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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Loretta Emiri
Poesia
Yanomami
em
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Tinha acabado
de chegar de volta em Boa Vista.
De manhã cedo,
passei perto do Coreto:
uma mulher
loira e seu menino aí dormiam,
deitados no
chão.
Enquanto os
contemplava, levantaram:
ela bonita
e suja, com roupa esfarrapada,
meio hippie,
eu pensei;
ele pequeno
e frágil.
Ela na frente,
o menino atrás.
Ela cambaleando;
o menino pacatamente
chorando,
devagarzinho
andando,
querendo parar.
Ela parando
para o menino esperar,
ele não conseguindo
andar.
Ela descalça,
os pés inchados
do menino cheios de feridas sangrando.
Na sociedade
yanomami,
tias maternas
são chamadas mãe,
tios paternos
são chamados pai.
Quem cuida
das crianças
não é apenas
a família nuclear,
mas a comunidade.
Ero da poco tornata a Boa Vista.
Di
primo mattino, passai davanti al Coretto:
una
donna bionda e il suo bambino lì dormivano,
sdraiati
per terra.
Mentre
li contemplavo, si alzarono:
lei
carina e sporca, con indumenti stracciati,
mezza
hippie, pensai;
lui
piccolo e fragile.
Lei
davanti, il bambino dietro.
Lei
barcollando;
il
bambino piangendo pacatamente,
camminando
lentamente,
volendo
fermarsi.
Lei
fermandosi per aspettare il bambino,
lui
non riuscendo a camminare.
Lei
scalza,
i
piedi gonfi del bambino pieni di ferite sanguinanti.
Nella
società yanomami,
zie
materne sono chiamate mamma,
zii
paterni sono chiamati papà.
A
prendersi cura dei bambini
non
è la sola famiglia nucleare,
ma la comunità.
II
Eu ia de Guarulhos
para São Paulo.
Prensada no
corredor do ônibus,
a mãe tentava
proteger o menino cianótico.
Os passageiros
olhavam desgostados a morte na cara:
redondíssimos
olhos perdidos nas órbitas,
moleira baixa,
pele amarela.
Na parada à
altura do hospital,
uma dura luta
para conseguir descer.
Pai desse menino
não tem carro.
Parentes e
amigos desse menino não têm carro.
Nem uma ambulância
disponível para esse menino.
Quando Xaahemè
percebeu
que a filinha
estava passando mal,
preocupada
falou com seu irmão.
Ligeiro, ele
saiu rumo à maloca vizinha.
Pouco mais
de duas horas depois,
voltava acompanhado
por Opomoxi,
velho e renomado
xamã.
Logo começou
a cura xamanista,
enquanto na
maloca
as atividades
se desenrolavam no ritmo habitual.
Ninguém olhando
para o xamã e sua pequena paciente,
porém, todo
mundo alerta,
acompanhando
a cura com ouvido atento,
compartilhando
da preocupação da mãe
e da fé do
xamã.
Andavo
da Guarulhos verso San Paolo.
Schiacciata
nel corridoio del pullman,
la
mamma tentava proteggere il bambino cianotico.
Disgustati,
i passeggeri guardavano in faccia la morte:
rotondissimi
occhi persi nelle orbite,
fontanella
bassa, pelle gialla.
Nella
fermata all’altezza dell’ospedale,
una
dura lotta per riuscire a scendere.
Il
padre di quel bambino non ha automobile.
Parenti
e amici di quel bambino non hanno automobile.
Nemmeno
un’ambulanza disponibile per quel bambino.
Quando
Xaahemè percepì
che
la figlioletta stava male,
preoccupata
parlò con suo fratello.
Veloce,
lui partì in direzione del villaggio vicino.
Poco
più di due ore dopo,
tornava
accompagnato da Opomoxi,
vecchio
e rinomato sciamano.
Subito
iniziò la cura sciamanica,
mentre
nella maloca*
le
attività si svolgevano a ritmo abituale.
Nessuno
guardando lo sciamano e la sua piccola paziente,
però,
tutti all’erta,
accompagnando
la cura con udito attento,
condividendo
la preoccupazione della mamma
e
la fede dello sciamano.
Foto: Loretta Emiri |
III
Em Guarulhos
hospedei-me numa casa de freiras.
As freiras
mantinham um jardim-de-infância.
Os meninos
do jardim-de-infância só sabiam gritar.
Quando, por
causa dos gritos,
meu ouvido
e minha alma começavam a sangrar,
eu fugia atrás
da discrição.
Televisão ligada
dia e noite, rádio e som altos,
e os meninos
gritam para serem ouvidos.
Adultos falando,
e os meninos
gritam na tentativa de serem ouvidos.
Enquanto televisão
e adultos
continuam vomitando
palavras,
os meninos
aprendem a gritar.
Missão Catrimâni,
quantas horas vividas
na pequena
e bem equipada
secretaria/radiofonia/biblioteca/arquivo!
Às vezes, uns
imperceptíveis movimentos
chamavam minha
atenção.
E olhava pela
janela telada: os jovens guerreiros,
armados de
arcos e flechas
proporcionais
ao próprio tamanho,
andavam ao
redor, em pontas de pé,
retendo o fôlego
para os bichinhos não alertarem;
olhos e ouvidos
atentos, pássaros e lagartos procurando;
com olhares
e sinais comunicando entre si.
No silêncio
da mata que fala, brincando,
aprendendo
a caçar.
No silêncio
da mata que fala, escutando,
aprendendo a viver.
A
Guarulhos mi ospitai in una casa di suore.
Le
suore gestivano un asilo.
I
bambini dell’asilo sapevano solo gridare.
Quando,
a causa delle grida,
il
mio udito e la mia anima cominciavano a sanguinare,
io
fuggivo alla ricerca di discrezione.
Televisione
accesa giorno e notte, radio e giradischi a tutto volume,
e
i bambini gridano per farsi ascoltare.
Adulti
parlando,
e
i bambini gridano nel tentativo di farsi ascoltare.
Mentre
televisione e adulti
continuano
a vomitare parole,
i
bambini imparano a gridare.
Missione
Catrimâni, quante ore vissute
nella
piccola e ben attrezzata
segreteria/radiofonia/biblioteca/archivio!
A
volte, alcuni impercettibili movimenti
richiamavano
la mia attenzione.
E
guardavo dalla finestra con zanzariera: i giovani guerrieri,
armati
di archi e frecce
proporzionali
alla propria statura,
camminavano
nelle vicinanze, in punta di piedi,
trattenendo
il respiro per non allarmare gli animaletti;
occhi
e udito attenti, cercando uccellini e lucertole;
con
occhiate e segnali comunicando tra di loro.
Nel
silenzio della foresta che parla, giocando,
imparando
a cacciare.
Nel
silenzio della foresta che parla, ascoltando,
imparando a vivere.
IV
Eu tinha acabado
de levantar
e percorria
uma avenida no coração de São Paulo.
A mocinha estava
ainda deitada,
num cobertor
sujo enrolada,
o colchão sujo
jogado na calçada,
na frente de
uma loja ainda fechada.
Seus profundíssimos
olhos, cheios de vazio,
entraram em
mim:
questionando
por que meu colchão estava limpo,
por que meu
cobertor estava limpo,
por que eu
dormia dentro de uma casa.
A vagina de
Perata Wakathautheri
sangrou pela
primeira vez.
Rapidamente,
foi construído
um abrigo dentro da maloca,
perto da área
reservada à sua família extensa.
Só saiu do
abrigo após a segunda menstruação
e, nessa temporada,
não conversou mais com ninguém:
só escutou
a comunidade dizer.
Entrou menina:
quando saiu
do obrigo,
no rosto magro
e pálido
brilhavam olhos
de mulher.
Mi
ero appena alzata
e
percorrevo un viale nel cuore di San Paolo.
La
ragazza era ancora sdraiata,
avvolta
in una coperta sporca,
il
materasso sporco buttato sul marciapiedi,
di
fronte a un negozio ancora chiuso.
I
suoi profondissimi occhi, pieni di vuoto,
entrarono
in me:
chiedendomi
perché il mio materasso era pulito,
perché
la mia coperta era pulita,
perché
io dormivo dentro a una casa.
La
vagina di Perata Wakathautheri
sanguinò
per la prima volta.
Rapidamente,
venne
costruito un separé dentro alla maloca*,
vicino
all’area riservata alla sua famiglia estesa.
Uscì
dal separé solo dopo la seconda mestruazione
e,
in quel periodo, non parlò più con nessuno:
soltanto
ascoltò la comunità dire.
Entrò
bambina:
quando
uscì dal separé,
nel
volto magro e pallido
brillavano
occhi di donna.
V
Não foi em
Calcutá, não, foi em São Paulo.
Passei umas
vezes por aquela rua
e ele aí, sentado
no chão.
Um pesado e
escuro capote do qual saíam:
uma cabeça
de velho esquelético,
uma mão segurando
um saquinho de plástico
com algo para
comer,
um olho-de-mijo.
Nada mais,
nem uma Madre
Teresa por perto.
Porako, o mais
velho dos Wakathautheri,
pai de uma
só filha natural
e de muitos
filhos adquiridos.
A mulher alimentando
a fogueira.
As filhas oferecendo
os produtos da coleta.
Os genros trabalhando
na roça dele
e caçando para
ele.
Ele, que quase
não anda mais,
deitado na
rede,
ninando os
netos.
Non
è successo a Calcutta, no, è successo a San Paolo.
Passai
alcune volte per quella via
e
lui lì, seduto per terra.
Un
pesante e scuro giaccone dal quale uscivano:
una
testa di vecchio scheletrico,
una
mano reggendo un sacchetto di plastica
con
qualcosa da mangiare,
una
pozza d’urina.
Niente
altro,
nemmeno
una Madre Teresa vicino.
Porako,
il più vecchio dei Wakathautheri,
padre
di una sola figlia naturale
e
di molti figli adottivi.
La
moglie alimentando il fuoco.
Le
figlie offrendo i prodotti del raccolto.
I
generi lavorando nel suo campo
e
cacciando per lui.
Lui,
che quasi non cammina più,
sdraiato
nell’amaca,
cullando
i nipoti.
Foto: Jorge Macêdo |
VI
“Tá bom louro,
tá bom louro, tá bom louro”.
Hora após hora,
um dia atrás
do outro,
um grito estridente
após o outro,
o papagaio
“civilizado” já aprendeu a falar,
e a paciência
da gente a inchar.
Na maloca dos
Xekereikỳkètheri,
os papagaios
“primitivos” de estimação
só com suas
cores incríveis
chamaram minha
atenção.
“Va
bene pappagallo, va bene pappagallo, va bene pappagallo”.
Un’ora
dopo l’altra,
un
giorno dietro l’altro,
un
garrito stridente dopo l’altro,
il
pappagallo “civilizzato” ha già imparato a parlare,
e
la pazienza delle persone a gonfiare.
Nella
maloca* degli Xekereikỳkètheri,
i
domestici pappagalli “primitivi”
solo
con i loro colori incredibili
hanno
richiamato la mia attenzione.
VII
Tecnologia
do mundo ocidental:
telhas de alumínio,
armadores de
ferro,
homens como
máquinas.
A chuva grossa
cai
e as telhas
batem uma contra a outra
com violência
e não deixam
repousar.
A rede balança
e o armador
de ferro, come seu ruído estridente,
não deixa repousar.
Os homens,
que já são máquinas,
com esses barulhos
nem se incomodam mais,
e minha exigência
de silêncio não sabem entender
e, tampouco,
respeitar.
Maloca do mundo
primordial:
a chuva grossa
cai e, imperceptível,
bate contra
o teto de folhas de ubim,
para o sono
conciliar.
A rede balança
e a corda de curauá,
sem ruídos,
esfrega contra o pau,
para o sono
conciliar.
Entre os yanomami,
homens ainda,
meu mundo de
máquinas posso esquecer
e minha exigência
de silêncio,
em plenitude, posso viver.
Tecnologia
del mondo occidentale:
tetto
di pannelli di alluminio,
ganci
di ferro,
uomini
come macchine.
La
pioggia grossa cade
e
i pannelli battono uno contro l’altro
con
violenza
e
non lasciano riposare.
L’amaca
oscilla
e
il gancio di ferro, con il suo cigolio stridente,
non
lascia riposare.
Gli
uomini, che già sono macchine,
con
questi rumori nemmeno si incomodano più,
e
la mia esigenza di silenzio non sanno capire
e,
tantomeno, rispettare.
Maloca
del mondo primordiale:
la
pioggia grossa cade e, impercettibile,
batte
contro il tetto di foglie,
per
il sonno conciliare.
L’amaca
oscilla e la corda,
senza
cigolii, sfrega contro il palo,
per
il sonno conciliare.
Fra
gli yanomami, ancora uomini,
il
mio mondo di macchine posso dimenticare
e
la mia esigenza di silenzio,
in pienezza, posso vivere.
VIII
O circo chegou
em Boa Vista.
Eu fui ao circo.
A grande tenda:
sequência de
paus, teto, praça central
para a ilusão
representar.
Os artistas,
pintados e enfeitados,
entraram correndo,
gritando animados,
e deram umas
voltas no pátio central.
Entre uma exibição
e outra,
houve uma homenagem
aos Etruscos,
antiga civilização
destruída
no choque com
a violência de outras civilizações.
Soube que na
Amazônia havia Yanomami.
E vim à Amazônia.
A grande maloca:
sequência de
paus, teto, praça central
para a vida
representar.
Os hóspedes,
pintados e enfeitados,
entraram correndo,
gritando animados,
e deram umas
voltas no pátio central.
Yanomami, entre
uma agressão e outra,
o violento
branco civilizado
com tua vida
e cultura está querendo acabar.
E o dia em
que o objetivo alcançar,
ainda, por
cima de tudo, com sua cara de pau,
debaixo de
uma tenda de circo,
tua primitiva
civilização destruída vai querer homenagear.
Il
circo arrivò a Boa Vista.
Andai
al circo.
La
grande tenda:
sequenza
di pali, tetto, piazza centrale
per
l’illusione rappresentare.
Gli
artisti, dipinti e ornati,
entrarono
correndo,
gridando
animati,
e
fecero dei giri nel patio centrale.
Fra
un’esibizione e l’altra,
ci
fu un omaggio agli Etruschi,
antica
civiltà distrutta
nello
scontro con la violenza di altre civiltà.
Seppi
che in Amazzonia c’erano gli Yanomami.
E
venni in Amazzonia.
La
grande maloca:
sequenza
di pali, tetto, piazza centrale
per
la vita rappresentare.
Gli
ospiti, dipinti e ornati,
entrarono
correndo,
gridando
animati,
e
fecero dei giri nel patio centrale.
Yanomami,
tra un’aggressione e l’altra,
il
violento bianco civilizzato
con
la tua vita e cultura vuol farla finita.
E
il giorno in cui l’obiettivo raggiungerà,
ancora,
oltretutto, con la sua faccia di bronzo,
sotto
a una tenda di circo,
alla
tua primitiva civilizzazione distrutta vorrà rendere omaggio.
____________________
Loretta Emiri nasceu na Umbria em 1947, e desde 1977 estabeleceu-se na Amazônia
brasileira, onde por 18 anos sempre trabalhou com ou pelos índios. Os primeiros
quatro anos e meio, viveu com os indígenas Yanomami das regiões dos Catrimâni, Ajarani
e Demini. Entre eles, desenvolveu trabalhos de assistência sanitária e um projeto
chamado Plano de Conscientização, do qual fazia parte a alfabetização de
adultos na língua materna. O objetivo era fornecer às comunidades novos conhecimentos
que lhes dessem condições para analisar criticamente o mundo dos brancos e assim
se defenderem no contato com ele. Fruto da pesquisa linguística e da experiência
desenvolvida, naquela época produziu vários ensaios e trabalhos didáticos, entre
os quais: Gramática pedagógica da língua yãnomamè (Grammatica pedagogica
della lingua yãnomamè), Cartilha yãnomamè (Abbecedario yãnomamè),
Leituras yãnomamè (Letture yãnomamè), Dicionário Yãnomamè-Português (Dizionario
Yãnomamè-Portoghese). Outras informações estão disponíveis em https://lorettaemiriegliyanomami.wordpress.com/informazioni/.
_______________________________
Como citar: EMIRI, Loretta. "Acareação-Faccia a faccia". In "Literatura Italiana Traduzida", v. 1, n. 12, dez. 2020.
Disponível em:https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/218051
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