La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Roma capoccia: diário ceciliano (segunda parte), por Mariarosaria Fabris

 



Em memória de Edoardo Bizzarri

 

“Oggi me sembra che er tempo se sia fermato qui”
(Antonello Venditti, “Roma capoccia”)

 

Certa noite de 31 de dezembro, éramos um grupo de pessoas mais ou menos estranhas umas às outras, que voávamos juntas para a Índia. Nossas relações de conhecimento, muito vagas, datavam apenas de horas. Nossa história comum limitava-se à contemplação de algumas imagens inesquecíveis: o Mediterrâneo, as Pirâmides, imensos desertos pálidos, golfos que o Sol coloria com tintas orientais e, finalmente, o céu que se ia tornando noturno, o céu que fora tão grande e parecia pouco a pouco reduzir-se em sombra, e ficar do nosso tamanho, do tamanho das nossas pequenas vidas ali suspensas, com seus mistérios, esperanças e medos.[1]

Naquele fim de ano, Cecília Meireles estava a caminho do país asiático, a convite do primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, onde lhe será outorgado o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nova Délhi, cujo diploma recebeu das mãos do presidente e educador Rajendra Prasad. Depois de participar de um congresso sobre Mahatma Gandhi e de visitar algumas cidades[2], seguirá para a Itália: “Ainda ontem estávamos na Índia: e tudo, de repente, nos parece tão longe como se nos separassem muito maiores extensões de terra e mar – e, sobretudo, muito mais profundo tempo”, como escreverá em crônica publicada em 28 de agosto de 1955 pelo Diário de Notícias.[3]

No dia 10 de março de 1953, a poetisa chega à “cidade que, vista ao contrário, está no coração”[4]:

 

Roma é uma grandiosa, poderosa, soberba coluna de mármore que pode subir, como a de Trajano, em prolongada espiral, mas firmemente presa ao chão, e levando nos seus relevos histórias da terra, gente da terra, batalhas da terra. [...]

Contemplando estes turistas estendidos ao Sol pelas escadas de Trinità dei Monte [sic], penso outra vez nas distâncias que vão do Ocidente ao Oriente. Não a de terras e mares; mas as de espírito. Máquinas fotográficas; bolsas repletas de mil lembranças: o gosto esportivo de estar deitado ao Sol num país estranho, carregado de tradições ilustres... O prazer de bem comer, de bem viver, de bem comprar – esta vida momentânea eternizada em minutos passageiros –, tudo isso está aqui, entre risos festivos... [...]

Sobre esses pensamentos, passam os ruídos insuportáveis das motocicletas. Motocicletas por esta lírica Piazza di Spagna; motocicletas ao longo das velhas ruínas; motocicletas disparadas por toda parte, incontidas e alucinantes...[5]

 

Diante da horda de turistas que tomam conta da península, a escritora sente-se tomada novamente por um impulso “antiturístico”, embora a chegada da primavera a ajude a apaziguar suas inquietações, como registrou nas crônicas “Pequenas notas” e “À sombra da Pirâmide de Cestius” (23 out. 1955), bem como nos poemas “Primeiro pássaro” e “Natureza quase viva”:

 

Como pode a bela Itália ter sossego com estas ondas e ondas de forasteiros que a atravessam de ponta a ponta, como formigueiros em mudança? É verdade que, indústria tão bem organizada, em país de tanta abundância artística e tanta variedade de paisagens e costumes, só pode dar este resultado que vemos. [...]

 

Mas os turistas aumentam todos os dias. E a primavera já vem, cheia de jacintos e violetas. [6]

E os passarinhos, os primeiros pássaros desta primavera fria, voam, de repente, e deixam balançar o ramo do arbusto, que abandonaram.[7]

 

Chega e canta.

Canta e para.

Para e escuta:

com os ouvidos, com os olhos, com as penas.

O silêncio da manhã é um longo muro, ainda,

entre este mundo e o céu.

Escuta e canta.

Canta e para.

Para e parte.

Devia ser a primavera.

Mas não houve resposta.

Na solidão se perde o inquieto canto prematuro.

Perde-se no silêncio o antecipado pássaro,

talvez triste.[8]

 

A atenção da autora durante as viagens que empreendeu esteve voltada também para as coisas miudinhas do dia a dia, para a maneira de viver em cada país:

 

Em Roma, o povo é sólido, maciço, de uma beleza de estatuária. Nas ruas, seus movimentos são bruscos, decididos, enérgicos. As próprias fazendas das suas roupas são encorpadas [...], aqui, as belas moças que passam pelas ruas mostram pernas fortes e ágeis, colo exuberante, e mãos que – sem deixarem de ser belas – poderiam levantar sem esforço estes mármores caídos, nas ruínas do foro...[9]

Em Roma, até a comida é escultórica: são todas essas massas que têm alguma coisa a ver com a cerâmica [...] E são essas inesquecíveis alcachofras, e são esses roxos vinhos que por toda parte circulam, como seiva de uma árvore robusta. [...]

Esta gente positiva e ruidosa gesticula com os amigos, protesta contra alguma imprudência do trânsito, e, quando se põe amorosa, tem a mesma expressão pagã das estátuas dos museus. É um modo de ser franco, bravo, direto – às vezes, muito entusiasmado.[10]

 

Peculiaridades que a poetisa observou com um olhar perscrutador, sim, mas também cheio de simpatia, de participação. É o que se depreende de obras já citadas em que essa observação se transformou em matéria literária, ou em “Mural risonho”, por exemplo:

 

Divertiam-se as raparigas

de olhos negros e louras tranças,

à meia luz da loja, em volta

de maçãs, peras e laranjas.

Grandes gargalhadas morriam

sob as mãos límpidas, tão brancas

como lírios que se movessem

entre maçãs, peras e laranjas.

Tudo porque certos rapazes,

de sonora e clara garganta,

cantando seus nomes, fingiam

tocar maçãs, peras e laranjas.

(Dança de ninfas e pastores,

entre maçãs, peras e laranjas,

com sustos e enganos fingidos

e verdadeiras esperanças.)[11]

 

Ao frescor do flerte, no entanto, a escritora opõe o desencanto de um romance que chega ao fim, como na crônica “Nem sempre...” (20 nov. 1955) – “Deixar que os namorados felizes, sadios e corados, discutam como crianças, entre fruta e flores – e outros, melancólicos se sentem ao pé das ruínas, e olhem para os escombros como quem se contempla a si mesmo”[12] – ou em “Namorados”, que serve de contraponto ao poema anterior:

 

No degrau do inverno turvo,

sentaram-se os namorados.

Vai crescendo entre os seus ombros

denso bosque de impossíveis,

com muitos ramos escuros.

Um denso bosque de espinhos

entre os seus lábios.

Pálidas palavras secas,

folhagem de despedidas,

sombra de confusa angústia

na curva jovem da boca,

no doce lugar dos beijos.

Tão perdidos, tão sozinhos

por interiores caminhos!

Diante deles, as estátuas,

eternamente enlaçadas,

gloriosamente desnudas,

profundamente amorosas,

com brilhos de primavera

no etéreo gesto de mármore...

(Festivos corpos de pedra!)[13]

 

Dessa forma, torna-se evidente que viajar significava para Cecília Meireles deslocar-se não apenas no espaço, mas também entre o presente e o passado, como bem observou Celso Castro:

 

Esse deslocamento temporal envolve tanto a dimensão de tempo “histórico”, que se acumula através dos anos, unindo eventos e personagens do passado e dando densidade à experiência da viagem, quanto de um tempo “cotidiano”, dos pequenos ciclos e rituais repetitivos da vida de todo dia”.[14]

 

Essa temporalidade anterior que invade o hoje – “E o presente, vivo, não prende nem cala / o partido Passado imenso”[15] – se instaura de forma mais incisiva em poemas como “Habitantes de Roma” ou “Ah! Santa Maria...”:

 

Eis um povo que anda e fala,

diurno e sem mistério,

de altivo perfil, de arrogantes espáduas,

de amplo e superlativo gesto.

Eis um povo de mármore e bronze,

por cima das colunas, entre as águas das fontes,

nos muros dos jardins e parapeitos, –

que guarda a atitude e o gesto

e insiste, dia e noite,

no silencioso discurso,

na muda conversação.

Eis um povo de cinza, por toda parte,

um vasto povo subterrâneo,

que se levanta na alta noite de Roma,

que sobe à flor da terra,

que vem de túmulos e catacumbas,

procura a coroa na testa,

a fivela da toga,

o sangue a correr do peito,

o perfume a correr nas tranças...

Um povo que procura os próprios olhos

e que torna a ver a porta, o arco, o cipreste,

a coluna e o muro,

o foro e as termas,

o som da concha monumental do Coliseu,

o rastro dos Anjos entre as feras.

Eis um povo doloroso,

na alta noite acordado,

embebido de luar,

transparente e flutuante,

sobre Roma, sobre Roma,

com voz sem boca, sonho sem eco, – todo em pó.[16]

Por mais que estejas servindo

aperitivos, licores,

teu perfil está falando,

teus olhos estão dizendo

coisas de eras anteriores.

Teu longo nariz de estátua,

tuas pálpebras noturnas

são colunas, arcos, portas

que o tempo salvou de um mundo

quebrado em lápides e urnas.[17]

 

Em vários trechos de “Roma, turistas e viajantes”, bem como em “Minas em Roma”, crônicas publicadas em 11 e 25 de setembro de 1955, respectivamente, a autora rememora essa constante sensação de mergulho no passado que a acompanhou durante sua estadia na capital italiana:

 

O viajante, em Roma, sente-se perdido, cercado por essas sobrevivências que o solicitam, que se impõem ao seu pensamento, que exigem a sua atenção para velhíssimos pormenores de sua história. [...]

Posta-se diante de um monumento, e começa outra vez a descobrir coisas: é um pedaço de coluna, é uma porta que esteve noutro lugar, é uma estátua cuja família anda dispersa pelo mundo, é o desenho de uma janela, é a cabeça de um anjo que lhe conta sua existência, são as figuras que saem dos quadros e vêm conversar sobre as relações entre a vida e a pintura, é uma pedra que o arrebata para o seu abismo interior e o cativa entre suas coloridas paredes transparentes.

O viajante olha para as ruínas da Roma antiga, e já não pode dar um passo: elas o convidam a ficar, a escutá-las, a entendê-las. Dirige-se a um museu, a um palácio, a um jardim e tudo está repleto de ecos [...].

No alto das colunas, das fachadas, dos pórticos, das igrejas, deuses, reis, imperadores, santos, anjos lhe acenam, quando, por acaso, não estão entretidos uns com os outros, em fábulas, evangelhos, poesia, hinos celestiais.[18]

 

Tudo pode acontecer em Roma, daqui por diante. E já não ouso dizer que estes vultos que contemplo pelos jardins, pelos telhados, pelas igrejas e fontes, sejam simplesmente estátuas e figuras inanimadas.[19]

 

Ao percorrer, na Villa Borghese, a Galeria homônima, a poetisa depara-se com a sala que abriga os “duros bustos de pórfiro” de dezoito imperadores romanos, que chamam sua atenção por suas “máscaras cor de mosto / cor de remoto sangue", que aguardam romper o silêncio. A frialdade da pedra faz pendant com o frio invernal que adentra o espaço junto com a visitante:

 

Apenas eu cheguei, carregada de inverno.

Apenas eu respiro nesta fria sala de mármore.

Fria de morte. [...]

Apenas eu cheguei,

único rosto ainda vivo a mirar vossos rostos.

E em silêncio contemplo. [...]

Apenas eu cheguei.

Sossegai nos vossos plintos.

Ainda não é o fim do mundo. Ainda não voltareis a respirar,

Apesar das perfeitas narinas e dos nítidos lábios.[20]

 

Diante desses testemunhos de outras épocas, a percepção da escritora se embaralha e personagens do passado parecem reanimar-se, não são mais seres mortos ou entalhados, mas corpos em que a vida continua palpitando: a estátua de Diana ainda “recebe o sol na pálpebra esculpida, / a água e o vento na túnica pregueada”, embora “em pedra aprisionada”.[21] É o que ela já havia expressado em líricas como “Cores”, escrita em Roma dois dias depois de sua chegada, ou “Adolescente romano”, composta no Rio de Janeiro, em junho de 1955:

 

Tudo à espera, entre os vigilantes ciprestes

e as derrubadas colunas,

que as estátuas desçam das arquitraves,

dos jardins, das escadas, das fontes,

e venham reclinar entre os jacintos,

para a merenda vesperal,

a brancura da sua nudez feliz.

(As túnicas de mármore já se entreabrem, ao vento...).[22]

Eis a bela cabeça de bronze do remoto adolescente:

o cabelo é uma franjada coroa como de folhas de oliveira;

as sobrancelhas arredondam guirlandas serenas;

a narina respira o arcaico dia de vida;

há no lábio uma surpresa de sonho quase com forma de palavra.

E como o artista vazou-lhe a íris, tal pupila desmesurada,

cai-lhe sobre todo o rosto uma sombra densa, grave e profunda:

– redondas janelas por onde penetra a face móvel dos séculos,

redondas janelas por onde assoma esse abismo da eternidade,

silencioso, imenso, extático,

onde as imagens todas se apagam.

Que adolescente viveu com sua carne

o espetáculo de alma que o bronze traz de tão longe?[23]

 

Essa sensação de que o tempo parou, apesar do transcorrer dos séculos, manifesta-se também ao adentrar o Coliseu, cujas dependências a autora visitou na companhia do marido, relembrando os fatos ocorridos em sua arena, e diante do Arco de Constantino[24]:

Cem mil pupilas veem-se, na poeira da pedra deserta.

Entre corredores e escadas,

o cavo abismo do úmido subsolo,

exala os soturnos prazeres da antiguidade:

um vozerio arcaico vem saindo da sombra,

– ó duras vozes romanas! –

um quente sangue vem golfando,

– ó negro sangue das feras! –

um grande aroma cruel que se arredonda nas curvas pedras.

– Ó surdo nome trêmulo da morte!

(Não cairão jamais estas paredes,

pregadas com este sangue e este rugido,

a garra tensa, a goela arqueada em vácuo,

as cordas do humano pasmo sobre o último estertor...)

Cem mil pupilas ficam aqui,

pregadas nas pedras do tempo,

manchadas de fogo e morte,

no fim do dia trágico,

depois daquela ávida e acesa coincidência

quando convergiram nesta arena de angústia,

que hoje é pó de silêncio,

esboroada solidão.[25]

Do imperador que passou, não há vestígios:

— e foi tão poderoso.

Mas o vento que dançava nas pregas do vestido

– e um vento leve! –

continua a dançar ali. [...]

O vento sonhado, apenas.

Ali está preso o vento que sempre foge...

A pedra, que não se move, ondula.

Dança. Para sempre.

E a mão do artista, há muitos séculos,

é também vento.[26]

 

Ao percorrerem o espaço em que está mais vivo o espírito da “Roma caput mundi”[27] – aquele espírito que impulsionou a cidade “A olhar para a frente, para longe, / como outrora a loba com os gêmeos. / A esquecer o mundo quebrado atrás de seus passos”[28], com o ocaso de seu império –, os olhos de Cecília Meireles também, assim como os de outros viajantes, demoram-se

 

em deslizar pelas cores, pelas sombras, pela qualidade das pedras, pelos seus relevos, pelas suas proporções, pela intenção que ali as colocou, pelo vulto dos artesãos que ali estiveram, e as dispuseram, e discutiram sobre a obra, e a contemplaram, e seguiram, cada um para seu lado, anônimos, e desapareceram.[29]

 

E os olhos da poetisa demoram-se também nos “muros tão antigos”[30] da cidade, observados em tantas ocasiões e rememorados nas crônicas “Oriente-Ocidente” (“Roma, embora transborde dos antigos muros, conserva aquelas paredes que lhe dão majestade, grandeza, mas também uma austera impenetrabilidade”), “Todos os caminhos...” (14 ago. 1955) – “De estranho fogo foram impregnados estes muros de Roma, que, apesar do dia sombrio, parece haver em redor da cidade um cinto de sol.” –  e “Navegação por antologias” (4 dez. 1955): “numa tarde cinzenta que, embora nevoenta, não consegue apagar a luminosidade destes velhos muros de onde emergem tufos verdes, que anunciam a primavera”[31]. E em alguns versos (“Velhos muros romanos, apagai-vos, / para que brilhem as cores da primavera: / – margaridas, lírios, rosas.”)[32], ou num poema inteiro:

 

Nos muros da urbe desenham-se as árvores

amarelas, ferrugentas, frágeis,

quase fósseis.

Nos muros da urbe desliza o sol da tarde

fria, coroada de vento:

esta límpida e frívola tarde atual.

Nos muros da urbe desenham-se velhas mãos;

mãos de barro e fogo, mãos sem nome,

que ainda não aprenderam a dormir completamente.

Nos muros da urbe, as mãos perpassam, grossas e ágeis,

com negras unhas, duras veias:  – perpassam, contornam,

apalpam, calculam aprumo e nível.

Nos muros da urbe, dourados de sol,

deslizam as mãos póstumas, douradas de terra.

Umas com as outras conversam as mãos por cima dos muros.

Lembranças do trabalho antigo.

Saudade de construir.

Nos muros da urbe desliza a sombra dos sonhos de hoje,

de horas velozes,

na límpida e frívola tarde atual.

Quando dormirão as mãos diligentes

dos incansáveis antepassados?[33]

 

Mais uma vez, são vestígios do passado que a escritora perscruta e desvenda nos muros, nas pedras, nos monumentos, nas águas de Roma, um passado composto de várias camadas, as quais se sobrepõem, se interpenetram e constituem “húmus” para o presente, atuando sobre ele. É com um poema, no qual é retomado esse tema, que se fecha esta segunda – mas não última – parte acerca do diário italiano de Cecília Meireles:

Roma – romã, dourada pele de tijolo,

grãos rubros e túmidos de ocaso

– compartimentos de séculos

em pórfiro, mármore, bronze, meticuloso mosaico.

Imperadores, santos, mártires, soldados, gente anônima

em cada nicho, em cada alvéolo da antiguidade.

Tudo em lágrimas e sangue,

em tempo acumulado,

em suor de muitos cansaços e guerras,

em coroas de glória,

imensamente longe...

Roma... romã crepuscular, entre o campo e o rio.

As abelhas de pedra sonham-na.

A água das fontes chora-a, lava-a, chora-a...

A Madona aponta-a ao seu Bambino, dolorida.

Bocas de bronze provam-na, com dentes sonoros,

com língua saudosa contam suas fábulas

às novas ondas do Tibre,

às novas águas que passam,

que desmancham pelo caminho

todo esse peso da antiguidade...[34]


___________________________

Como citar: FABRIS, Mariarosaria. "Roma capoccia: diário ceciliano (segunda parte)"v. 2, n. 8, ago. 2021.  Disponível em:  https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/226020




[1] MEIRELES, Cecília. “Ano muito bom”. In: Melhores crônicas. São Paulo: Global, 2003, p. 261. Neste volume organizado por Leodegário A. de Azevedo Filho, as crônicas não trazem nem a data, nem o veículo de divulgação.
[2] Cf. FARRA, Maria Lúcia Dal. “Cecília Meireles: imagens femininas”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 27, jul.-dez. 2006, p. 339. Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/ view/8644778. Consultado em: 27 abr. 2021; LOPES, Delvanir. “Roma pelos olhos de Cecília Meireles”. Veredas - Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Coimbra, n. 29, jan.-jun. 2018, p. 21. Disponível em http://dx.doi.org/10.242661/2183-816x0229. Consultado em: 3 maio 2021; FURIA, Luíza Mendes, “Nova Fronteira publica toda a obra em prosa de Cecília Meireles”. Folha de Londrina, 26 fev. 2000. Disponível em https://www.folhadelondrina.com.br/ folha-2/nova-fronteira-publica-toda-a-obra-em-prosa-de-cecilia-meireles-255099.html. Consultado em 3 maio 2021.
[3] MEIRELES, Cecília. “Oriente-Ocidente”. In: Melhores crônicas, cit., p. 231.
[4] A tradução em italiano deste poema, escrito no Rio de Janeiro em 1954, e dos demais que integram este volume bilíngue é de Edoardo Bizzarri: “città che, vista all’inverso, risiede nel cuore”. MEIRELES, Cecília. “Geografia”; “Geografia”. In: Poemas italianos. São Paulo: Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1968, pp. 75, 74. Cf. LOPES, cit., p. 23.
[5] MEIRELES, “Oriente-Ocidente”, cit., pp. 233-235.
[6] A atenção às flores é uma constante nos textos dedicados a Roma, como neste trecho de uma crônica de 11 de setembro de 1955: [O viajante] “ainda está ali, enamorado, tímido, compenetrado da sua ignorância, a contemplar os jacintos róseos, azulados, amarelos que enchem de perfume os jardins do Pincio”. MEIRELES, Cecília. “Pequenas notas”; “Roma, turistas e viajantes”. In: Melhores crônicas, cit., pp. 250; 259-260.
[7] BIZZARRI, Edoardo. “Cronologia e notas”. In: MEIRELES, Poemas italianos, cit., p. 152.
[8] Tradução: “Arriva e canta. / Canta e s’arresta. / S’arresta e ascolta: / con l’udito, con gli occhi, con le penne. // Il silenzio del mattino è un lungo muro, ancora, / tra questo mondo e il cielo. // Arriva [sic] e canta. / Canta e s’arresta. / S’arresta e parte. // Doveva essere primavera. / Ma non c’è stata risposta. // Nella solitudine si perde l’inquieto canto prematuro. / Si perde nel silenzio l’anticipato uccellino, / forse triste”. MEIRELES, Cecília. “Primeiro pássaro”; “Primo uccellino”. In: Poemas italianos, cit., pp. 37, 36.
[9] MEIRELES, “Oriente-Ocidente”, cit., pp. 233-234.
[10] Idem.
[11] Tradução: “Si divertivano le ragazze, / dagli occhi neri, le trecce bionde, / nella penombra della bottega, / in mezzo a mele, pere ed arance. // E le risate grandi morivano / sotto le mani limpide, bianche / sì come gigli che si muovessero / in mezzo a mele, pere ed arance. / Solo perché alcuni giovani, / con gola chiara e sonora, / lor nomi cantando, fingevano / toccare mele, pere ed arance. / (Danza di ninfe e di pastori, in mezzo a mele, pere ed arance, / con finti spaventi ed inganni, / e con reali speranze.)”. MEIRELES, Cecília. “Mural risonho”; “Murale ridente”. In: Poemas italianos, cit., pp. 31, 30.
[12] Apud: BIZZARRI, cit, pp. 151-152.
[13] Tradução: “Sul gradino del torvo inverno, / siedono gli innamorati. / Tra le loro spalle cresce / un denso bosco di impossibili, / con molti rami oscuri. // Un denso bosco di spini / cresce tra le loro labbra. / Pallide parole aride, / fogliame di commiati, / ombra di confusa angoscia / nell’arco giovane della bocca, / nel dolce luogo dei baci. / Così perduti, così soli / lungo interiori cammini! // Davanti a loro, le statue, / eternamente abbracciate, / gloriosamente ignude, / profondamente amorose, / con splendori di primavera / nell’etereo gesto del marmo... // (Festivi corpi di pietra!). MEIRELES, Cecília. “Namorados”; “Innamorati”. In: Poemas italianos, cit., pp. 35, 34.
[14] CASTRO, Celso. “Cecília Meireles: o turismo e a viagem”. In: FERREIRA Marieta de Morais (org.). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, jul. 2011. Disponível em https:// anpuh.org.br/index.php/documentos/anais/category-items/1-anais-simposios-anpuh/32-snh26. Acesso em: 3 maio 2021.
[15] Tradução: “E il Presente, vivo, non trattiene né fa tacere / l’immenso Passato andato via”. MEIRELES, Cecília. “Espólio”; “Depredazione”. In: Poemas italianos, cit., pp. 89, 88.
[16] Tradução: “Ecco un popolo che va e parla, / diurno e senza mistero, / dall’altero profilo, le spalle arroganti, / il gesto ampio e superlativo. // Ecco un popolo di marmo e di bronzo, / in cima alle colonne, tra le acque delle fontane, / sui muri dei giardini e sui parapetti, – / che conserva l’atteggiamento e il gesto / e insiste, giorno e notte, / nel silenzioso discorso, / nella muta conversazione. // Ecco un popolo di cenere, da per tutto, / un vasto popolo sotterraneo, / che si alza nell’alta notte di Roma, / che sale a fior di terra, / che viene da tumuli e catacombe, / cerca la corona sulla fronte, / la fibbia della toga, / il sangue che scorre dal petto, / il profumo che scorre nelle trecce... / Un popolo che cerca i propri occhi / e torna a vedere la porta, l’arco, il cipresso, / la colonna e il muro, / il foro e le terme, / il suono della conchiglia monumentale del Colosseo, / l’orma degli Angeli tra le fiere. // Ecco un popolo doloroso, / sveglio nell’alta notte, / imbevuto di luce lunare, / trasparente e fluttuante, / su Roma, su Roma, / con voce senza bocca, sogno senza eco, – tutto polvere”. MEIRELES, Cecília. “Habitantes de Roma”; “Abitanti di Roma”. In: Poemas italianos, cit., pp. 83, 85, 82, 84.
[17] Tradução: “Sebbene tu stia servendo / aperitivi e liquori, / il tuo profilo parla, / i tuoi occhi dicono / cose di età lontane. // Il tuo forte naso di statua, / le tue palpebre notturne, / sono colonne, archi, porte / che il tempo salvò di un mondo / spezzato in lapidi e urne”. MEIRELES, Cecília. “Ah! Santa Maria...”; “Ah! Santa Maria...”. In: Poemas italianos, cit., pp. 93, 92. Neste poema, a escritora refere-se à praça em frente à igreja de Santa Maria em Trastevere, com seus atrativos turísticos. Na crônica “Minas em Roma”, porém, narra uma lenda sobre a fundação do maior templo mariano da capital italiana: “Tudo em redor de mim tem uma história prodigiosa. Muitas coisas que ora brilham sob este leve sol dourado nasceram de sonhos e visões: numa noite de agosto, a Virgem apareceu a um homem que desejava oferecer sua riqueza a Deus, e aconselhou-o a construir uma igreja onde, no dia seguinte, nevasse. Como esperar neve em agosto? Mas também ao Papa a Virgem apareceu, dizendo-lhe que fosse ao Esquilino, onde haveria neve. E foi assim que, no século IV, foi levantada a igreja de Santa Maria Maggiore”. Apud: LOPES, cit., p. 27.
[18] MEIRELES, “Roma, turistas e viajantes”, cit., pp. 259, 257, 259. Os trechos citados não obedeceram à ordem estabelecida pela autora.
[19] Apud: BIZZARRI, cit., p. 153.
[20] Tradução: “duri busti di porfido”; “maschere color di mosto / colore di remoto sangue”; “Solo io sono arrivata, carica d’inverno. / Solo io respiro in questa fredda sala di marmo. / Fredda di morte. // [...] // Solo io sono arrivata, / unico volto vivo, a mirare i vostri volti. / Ed in silenzio contemplo. // [...] // Solo io sono arrivata. / Restate tranquilli sui vostri plinti. / Non è ancora la fine del mondo. Non ancora tornerete a respirare, / nonostante le narici perfette e le nitide labbra”. MEIRELES, Cecília. “Assembleia de pórfiro”; “Assemblea di porfido”. In: Poemas italianos, cit., pp. 67, 66.
[21] Tradução: “accoglie il sole la palpebra scolpita, / l’acqua e il vento la tunica increspata. [...] // in pietra imprigionata”. O poema foi escrito no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1955. MEIRELES, Cecília. “Diana”; “Diana”. In: Poemas italianos, cit., pp. 127, 126. Cf. Bizzarri, cit., p. 156.
[22] Tradução: “Tutto in attesa, tra i vigilanti cipressi / e le abbattute colonne, / che le statue scendano dagli architravi, / dai giardini, dalle scalinate, dalle fontane, / e vengano ad adagiare tra i giacinti, / per la merenda vespertina, / il candore della loro nudità felice. // (Le tuniche di marmo già si schiudono, al vento...)”. MEIRELES, Cecília. “Cores”; “Colori”. In: Poemas italianos, cit., pp. 71, 70.
[23] Tradução: “Ecco la bella testa di bronzo del remoto adolescente: / i capelli sono un’ondosa corona come foglie di olivo; / le sopracciglia incurvano ghirlande serene; / le narici respirano l’arcaico giorno della vita; / c’è sul labbro una sorpresa di sogno quasi in forma di parola. // E come l’artista ha vuotato l’iride, quale pupilla smisurata, / gli cade su tutto il viso un’ombra densa, grave e profonda: / – finestre rotonde per cui penetra il volto mobile dei secoli, / finestre rotonde da cui emerge quell’abisso d’eternità, / silenzioso, immenso, estatico, / dove tutte le immagini si cancellano. // Quale adolescente ha vissuto con la tua carne / lo spettacolo d’anima che il bronzo ci trae di tanto lontano?”. São os mesmos sentimentos já expressados num poema escrito em Florença, em abril de 1953, dedicado a uma estátua admirada na Galleria degli Uffizi: “IGNOTO ROMANO esculpido / por ignota mão, preservando / no silêncio da pedra o antigo / rosto, que cobre a ignota sorte, / parado entre sonho e suspiro, / sem gesto, sem corpo, sem roupas, / sem profissão nem compromisso, / sem dizer a ninguém mais nada / nem do amigo nem do inimigo...”. Tradução: “IGNOTO ROMANO scolpito / da ignota mano e conservi / nel silenzio della pietra l’antico / volto, che nasconde ignota sorte, / fermo tra il sogno e il sospiro, / senza gesto, né corpo né vesti, / né professione né impegni, / senza dire a nessuno più nulla / né d’amico né di nemico...”. MEIRELES, Cecília. “Adolescente romano”; “Adolescente romano”; “Discurso ao ignoto romano”; “Discorso all’ignoto romano”. In: Poemas italianos, cit., pp. 125, 124;19, 21, 18, 20. Cf. BIZZARRI, cit., p. 151.
[24] Cf. BIZZARRI, cit., p. 152.
[25] Tradução: “Centomila pupille si vedono nella polvere della pietra deserta. // Tra corridoi e scalinate, / il cavo abisso dell’umido sottosuolo / esala i lugubri piaceri dell’antichità: // un vocio arcaico viene fuori dall’ombra, / – o dure voci romane! / – un caldo sangue viene erompendo, / – o nero sangue delle fiere! – / un grande aroma crudele s’inarca per le pietre curve. / – O sordo nome tremulo della morte! // [Non cadranno giammai queste pareti, / fissate con questo sangue, e il ruggito, / l’artiglio proteso, la gola arcuata nel vuoto, / le corde dello spasimo umano spasimo sull’ultimo rantolo...) // Centomila pupille rimangono qui, / fissate nelle pietre del tempo, / macchiate di fuoco e di morte, / alla fine del giorno tragico, / dopo quell’avida e accesa coincidenza, / quando conversero in quest’arena di angoscia, / che oggi è polvere di silenzio, / triturata solidudine”. MEIRELES, Cecília. “Coliseu”; “Colosseo”. In: Poemas italianos, cit., pp. 41, 43, 40, 42.
[26] Tradução: “Dell’imperatore che passò, nessun vestigio: / – e fu così poderoso. // Ma il vento che danzava nelle pieghe della veste / – ed era vento lieve! – / continua lì a danzare. // [...] / Il vento sognato, appena. / Lì è prigioniero il vento che sempre fugge... // La pietra, che non si muove, ondeggia. / Danza. Per sempre. // E la mano dell’artista, da molti secoli, / è anche vento”. A ideia do sonho imortalizado na pedra está presente também em outra lírica: “Ah, os homens refazem seus sonhos / sobre teu sonho, alabastro”. Tradução: “Ah, gli uomini rifanno i loro sogni / sopra il tuo sogno, alabastro”. MEIRELES, Cecília. “Arco”; “Arco”; “Alabastro”; “Alabastro”. In: Poemas italianos, cit., pp. 39, 38; 45, 44.
[27] A expressão, que surgiu no poema épico Pharsalia (Farsália, 61 d.C.), de Marco Aneu Lucano, referia-se a Roma como capital ou centro do mundo conhecido. Em 1963, Antonello Venditti, na época um adolescente de 14 anos, compôs, em homenagem à sua cidade, “Roma capoccia”, numa tradução jocosa da frase latina: “Roma capoccia der mondo infame”. A canção foi lançada no álbum Theorius campus (1972), que reunia composições de dois cantores e compositores romanos: Venditti e Francesco De Gregori.
[28] Tradução: “Guardando avanti, lontano, / come un tempo la lupa coi gemelli. / Dimenticando il mondo infranto dietro i suoi passi”. MEIRELES, Cecília. “Roma”; “Roma”. In: Poemas italianos, cit., pp. 63, 62.
[29] MEIRELES, “Roma, turistas e viajantes”, cit., pp. 257-258.
[30] Tradução: “muri tanto antichi”. MEIRELES, Cecília. “Florista”; “Fioraia”. In: Poemas italianos, cit., pp. 33, 32.
[31] MEIRELES, “Oriente-Ocidente”, cit., p. 233; apud: BIZZARRI, cit., pp. 152, 154.
[32] Tradução: “Vecchi muri romani, spegnetevi, / perché brillino i colori della primavera: / – margherite, gigli, rose”. MEIRELES, Cecília. “Natureza quase viva”; “Natura quasi viva”. In: Poemas italianos, cit., pp. 47, 46.
[33] Tradução: “Sui muri dell’urbe si disegnano gli alberi / gialli, ruginosi fragili, / quasi fossili. // Sui muri dell’urbe scivola il sole del crepuscolo / freddo, coronato di vento: / questo limpido e frivolo crepuscolo odierno. // Sui muri dell’urbe si disegnano vecchie mani; / mani d’argilla e di fuoco, mani senza nome, / che ancora non hanno imparato a dormire del tutto. // Sui muri dell’urbe, le mani scorrono, tozze e agili, / con nere unghie, dure vene: scorrono, contornano, / palpano, calcolano a piombo e livella. // Sui muri dell’urbe, dorati dal sole, / scivolano le mani postume, durate di terra. // Conversano tra loro le mani al di sopra dei muri. / Ricordo dell’antico lavoro. / Nostalgia di costruire. // Sui muri dell’urbe scivola l’ombra dei sogni d’oggi, / delle ore veloci, / nel limpido e frivolo crepuscolo odierno. // Quando dormiranno le mani diligenti / degli instancabili antenati?”. MEIRELES, Cecília. “Muros de Roma”; “Muri di Roma”. In: Poemas italianos, cit., pp. 87, 86.
 [34] Tradução: “Roma – melagrana, pelle dorata di mattone, / grani rossi e tumidi d’occaso: / – scompartimenti di secoli / in porfido, marmo, bronzo, meticoloso mosaico. / Imperatori, santi, martiri, soldati, gente anonima / in ogni nicchia, in ogni alveolo dell’antichità. // Tutto in lagrime e sangue, / in tempo accumulato, / in sudore di molte stanchezze e guerre, / in corone di gloria, / immensamente lontano... // Roma – melagrana  crepuscolare, tra la campagna e il fiume. / Le api di pietra la sognano. / L’acqua delle fontane la piange, la lava, la piange... / La Madonna l’addita al suo Bambino, addolorata. / Bocche di bronzo l’assaggiano, con denti sonori, / con lingua nostalgica raccontano le sue favole / alle nuove onde del Tevere, / alle nuove acque che passano, / e disfano nel loro cammino / tutto questo peso d’antichità...”. MEIRELES, Cecília. “Roma”; “Roma”. In: Poemas italianos, cit., pp. 109, 108.