La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

O epitexto virtual na circulação de escritoras italianas no centro da pandemia[1], por Marlene Rodrigues Brandolt

 


  

Algumas razões culturais e sociais reconhecidas desde o século XX sobre os acervos de literaturas gravadas em vídeo, áudio ou digitalizados disponíveis em buscas on-line devem ser pensadas a partir do título. O efeito causado pela mídia foi sugerido pelo crítico literário Gérard Genette, que a considerou como um lugar de recursos paratextuais, o qual ele não chegou a explorar em Paratextos editoriais[2]. Para o autor, o termo paratexto é um acessório que se coloca ao lado do texto principal ou faz parte das informações externas ao livro, constituindo-se como uma narrativa que atrai para si “também um sentido” em diversos contextos[3]. Nesta análise, a intenção estética do paratexto diz respeito aos recursos auxiliares que, “em qualquer lugar fora do livro”, são designados como epitextos vistos no espaço midiático acessível a um público leitor do texto e àquele voltado a leituras de jornal ou de outro meio de comunicação virtual[4].
Entre 2016 e 2019, nos sites brasileiros, A filha perdida, de Elena Ferrante, por vezes era associada às propagandas turísticas relacionadas às cidades de Nápoles e Florença, cenário da protagonista Leda, que vivia “como se estivesse suspensa no ar” em busca de um encontro consigo mesma, o que a fez, em um determinado tempo, deixar as filhas sob a proteção do pai das meninas, decisão que a tornava outra pessoa, como narra: “finalmente eu mesma”[5]. Atualmente, nestes dias sombrios provocados pela Covid-19, apenas o colorido avermelhado da capa da edição comentada lembra a rotina de uma Itália mais calorosa.

A afirmação serve também para a apresentação de Um amor incômodo, da mesma autora, que mantém a cor em vermelho, contornando o perfil de uma mulher sem rosto. Tal ilustração confere indicativos da figura da protagonista Delia que, após a morte da mãe, transforma em luta interna a culpa por não tê-la protegido do suicídio; sem conseguir resolver o conflito, aceita que as duas, de alguma forma, estarão sempre juntas, pois a imagem de “Amália existir[á]”[6] nela. Com igual sentido de desdobramento, a capa do livro A devolvida, de Donatella Di Pietrantonio, traz a foto de um rosto dividido, semelhante à história  da  narradora  que  procura,  na  memória  dos 13 anos,  respostas às interrogações sobre quais foram os motivos que levaram as mães, adotiva e biológica, a esconderem essa particularidade importante para a formação da sua identidade, condição que a faz buscar uma “calma dentro do peito em desordem”[7], ainda na vida adulta. Nas personagens mencionadas, a crise produzida por separações e ausências transforma-se em atitudes reflexivas equivalentes a um mecanismo de defesa contra as tensões familiares. Daí o cuidado de entenderem a si mesmas “de forma cada vez mais intensa”[8].
A expressão dessa carência é parte também do evento que surge no centro da vida real ocasionada pela pandemia. Em meio a esse colapso social, a internet tem estreitado os laços com editores, autores e leitores na divulgação não somente de livros impressos, mas também em outros formatos digitalizados. Essa resistência à crise de queda do mercado livreiro tem aqui importância no estudo do paratexto, o qual se adapta às circunstâncias de apresentação do livro. Junto à amplitude de informação que essa ferramenta metodológica carrega, os livros das escritoras italianas têm circulado em estantes virtuais, espaços que têm propiciado “leituras [...] amplamente gravadas, ao vivo ou em estúdio”[9], para aplicar a ideia de Gérard Genette. As editoras, em parceria com sites, estimulam pesquisas, leituras e, de alguma maneira, tornam menos grave a redução que a comunicação literária poderia sofrer não fossem os acordos entre editoras nos diferentes formatos que distribuem os livros – por exemplo, Um amor incômodo, A filha perdida e A devolvida, por meio de links especializados em literatura que ganham força em meio à pandemia, numa relação recíproca com a finalidade de entreter e de renovar conhecimento.
Em sites de literatura, Elena Ferrante é relacionada às manifestações sobre sua verdadeira identidade, inquietação de jornalistas e leitores que permanece aberta, ocasionando apenas suposições em diferentes redes sociais. A observação feita no período já indicado mostra que a apresentação dos livros de Elena Ferrante gira em torno desse perfil, por exemplo, com indícios de que Anita Raja, esposa do escritor italiano Domenico Starnone, seja Elena Ferrante. “E daí?”, conforme comentários na revista Época[10]. Semelhante estratégia permanece em 2020 pelo site da Veja, na coluna Notícias, sobre literatura, intitulada “Elena Ferrante e Domenico Starnone: os novos livros do (suposto) casal”[11]; a mesma nota está na Veja impressa, de 17 de junho de 2020, com o título “Dramas da vida privada”, tendo por subtítulo: “Elena Ferrante e Domenico Starnone voltam a explorar os bastidores das relações familiares em belos livros”[12] – são esses indicativos que apontam Anita Raja como uma das possibilidades de ser Elena Ferrante.
Embora as comunicações on-line também realcem adaptação cinematográfica dos livros de Elena Ferrante feita, por exemplo, por Maggie Gyllenhaal (A filha perdida)[13], a insistência pelo rosto e personalidade de Elena Ferrante é sempre alvo de especulações. Por conta dessa particularidade, Fabiane Secches, na revista Cult – Uol, faz uma manchete alusiva ao anonimato da escritora: “Elena Ferrante: autora ou personagem?”[14]. A pesquisadora, com as informações acerca do talento artístico e da carência de uma explicação plausível sobre a identidade de Elena Ferrante, escreveu o livro intitulado Elena Ferrante: uma longa experiência de ausência (2020). Para Fabiane Secches, o marketing projetado pela internet acerca de uma provável identificação de autoria não diminui o potencial artístico da escritora italiana, bem como considera a assinatura Elena Ferrante como parte da criação literária e um modo de incitar a comunicação com o público leitor[15].
Para tanto, os limites determinados nas propostas de divulgação de Elena Ferrante não deixam de ampliar a zona de transição entre autora e editor, uma vez que seu nome circula ao lado de outros consagrados, como o de Machado de Assis, “redescoberto [...] e exaltado por revista americana”[16], na coluna “Notícias sobre literatura” da Veja, onde a autora ocupa também a coluna de Eduardo Wolf, conforme comentário anterior. Os encadeamentos nas páginas virtuais adotam um meio fazendo com que as literaturas não caiam no esquecimento, criando possibilidades para que as obras ultrapassem as fronteiras dos “gabinetes empoeirados, onde a literatura pode perder o frescor”[17], porque a afirmação de Croce não pode ser transposta, sem mediações, para o mundo contemporâneo. A declaração de Benedetto Croce permite pensar a tendência epitextual no conjunto da recepção do leitor, o qual possui mecanismos de comunicação para divulgar a literatura que for de seu interesse.

Com presença nos sites brasileiros, Donatella Di Pietrantonio, nascida em Arsita, na Itália, também circula diretamente em eventos para falar do livro A devolvida, o qual tem merecido atenção pela temática em torno da maternidade escondida e pelos desdobramentos do título original L’Arminuta, termo em dialeto que propicia designações variadas. Para algumas dessas escolhas, pode-se citar A retornada[18],  que  chegou  ao
Brasil pela TAG – Experiências Literárias em parceria com a Faro Editorial no plano TAG Inéditos, em tradução de Mario Bresighello, e A filha devolvida[19], pela Editora ASA, integrada ao grupo LeYa, traduzido por Tânia Ganho.
nomes registrados, bem como a figura de Donatella Di Pietrantonio no Brasil em eventos organizados pela Embaixada da Itália em Brasília, na 19ª Semana da Língua Italiana no Mundo[20], em 18 de outubro de 2019, são recursos publicitários que aproximam a história da escritora do público leitor. Além dos eventos, ela aparece com naturalidade em vídeos, o que torna seu rosto familiar aos leitores que compartilham ideias relativas às adoções, cujas normas visam à entrada de crianças na casa dos pais, mas sem acordos para o retorno delas ao lar original, posição em que se vê A devolvida, por não ter “nada além do apoio”[21] afetuoso da irmã.
Nesta época de quarentena, a autora de A devolvida ocupa um lugar na relação Brasil-Itália, refletindo sobre as atitudes e sentimentos coletivos no vídeo “Donatella Di Pietrantonio 11 – Krisis Tempos de Covid-19”[22]; nele, fala a convite do Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana traduzida no Brasil – NECLIT-UFSC.

Nesse meio virtual, Donatella Di Pietrantonio transpõe uma consciência afetada pelo contorno gigantesco da Covid-19, que tem jogado a humanidade para um futuro desprotegido e imprevisível. A escritora baixa a cortina no final da audição, indicando o comprometimento com o isolamento no contexto de  pandemia,  onde  “o mundo se tornou global, interconectado e inextricável”[23] – trecho do livro No contágio, de Paolo Giordano, transcrito em áudio por Donatella Di Pietrantonio, também na série Tempos de Covid-19 (2020).
O desdobramento das vozes dos escritores sugere a importância do papel desencadeador do epitexto na troca cultural entre artistas italianos e editores brasileiros. Dir-se-ia que o epitexto virtual é “uma ‘celebração móvel’: formado e transformado continuamente” na relação com as alterações temporais e espaciais dos sistemas culturais, isso para usar as palavras de Stuart Hall[24].  Nesse sentido, A filha perdida, Um amor incômodo e A devolvida por vezes cruzam o mesmo universo de publicidade das Editoras Amazon e Intrínseca, em plataformas digitais brasileiras, o que contribui para uma metodologia de estudos abertos que sustenta o horizonte de expectativa em relação às obras traduzidas.
É preciso comentar que a reunião de dados relativos aos epitextos digitalizados, em qualquer período, acesso a “um limiar a transpor”, isso por cobrir informações diversificadas num espaço “físico e social virtualmente ilimitado”[25] que, mesmo diante de uma crise descomunal, continua mobilizando o deslocamento cultural da literatura italiana para o Brasil. Sob esse aspecto, no período de pandemia, a mídia tem protegido os leitores de um distanciamento da literatura por meio das variações gráficas, notícias e  reportagens em jornais, cujos desdobramentos  motivam o público a interagir com o mundo ficcional; igualmente é uma forma de as pessoas minimizarem os desconfortos do confinamento. Resta dizer que o epitexto virtual – associado a recursos fora do livro – não é uma especificidade isolada de outras denominações paratextuais que se identificam, no caso em estudo, com o espaço físico do livro e a perspectiva de circulação literária das escritoras selecionadas.

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Como citar: BRANDOLT, Marlene Rodrigues. "O epitexto virtual na circulação de escritoras italianas no centro da pandemia"In "Literatura Italiana Traduzida", v. 1, n. 10, out. 2020. 

Disponível em  https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/213229

 

[1] Texto apresentado/lido por esta pesquisadora, porém com algumas alterações, no Encontro de Pesquisa, em 17-07-2020, no projeto organizado pelo Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana (NECLIT). Disponível em: https://neclit.ufsc.br/2020/07/19/encontros-de-pesquisa-do-neclit-julho-2020/?lang=it.
[2] GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Trad. Álvaro Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.
[3] GENETTE, Gérard, op. cit., p. 360.
[4] GENETTE, Gérard, op. cit., p. 303.
[5] FERRANTE, Elena, A filha perdida, op. cit., pp. 103-107.
[6] FERRANTE, Elena, Um amor incômodo, op. cit., p. 173.
[7] PIETRANTONIO, Donatella di, A devolvida, op. cit., p. 49.
[8] FERRANTE, Elena, A filha perdida, op. cit., p. 123.
[9] GENETTE, Gérard, op. cit., p. 326.
[10] GABRIEL, Ruan de Sousa. “Anita Raja é Elena Ferrante. E daí?”. In Época, 10 out. 2016. Disponível em: https://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/10/anita-raja-e-elena-ferrante-e-dai.html. Consultado em: 10/01/2020. 
[11] WOLF, Eduardo. “Elena Ferrante e Domenico Starnone: os novos livros do (suposto) casal”. In Veja, 22 jul. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/entretenimento/elena-ferrante-e-domenico-starnone-os-novos-livros-do-suposto-casal. Consultado em: 20/06/2020.
[12] WOLF, Eduardo. “Dramas da vida privada”. In Veja, 17 jun. 2020, p. 92.
[13] TREMEL, Sofia. “Maggie Gyllenhaal dirige adaptação de ‘Filha perdida’, de Elena Ferrante”. In Versatille, 2020. Disponível em: https://versatille.com/maggie-gyllenhaal-dirige-adaptacao-de-filha-perdida-de-elena-ferrante/. Consultado em: 23/05/2020.
[14] SECCHES, Fabiane. “Elena Ferrante: autora ou personagem?”. In Cult, 14 nov. 2017. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/elena-ferrante-autora-ou-personagem/. Consultado em: 20/01/2020.
[15] NAÍSA, Letícia. “Livro discute os best-sellers da ‘Febre Ferrante' pelo olhar da psicanálise”. In TAB, 21 maio 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/21/livro-fabiane-secches.htm. Consultado em: 05/06/2020.
[16] NASSIF, Tamara. “Redescoberto, Machado de Assis é exaltado por revista americana”. In Veja, 04 jun. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/entretenimento/redescoberto-machado-de-assis-e-exaltado-por-revista-americana/. Consultado em: 15/06/2020.
[17] CROCE, Benedetto. Literatura comparada. Disponível em: Plataforma Moodle do Curso: Textualidades Italianas. Florianópolis: UFSC, 2011. p. 64.
[18] PIETRANTONIO, Donatella di. A retornada. Trad. Mario Bresighello. São Paulo: Faro Editorial, 2018.
[19] PIETRANTONIO, Donatella di. A filha devolvida. Trad. Tânia Ganho. São Paulo: ASA, 2019.
[20] COMUNITÀ ITALIANA. “Semana da Língua Italiana no Mundo apresenta programação para o Brasil”. In Comunità Italiana, 18 out. 2019. Disponível em: https://comunitaitaliana.com/semana-da-lingua-italiana-no-mundo-divulga-programacao/. Consultado em: 10/06/2020.
[21] PIETRANTONIO, Donatella di, A devolvida, op. cit., p. 15.
[22] “Donatela Di Pietrantonio 11 - Krisis Tempos de Covid-19”. Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana da Universidade Federal de Santa Catarina (Neclit/UFSC). Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2020/06/projeto-krisis-tempos-de-covid-19-divulga-canal-com-reflexoes-sobre-o-momento/. Consultado em: 12/06/ 2020.
[23] GIORDANO, Paolo. “‘No contágio’ de Paolo Giordano - Krisis Tempos de Covid-19”. In: PIETRANTONIO, Donatela di. 11 - Krisis Tempos de Covid-19. Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana da Universidade Federal de Santa Catarina (Neclit/UFSC). Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2020/06/projeto-krisis-tempos-de-covid-19-divulga-canal-com-reflexoes-sobre-o-momento/. Consultado em: 02/072020.
[24] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 13.
[25]  GENETTE, Gérard, op. cit., p. 303.