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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Edoardo Sanguineti
Fabiana Assini
Neovanguarda
em
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O século XX foi, por si só, um período bastante significativo, uma vez que teve as duas grandes guerras e suas consequências. Mas são os anos 1960, conforme explica o crítico e poeta italiano, Enrico Testa, que constituem uma das fases mais significativas da história da segunda metade do século. Na Itália, especialmente, é o momento, segundo Pier Paolo Pasolini, do "trauma" entre uma civilização camponesa e arcaica e o crescimento industrial do boom capitalista, pois é nesse período do pós-guerra que mudanças econômicas e sociais ocorrem. dentre elas podemos citar: o boom econômico, a industrialização (que vai favorecer o processo migratório dentro do próprio país), a escolarização em massa ( que vai favorecer o aumento do uso da língua italiana e reduzir os dialetos) e a difusão dos meios de comunicação. Consequentemente, essas mudanças também afetam a literatura italiana do século.
Será
nesse período, portanto, que as vanguardas vão surgir. Correntes que
possibilitam a experimentação das formas linguísticas e relacionadas ao
conteúdo; uma interdisciplinariedade de pensamentos; a recuperação da audácia
experimental de vanguardas histórias (como o futurismo, por exemplo) e que
criticavam a literatura que estava no auge naquele momento. Dentre essas
vanguardas temos a chamada neovanguarda, que foi um movimento literário, que
teve origem por críticos e escritores italianos no final da década de 1950. Sua
expressão mais significativa está nas atividades do Gruppo 63.
Fundado
em outubro de 1963, o grupo de jovens que formavam esse movimento eram
fortemente críticos em relação às obras literárias ainda ligadas aos modelos
tradicionais dos anos 1950, isto é, eles contestavam os modelos do romance
neorrealista e da poesia tradicional, buscando assim uma pesquisa experimental
de formas linguísticas e de conteúdo. Pode-se dizer que o Gruppo 63 tentava
propor uma renovação no panorama da literatura italiana, tendo um conceito de
obra “aberta” às novas linguagens e brincando com as formas mais comuns da
narrativa. Dentre os participantes do movimento está Umberto Eco, autor
italiano já traduzido no Brasil.
Um outro
intelectual dessa neovanguarda foi o poeta e escritor Edoardo Sanguineti
(1930-2010). Nascido em Gênova, assim como outro poeta novecentesco, Eugenio Montale (1896-1981), foi um dos cinco poetas
presentes na antologia de A.Giuliani, I
novissimi (1961). Professor universitário de literatura italiana em Turim,
Salerno e Gênova, também se dedicou à área política, atuando como deputado entre
os anos 1979 e 1983. Embora produza uma literatura caracterizada como mais
avançada para a época, tem seu ponto de referência no poeta florentino, Dante
Alighieri (poeta que influencia, de certo modo, uma série de outros poetas, como por exemplo,
Giorgio Caproni, poeta que ganha destaque aqui e aqui).
A primeira
coletânea poética de Sanguineti é publicada antes da formação do Gruppo 63,
intitulada Laborintus (1956), a qual
poucos anos depois, junto com Erotopaegnia,
integrou a coletânea Opus metricum
(1960). Porém, já na poesia dos anos 50, é possível observar indícios de
algumas características que mais tarde farão parte da neovanguarda. É uma
poética, como Testa coloca, de difícil compreensão (mas não impossível), que se
utiliza de plurilinguismo e sintaxes diferentes. O poema abaixo é um dos que
compõe a coletânea:
O
poema não possui título e geralmente podem ser identificados de uma numeração,
o que pode indicar uma continuação entre um poema e outro. Como podemos ver nos
30 versos, divididos em 4 estrofes, não há letras maiúsculas, com exceção de
nomes próprios e as palavras em inglês, que são escritas todas em caixa alta. A
língua grega, assim como a inglesa, parece ganhar mais visibilidade no texto
devido sua grafia bastante diferente da latina. Por sua vez, a língua francesa
acaba se harmonizando com a italiana, e só é notada ao decorrer da leitura do
poema. Também não há muitos sinais de
pontuação, salvo pouquíssimas exclamações e eventuais sinais, como dois pontos,
ponto e vírgula e interrogação. Os parênteses, presentes na primeira e quarta
estrofes, são uma característica dessa primeira coletânea sanguinetiana. Fórmulas
da oralidade podem ser frequentemente encontradas em sua poesia como as repetições
pronominais.
Assim
como outros poetas do período, a escritura de Sanguineti acaba se modificando
ao longo de sua trajetória poética. Sua escrita busca cada vez mais recuperar
uma comunicabilidade. Além disso, novos elementos passam a fazer parte de seus
versos. Se antes a autobiografia era algo bastante presente, o tema da viagem
também conquistará seu espaço na poesia de Sanguineti, principalmente a viagem
vista como um momento onde o “eu” poético se perde e se reencontra.
É um
poeta do cotidiano, e sua escritura se nutre desses elementos diários: é uma “poetica
di fatto vero”. Testa classifica Sanguineti como um poeta familiar, isto é, que
traz sua família, sua mulher e filhos, para sua poesia, o que até o momento não
era um tema muito abordado pelos poetas (além de Giorgio Caproni, outro poeta
visto como familiar, é Vittorio Sereni). Por isso, há a presença de personagens em sua poesia,
que evidencia outra particularidade dessa poesia que se desenvolve particularmente
a partir dos anos 60.
Dentre
as outras coletâneas de Sanguineti, citamos Triperuno
(1964), que une a anterior: Opus metricum
e a inédita Purgatorio de l’Inferno; Wirrwarr (1972); Novissimum Testamentum (1986) e Corollario
(1997). Para quem quer conhecer um pouco mais sobre a obra de Sanguineti,
infelizmente ainda não há nenhuma tradução disponível em língua portuguesa de
qualquer obra na íntegra, entretanto há traduções de alguns poemas sanguinetianos.
Abaixo, trazemos a tradução do poema “In te dormiva come un fibroma asciutto…”,
feita por Maurício Santana Dias e que faz parte de Opus metricum:
in te dormiva come un fibroma asciutto, come una magra
tenia,
[un sogno;
ora pesta la ghiaia, ora scuote la propria ombra; ora
stride,
deglutisce, orina, avendo atteso da sempre il gusto
della camomilla, la temperatura della lepre, il rumore
della grandine,
la forma del tetto, il colore della paglia:
..........................senza rimedio il tempo
si è rivolto verso i suoi giorni; la terra offre immagini
confuse;
saprà riconoscere la capra, il contadino, il cannone?
non queste forbici veramente sperava, non questa pera,
quando tremava in quel tuo sacco di membrane opache.
Tradução
em
ti dormia como um fibroma enxuto, como uma tênia magra,
[um
sonho;
agora
pisa o pedrisco, agora espanta a própria sombra; agora grita
deglute,
urina, tendo sempre esperado o gosto
da
camomila, a temperatura da lebre, o rumor do granizo,
a
forma do teto, a cor da palha:
......................sem
remédio o tempo
voltou-se
para os seus dias; a terra oferece imagens confusas;
saberá
reconhecer a cabra, o camponês, o canhão?
não
estas tesouras realmente esperava, não esta pera,
quando
tremia naquele teu saco de membranas opacas.
A
poesia de Sanguineti não se limita a um vocabulário limitado, essencial. O
poeta sente afeição em relação à língua, quase como um maníaco de palavras,
inclusive se utilizando em seus versos de palavras inventadas. Ao contrário de um
pensamento dominante no segundo Novecento,
no qual muitos poetas começam a criar uma certa desconfiança em relação à
palavra, pensando num limite da linguagem, ou seja, a linguagem não é mais
capaz, ou até suficiente, para uma comunicação eficaz, em Edoardo Sanguineti a
linguagem sobrevive. Há uma confiança no valor da e na palavra. É uma poesia
que não mostra sinais de uma insuficiência da palavra e, enquanto alguns poetas
reduzem seus poemas a dois, três versos, justamente por conta desse embate com
a palavra, Sanguineti continua com seus longos poemas e estrofes, afirmando sua
crença na linguagem e, de certa forma, a reinventando.
como citar: ASSINI, Fabiana. Edoardo Sanguineti e a poesia de neovanguarda. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.2, fev. 2020. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209953
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