La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

A palavra é sempre um objeto: entrevista com Valentino Zeichen, por P. Peterle e E. Santi

 


Foto de Dino Ignani

 

     Valentino Zeichen (1938-2016) é uma figura bastante peculiar no panorama italiano da poesia contemporânea. Uma voz profundamente crítica e irônica, um olhar que sabe se adentrar nas entranhas do quotidiano e da sociedade, uma ironia profunda e sagaz, instrumento principal para tecer sua crítica. A paixão para a poesia do século XVII, a leitura dos poetas clássicos, principalmente dos satíricos, a capacidade de se inserir no mundo permanecendo, de certa forma, afastado. Essas são apenas algumas das caraterísticas da voz poética de Zeichen. O temperamento iconoclasta se mistura a um grande rigor

Valentino Zeichen - 
Ogni cosa a ogni cosa he detto addio


no uso da palavra, pensada, buscada, na sua materialidade. O olhar para a história e para os fatos humanos revela a grande sensibilidade e capacidade de leitura dos acontecimentos e das relações, com suas contradições. Seu trabalho em poesia se iniciou em 1974 com a publicação da coletânea Area di rigore, até chegar, em 2010 à publicação de um livro de aforismos Aforismi d'autunno (2010). A partir dos anos 2000 publicou diversos livros em prosa, o último é La sumera (2015). Zeichen faleceu no dia 5 de julho de 2016, em Roma, pouco tempo depois da entrevista para o livro Vozes: cinco décadas de poesia italiana (2017)[1], publicado pela Editora Comunità, organizado por Patricia Peterle e Elena Santi, sem poder ver a publicação do volume. Aqui vai nossa homenagem, agradecendo o privilégio que foi ter essa conversa tão sincera e direta com ele.




A palavra é sempre um objeto

entrevista com Valentino Zeichen[2]

(Vozes, p. 74)



Vozes: 
O que significa ser poeta hoje? O que é um poeta? O poeta é um cantor nostálgico da palavra já desgastada e obsoleta? É necessariamente um opositor do mundo? 

 VZ: Seria preferível se o poeta, ao invés de ser um cantor abstrato da própria interioridade, fosse um sujeito que se confronta com o mundo. Que seja rebelde, referindo-me a mim mesmo, porque eu sou um rebelde, socialmente, contra a linguagem corrente, contra as convenções. Eu estive em uma casa de reeducação, quando tinha quinze anos, durante quase três anos fiquei em uma casa de correção, como se chamava antigamente. Eu era um rebelde, estudava pouco e mal, não era apto à sociedade. Em todo caso, porém, é preciso respeitar sempre a sociedade, o diktat da sociedade. Depois podemos nos rebelar, mas é preciso entender que o mundo não é nem bom nem mau, o mundo não está contra nós, são apenas as regras, que limitam os indivíduos, mas não são nem boas nem más. As regras são impessoais. É, por isso, que fui um rebelde, pela minha incapacidade de me inserir na sociedade. Depois aprendi as regras e me tornei-me mundano. Ironicamente, as regras podem ser imitadas sem necessariamente ser completamente aceitas. É uma forma de sobreviver. Não me importo com a sociedade e com o mundo. Me importa o meu individualismo e pronto. Nunca fui um poeta social, engajado, um poeta que quer mudar o mundo. O mundo não pode ser mudado, os homens são sempre os mesmos, mudam as gerações, mas as pulsões são sempre as mesmas. Isso não significa se resignar, é somente desvincular-se dos que são os objetivos gerais, é um sair da marcação, no sentido futebolístico. É ser livre. Apesar de tudo isso, sou um poeta social, que às vezes participa de alguma batalha, em nome dos homens, da natureza. Em suma, daquilo que é o vivente. Por exemplo, eu sou filo nuclear, mas sou contra os sabões, os combustíveis fósseis, o CO2. Sou contra o uso excessivo dos detergentes, dos sabões, do xampu. Acredito que este seja um dos grandes fatores poluentes da água. Aqui há uma tomada de posição muito forte, não no sentido de querer uma sociedade feita de engenheiros sociais, ideológicos, engenheiros ideólogos. Não me interessa uma ideologia dos engenheiros da realidade, como são o marxismo, o nazismo, o fascismo. Porém, me interessa uma sociedade democrática que possua a força de se contrapor ao capitalismo, no sentido da redução do consumo. Isto é, defender a natureza, porque isso é um patrimônio, que fica para futuras memórias. Nesse sentido, a minha posição é bastante marcada. O único viatico é o nuclear, não há outro caminho. Com certeza, é preciso fazer a fusão à frio porém, quando se chegar nisso, os combustíveis fosseis poderão dormir eternamente no subsolo da terra e ninguém os acordará nunca mais. Porque o seu despertar cria – o despertar dos combustíveis fosseis – a ruína, já que são nocivos. Ao mesmo tempo, condeno esta monstruosa fobia do sujo que toda a sociedade ocidental espalhou pelo mundo. Agora, todos nós só somos feitos para o sabonete, para os xampus, para os chuveiros, para uma limpeza extrema. Parece até uma coisa calvinista. É uma fobia absolutamente religiosa, transferida da religião ao comércio, aos produtos. Quer-se obrigar o homem a partir de uma ordem constritiva que é a dos sabões e dos xampus; como é também a dos produtos de beleza, dos quais muitos são tóxicos porque são feitos com matérias fosseis. 

 

Vozes: O elemento essencial para um poeta é a palavra, a matéria-prima a ser buscada, trabalhada e depois “fixada” na página em branco. Quais relações possui com a palavra? E também com a língua? Enfim, como pode ser definida a "sua" língua?

 VZ: A língua que uso em poesia vem um pouco do século XVII, de Gongora, por exemplo, de Ciro de Pers. Gosto dos poetas do século XVII, porque eles constroem máquinas de pensamento, de conceitos, máquinas conceituais. Portanto, uso uma língua muito simples, não uso uma língua rica. Mas minha língua se enriquece se o conceito do pensamento é importante. É uma língua dotada de velocidade, é veloz, ou, pelo menos nas últimas obras, tentei realizar isso: ser veloz, muito sintético, quase um poeta de ocasião. Ser sintético é como a grande química sintética, como uma aspirina. Meus poemas são aspirinas, como a Bayern: são um remédio, um remédio da alma. Assim sendo, deve haver por trás dele uma indústria muito sofisticada: uma química da literatura, uma química da poesia. O produto tende a ser muito sofisticado, mas muito sintético. Por isso escrevi também um livro de aforismos. Sendo um poeta já ancião no registro civil, tentei me aproximar da velocidade dos torpedos, portanto, de uma língua muito sintética. Quis construir um pensamento muito sintético. As referências, depois, são as máximas de La Rochefocaud, pensador que aprecio muito. Outro aspecto que me interessa bastante é a ironia, o sentido do humorismo. Estas são prerrogativas altamente literárias quando alguém consegue alcançá-las. Quando um poema parte em um certo modo e depois os versos finais mudam o significado inicial, o resultado é completamente diferente. Muda a contabilidade, é um truque, são imprevisíveis, até para mim mesmo. Voltando para o século XVII, os conceitos de minha poesia vêm destes imprinting como Gongora, John Donne, Giovan Battista Marino. E também os poetas latinos. Alberto Moravia disse uma vez que eu lhe lembrava um eco de Marcial na Roma contemporânea. Está escrito, eu não digo nada que não seja verdade na poesia, sou muito legal, um advogado na poesia. A poesia de Marcial era muito ligada à natureza, mas também à sociedade, ao falar mal dos outros, ofender, fazer rir, ridicularizar, de forma irônica. Quanto à palavra, eu diria que é sempre um objeto. Evoca um objeto. Objeto, isto é, aquilo do que estamos falando quando se escreve, que é algo de muito real. O aspecto abstrato pode ser real. A palavra, assim, nomeia sempre algo e eu estou sempre ligado ao objeto. É um pouco a tradição americana da poesia. Nomeando, eu não perco de vista o objeto, a minha palavra não faz com que ele desapareça. Eu sou como um cão que tem a palavra na boca, um molosso. O cão não deixa nunca a palavra, como o osso. Minha palavra é, então, absolutamente muito concreta. Sou um molosso que tem sempre na boca a palavra-objeto.

Vozes: Quais poetas ou escritores (italianos ou estrangeiros) operam em sua escritura? De que modo se constroem estas relações de leitura, escritura e poéticas?  

VZ: Isso são os críticos que decidem. Eu tenho preferências, gosto da poesia latina, dos neotéricos, poetas como Catulo e Marcial. Gosto de Luciano de Samosata, que não é um poeta, mas um escritor. No campo da poesia italiana, sem dúvida, Dante, pela capacidade sintética. Ele também nunca perde de vista o objeto, fala sempre de algo que se vê e se reconhece. Vai do céu à terra tranquilamente, não tem problemas de horários ou meios de transporte, a palavra o leva para onde ele quiser. Eu gosto do Inferno, porque ali acontecem grandes coisas, a experiência humana, a dor, a busca, enfim, os grandes sentimentos maus e bons que sejam.

______________________

Como citar: PETERLE, P.; SANTI, E. A palavra é sempre um objeto: entrevista com Valentino Zeichen. In Literatura Italiana Traduzida, v. 1, n. 8, ago. 2020.  Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/210069



[1] PETERLE, Patricia; SANTI, Elena. Vozes: cinco décadas de poesia italiana. Rio de Janeiro: Editora Comunità, 2017.

[2] Encontram-se disponíveis, na Revista de Literatura Italiana Traduzida, as seguintes entrevistas a poetas italianos, todas reunidas no volume Vozes: cinco décadas de poesia italiana: PETERLE, Patricia; SANTI, Elena. A poesia é uma palavra que mantém consigo também o silêncio – entrevista com Mariangela Gualtieri. In Revista de Literatura Italiana traduzida, v.1, n. 6, jun. 2020. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209784. PETERLE, Patricia; SANTI, Elena. Gesto de amor, não como ato subversivo – entrevista com Fabio Franzin. In Revista de Literatura Italiana traduzida, v.1, n.5, mai. 2020. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209826. PETERLE, Patricia; SANTI, Elena. Nas palavras sobrevive ... um rastro do passado – entrevista com Fabio Pusterla. In: Revista de Literatura Italiana Traduzida, v.1, n. 4, abr. 2020. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209881.