Itália, em particular, a Lega e Fratelli d’Italia).



P: Como a disseminação do vírus e as medidas tomadas para contê-la podem afetar nosso comportamento social a longo prazo, já marcado pelo uso de telefones celulares, aplicativos e mídias sociais?


R: Mesmo com relação ao uso das mídias o coronavírus tem efeitos ambivalentes. Por um lado, concentra a atenção nos corpos vivos reais das pessoas, e não nos corpos virtuais. A partir deste contexto, será mais difícil pensar em substituir os relacionamentos reais pelos virtuais. Já existe uma certa nostalgia pelas relações sociais que tiveram que ser interrompidas. Entende-se que as mídias sociais não são suficientes nem podem substituir os contatos físicos, como já se havia pensado. Por outro lado, no entanto, também vemos como e quanto a mídia eletrônica é importante para os contatos interpessoais quando estes são impossíveis, como ocorre nessas semanas.


P: Podemos falar de um estado de emergência, no sentido em que o tema é desenvolvido por Giorgio Agamben?


R: Pode-se certamente falar de um estado de emergência – ou de exceção – mas não no sentido de uma vontade do poder de dominar e controlar a vida. Hoje, o estado de emergência – no qual certamente vivemos – não é implementado por uma vontade soberana de gerenciar a vida em vantagem própria ou mesmo negar a possibilidade de viver. Surge mais da necessidade de proteger a vida de indivíduos e populações. Em suma, na origem do estado de exceção – proclamado na China, Itália e logo em outros países – não há arbitrariedade de poder ou decisão soberana, mas a urgência de controlar o vírus, impedindo que seja transmitido livremente. Isso não significa que o estado de emergência em um país despótico como a China não seja diferente daquele praticado e praticável em estados democráticos como Itália ou Suécia.


P: Após um estado de emergência ou exceção, como se pode voltar à política em um sentido democrático?


R: Trata-se de reencontrar um equilíbrio virtuoso entre communitas e immunitas. Assim como nenhum um corpo individual, nenhum corpo político poderia viver sem um sistema imunitário. O importante é não ultrapassar os limites além dos quais a imunização acaba destruindo o corpo que deveria defender, por exemplo, negando-lhe liberdade. Depois de ativar, por necessidade, o princípio imunitário, como acontece neste período de isolamento forçado dos indivíduos, devemos reativar, assim que a situação o permitir, o princípio comunitário. Já a partir de agora, de resto, na crise imunitária que enfrentamos, a exigência do munus comum – do compartilhamento e da doação – é praticada. Por exemplo, por profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, voluntários – que arriscam suas vidas para salvar outras vidas. Quando tudo isso acabar, mais esforços terão que ser feitos nesse sentido. O que de fato coincide com uma reativação da democracia.


*Entrevista realizada para o jornal sueco Svenska Dagbladet, 18 de março de 2020.

Tradução de Kelvin Falcão Klein 


como citar:ESPOSITO, Roberto. Imunidade(s) na era do coronavirus - entrevista com Roberto Esposito. Trad. Kelvin Falcão Klein. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209889