La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

O Fenômeno Elena Ferrante: A Amiga Genial

Elena Ferrante (pseudônimo inspirado em Elsa Morante (1918 - 1985)) é um dos grandes sucessos editoriais da literatura italiana contemporânea. Deixando de lado interesses a respeito da biografia da autora, este texto busca ressaltar os aspectos femininos em suas obras, especialmente em A Amiga Genial.


Image result for elena ferrante obrasA tetralogia napolitana segue a história de Lila e Lenù desde a infância até a velhice e é ambientada num bairro periférico de Nápoles. Já nos anos iniciais, infância e adolescência, do primeiro livro, são reveladas questões comuns a mulheres inseridas em contextos patriarcais, como: os problemas familiares (a mulher como um peso financeiro para família, e a consequente desvalorização da sua presença nesses âmbitos), o desenvolvimento intelectual (meninas que estudam passam menos tempo em casa ajudando nos afazeres domésticos), e o dilema entre vida profissional e relações amorosas (com menos oportunidades de trabalho, é importante que a mulher arranje, o quanto antes, um marido que lhe sustente e a quem ela possa ajudar na formação de uma família). Nesses contextos, o valor da mulher se dá apenas enquanto mãe e dona de casa, evitando que outras oportunidades lhe sejam ofertadas. Em relação a essas temáticas e às discussões feministas em suas obras, Ferrante comenta: "Não me parece que o sofrimento delas seja muito diferente do sofrimento que as mulheres enfrentam em todas as partes do mundo, especialmente se nascem pobres. Lila e Lenù se apaixonam, se casam, são traídas, traem, buscam por um lugar no mundo, enfrentam discriminação, se tornam mães, algumas vezes são felizes, algumas vezes infelizes, experimentam perdas e mortes. Eu utilizo o novelesco, mas com relativa moderação. A ligação emocional que estabelecemos com as personagens é, geralmente, o que faz a história parecer uma série interminável de desgraças. Na vida, como nos romances, percebemos as dores alheias e as sentimos como nossas apenas quando amamos, quando nos importamos com essas pessoas."

Trechos da obra que evidenciam esses aspectos são:

     "Quanto a nós, quando estávamos para terminar a quinta série, nos comunicaram que estávamos aptas a continuar os estudos. A  professora chamou separadamente meus pais, os de Gigliola e os de Lila para lhes dizer que devíamos absolutamente prestar não só os exames do nível fundamental, mas também a prova de admissão na escola média. Fiz de tudo para que meu pai não mandasse minha mãe - claudicante, com o olho estrábico e acima de tudo sempre raivosa - a essa reunião com a professora, que viesse ele mesmo, que era contínuo e conhecia os modos de gentileza. Não consegui. Ela foi, falou com a professora e voltou de cara amarrada.
"A professora quer dinheiro. Diz que precisa dar aulas extras a ela porque a prova é difícil."
"Mas para que serve essa prova?", perguntou meu pai.
"Para que ela estude latim."
"E para quê?"
"Porque disseram que ela é boa."
"Mas, se é assim, por que a professora precisa dessas aulas particulares?"
"Porque assim ela fica numa boa, e a gente, na pior."
(...) por fim ambos decidiram que eu prestaria a prova, mas com a condição de que, se eu não me saísse muitíssimo bem, eles me tirariam imediatamente da escola.
Já os pais de Lila disseram que não.
" (p. 56 - 57)


 Ainda, a respeito da experiência vivida pela mulher nas ruas, agora quando as protagonistas já estão na adolescência (segunda parte do primeiro livro):


"O que estava acontecendo? Na rua, os homens com quem cruzávamos olhavam todas nós, as bonitas, as bonitinhas e as feias, e não tanto os rapazes, mas sobretudo os mais maduros. Era assim tanto no bairro quanto fora dele, e Ada, Carmela e eu - especialmente após o incidente com os Solara - tínhamos aprendido instintivamente a manter os olhos baixos, a fingir que não ouvíamos as porcarias que nos diziam e a seguir em frente. Lila não. Passear com ela aos domingos se transformou num elemento permanente de tensão. Se alguém a olhava, ela retribuía o olhar. Se alguém lhe dizia alguma coisa, ela parava perplexa, como se não acreditasse que falavam com ela, e às vezes respondia intrigada. Tanto mais que - e isso era algo fora do comum - quase nunca lhe dirigiam as obscenidades que quase sempre reservavam para nós." (p. 140-141)

     A relação com os livros é comparada à noção dantesca de amor ligado ao intelecto (amor gentile) quando Lenù (narradora) se apaixona por um rapaz, e a paixão mútua pelos livros serve de força motora para esse sentimento. Aqui, da mesma forma, podemos retomar a leitura de um ponto de vista feminino e feminista:


     "No início ele pareceu escutar com atenção, depois, exatamente como Lila, disparou a falar e seguiu adiante cada vez mais tomado pelos próprios pensamentos. Como eu desejava que ele se desse conta de minha inteligência, tendia a interrompê-lo, a dizer minha opinião, mas era difícil, parecia contente com minha presença desde que eu ficasse em silêncio para ouvi-lo, e logo me resignei a isso. De resto, dizia coisas que eu me sentia incapaz de pensar, ou de qualquer modo de falar com a mesma segurança, e as dizia num italiano forte, envolvente." (p. 212 - 213)


     As relações de poder entre o homem e a mulher também percorrem todo o texto, mas tratar deles seria estender demais este texto, cujo objetivo é uma introdução a uma das tantas nuances que se pode tirar dessa obra, que aborda questões ainda mais complexas, como memória, identidade (própria e italiana, como cultura), relação com o outro (intersubjetividade), entre outras, e muitos estudos têm se voltado para suas obras buscando abarcar criticamente esses temas.


    
Ainda, em relação à ambientação, Ferrante comenta: "Uma pessoa precisa ter muita sorte para não ser nem de leve tocada pela violência e por suas muitas manifestações em Nápoles. Mas talvez isso também se aplique a Nova York, Londres, Paris. Nápoles não é pior do que outras cidades na Itália ou no mundo. Levei muito tempo para entender isso. Antes eu achava que só em Nápoles a legalidade frequentemente perdia suas fronteiras e se confundia com a ilegalidade, que apenas em Nápoles os bons sentimentos, de repente, violentamente, sem aviso prévio, tornavam-se maus sentimentos. Hoje me parece que todo o mundo é Nápoles e que Nápoles tem o mérito de sempre ter se apresentado sem máscaras. Como é uma cidade, por natureza, de uma beleza deslumbrante, o feio — a criminalidade, a violência, a corrupção, a conivência, o medo assustador em que nós vivemos, desamparados, a deterioração da democracia — aparece mais nitidamente."

      No Brasil, Elena Ferrante é trazida por mais de um tradutor, como já acenado, e publicada por mais de uma editora:
  • Um Amor Incômodo, 1992, trad. Marcello Lino (Intrínseca)
  • Dias de Abandono, 2002, trad. Francesca Cricelli (Biblioteca Azul)
  • Frantumaglia: os caminhos de uma escritora, 2003, trad. Marcello Lino (Intrínseca)
  • A Filha Perdida, 2006, trad. Marcello Lino (Intrínseca)
  • Uma Noite na Praia, 2007, trad. Marcello Lino (Intrínseca)
  • A Amiga Genial, 2011, trad. Maurício Santana Dias (Biblioteca Azul)
  • História do Novo Sobrenome, 2012, trad. Maurício Santana Dias (Biblioteca Azul)
  • História de Quem Vai e de Quem Fica, 2013,  trad. Maurício Santana Dias (Biblioteca Azul)
  • História da Menina Perdida, 2014, trad. Maurício Santana Dias (Biblioteca Azul)

      Este texto buscou ressaltar algumas das principais temáticas do primeiro romance da série napolitana, como o ponto de vista feminino e a ambientação urbana periférica, entretanto, os livros trazem ainda muitas outras questões, que vem sendo estudadas e divulgadas. Aqui, deixou-se alguns links para divulgação de conteúdo a respeito da autora.

      Para outras informações a respeito de A Amiga Genial, acesse o nosso dicionário.