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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Aldo Palazzeschi
Andrea Santurbano
Millenium Poetry
em
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Um bom ponto de partida para adentrar no poema “La passeggiata” [O passeio], de Aldo Palazzeschi (1885-1974), é uma bela exposição audiovisual que estreou no Instituto Moreira Salles de São Paulo no ano passado, “São Paulo, três ensaios visuais”. Em particular, um desses ensaios, “Letreiros”, mostra o crescimento da metrópole a partir de um aspecto original, a saber, as mudanças visuais e verbais que acompanharam a evolução do comércio e, portanto, a das formas de comunicação nos reclames, nos anúncios publicitários. Um viés com certeza interessante para testar o pulso da modernidade e sentir na pele do tecido urbano a presença de uma linguagem que aproveita, nessa nova estética, elementos do literário. São todos aspectos, justamente, presentes nesse “passeio” de Palazzeschi.
Acervo IMS |
Poderia até se falar em poesia visual, se essa definição já não tivesse encontrado sua colocação no panorama crítico. De fato, o sentido aqui não é o de uma forma diferente de organização gráfica do material escrito (como já acontecia com os collages vanguardistas), mas sim o de versos que registram “ao vivo” impressões visuais de uma cidade que pipoca de anúncios, comerciais e manchetes. Daria para se pensar, por exemplo, em outros registros artísticos dessa modernidade já avançada, como a rapsódia romanesca de Manhattan Transfer (1925), de John Dos Passos, ou os curtas Berlim, sinfonia de uma grande cidade (1927), de Walter Ruttmann, e O homem com a câmera (1929), de Dziga Vertov. São Paulo – diga-se de passagem – também pagaria seu tributo a essa vaga com o filme-documentário São Paulo, A Sinfonia da Metrópole (1929), de Rudolf Rex Lustig e Adalberto Kemeny.
Mas Palazzeschi, em seu poema, também alia a esse gesto, urbanizado, do olhar o gesto, atávico, do caminhar, que dialoga de perto com uma tradição consolidada. Já na Bíblia é traçado o embate entre nomadismo e sedentarismo, a partir do fratricídio de Caim, sua maldição e fuga, perpassando, depois, por autores como Rousseau, Thoreau, Walser etc., que irão mergulhar mais especificamente no embate entre civilização humana “corruptora” e natureza “redentora”. Entretanto, é sobretudo o tema do flâneur, do andarilho urbano perdido na massa anônima – nela se misturando e, ao mesmo tempo, nela preservando seu espaço crítico de observação –, vindo de Baudelaire através da mediação de Walter Benjamin, que entra em jogo no poema de Palazzeschi. Tecendo um diálogo ideal, inclusive, com sugestões contemporâneas ou um tanto posteriores, entre outros, a Mrs. Dalloway de Virginia Woolf. Sem falar, bem mais tarde, da consunção da figura do flâneur nas andanças urbanas maníacas dos personagens de Thomas Bernhard.
Acervo IMS |
Voltando ao eu poético e transeunte de Palazzeschi, ele capta e traz para o branco da página – supostamente em torno de 1910 – as grafias sincopadas do movimento da cidade. Estamos ocasionalmente em Nápoles (Palazzeschi, florentino, se mudou definitivamente para Roma em 1941), segundo Francesco Cangiullo, adepto do recém-nascido movimento futurista e amigo do poeta. Sim, porque também Aldo Palazzeschi foi futurista de primeira hora, assim como bastante rápido foi seu abandono do grupo. A ironia que impregna suas obras, poéticas e em prosa, ainda que acolhida com entusiasmo, era de fato prevalentemente estranha ao Futurismo. Cabe lembrar, a propósito, “Lasciatemi divertire” (1910), com suas ousadas e famosas onomatopeias “Tri tri fru fru”, que foi traduzido, ao lado de alguns outros poemas, por Haroldo de Campos no artigo “Futurismo: Marinetti e Palazzeschi”, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, em dezembro de 19571.
E se o espírito anarquista de Palazzeschi casava bem com as provocações e a irreverência anti-burguesa do movimento, por outro lado mal se conciliava com certa postura hierática, como a da “guerra única higiene do mundo”, que clamava para o intervencionismo italiano na Primeira guerra mundial. Essa, porém, é outra história. Fica aqui o registro de uma obra sui generis, que ainda hoje não perdeu seu humor, e de uma complexidade bem maior do que poderia aparentar (com grande aflição do tradutor!). Pois, seus efeitos aparentes de leveza e rapidez, sua estrutura paratática, sua quase ausência de verbos, sua “transcrição” do código comunicativo das ruas, são, na verdade, frutos de um sistema articulado de rimas (também internas), assonâncias, aliterações, mesclas linguísticas e outras figuras sonoras de linguagem. Isso tudo caracteriza o ritmo marcante de “A caminhada”, mas não exatamente na acepção genérica de embelezamento de um significado semântico. Nesse caso, o ritmo encontra em si seu próprio sentido, como quer Henry Meschonnic: “Entendo o ritmo como a organização e a própria operação do sentido no discurso. [...] Não mais um oposto do sentido, mas a significação generalizada de um discurso”2.
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(Trad. Andrea Santurbano)
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como citar: SANTURBANO, Andrea.“O passeio” de Palazzeschi: no ritmo do olhar, por Andrea Santurbano.In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.6, jun. 2020.Disponível em
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209774 |
[1] Cf. É. Guareschi, “O poeta que se diverte: algumas impressões brasileiras”. In Um arquivo ítalo-brasileiro para a contemporaneidade.
[2] H. Meschonnic. Poética do traduzir. Trad. Jerusa P. Ferreira e Suely Fenerich. Sao Paulo: Perspectiva, 2010, p. 43.
Esta postagem faz parte do projeto Valerio Magrelli - Millennium Poetry: Viagem sentimental na poesia italiana, iniciativa promovida pelo Istituto Italiano di Cultura di São Paulo durante esta Pandemia de Covid-19.
“Cruzaremos
oito séculos de poesia italiana seguindo um percurso autoral.
Exclusivamente para o público do IICSP, graças à colaboração da Editora
Emons, o poeta Valerio Magrelli apresenta e ilustra em áudio trechos da
própria particularíssima antologia de poesia italiana. A proposta é
enriquecida pelas traduções e comentários
(literatura-italiana.blogspot.com) em português dos professores Patricia
Peterle e Andrea Santurbano da UFSC e Lucia Wataghin da USP.”
Os trechos serão publicados pelo canal YouTube do IIC nas datas abaixo. Para acessar, é preciso estar inscrito na NewsLetter do IICSP.
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