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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Agnes Ghisi
Giorgio Caproni
Natalia Ginzburg
em
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Centro de efervescência cultural, Roma foi ponto de encontro para grandes nomes da literatura italiana, o que significa dizer que foi palco de momentos e particularidades da vida desses autores. Neste texto, veremos como autores tão diferentes entre si podem enxergar Roma pelas mesmas lentes. Tanto Giorgio Caproni quanto Natalia Ginzburg experimentaram a língua escrita em suas variadas formas: escreveram poesia, prosa, textos críticos, e foram tradutores. Entre suas produções, há pontos de convergência e de divergência. Aqui, ressaltaremos alguns desses pontos.
Caproni fora transferido para a capital pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, na qual lutou como partigiano da Resistência. Sua relação com a cidade é marcada, então, por essa experiência, pela guerra como leitura de mundo: abalada todas as certezas, é a pólvora nos olhos que embaça a vista, e as luzes de Roma ofuscam o olhar. Para Ginzburg, a capital também traz marcas desse período: seu primeiro marido, Leone Ginzburg, falece no cárcere Regina Coeli, durante a ocupação alemã em Roma. Anos mais tarde, ela volta para a cidade em virtude do trabalho de seu segundo marido, Gabriele Baldini, que era professor universitário. Caproni, também professor, mas das séries iniciais da escola básica, vai para lá pelo mesmo motivo: é em Roma que se dão as melhores oportunidades.
Apesar da Guerra e da distância da família, tanto Caproni quanto Ginzburg escolhem ficar em Roma, e é lá que produzem suas obras mais significativas. Caproni tece amizades na cena literária, como Pier Paolo Pasolini (já acenado na nossa última publicação desta série, e que também fora amigo de Ginzburg*), Libero Bigiaretti, Attilio Bertolucci, entre outros. É nesse meio cultural que encontra novas oportunidades de contribuições literárias para jornais e revistas. Além de escritor, ensaísta, crítico e poeta, foi um grande tradutor, principalmente de autores franceses, como Céline e Char. Ginzburg, que durante alguns anos trabalhou na editora Einaudi de Roma (depois de ter trabalhado muito tempo na sede de Turim), percorre um caminho semelhante ao de Caproni em relação a amizades e oportunidades. A Einaudi, à época, era um espaço de encontro entre os literatos italianos, e foi lá que Caproni desenvolveu sua amizade com Ginzburg. E é a pedido seu que ele traduz "Em busca do tempo perdido", de Proust, autor que ela também traduzia.
Proust traduzido por Caproni e Ginzburg, respectivamente. |
Caproni também traduziu Maupassant (Bel Ami, 1965), Céline (Morte a Credito, 1964), Apollinaire (Poesie, 1979), Jean Genet (4 Romanzi, 1975), entre outros. Ginzburg também foi tradutora de alguns autores franceses, como Maupassant (Una Vita, 1994), Flaubert (La Signora Bovary, 1983), Marguerite Duras (Suzanna Andler na coleção Collezione di Teatro, 1987), Vercors (Il Silenzio del Mare, 1945), entre outros.
Maupassant traduzido por Natalia Ginzburg e Giorgio Caproni, respectivamente |
Além da afinidade na relação que tecem com Roma, Caproni e Ginzburg partilham, então, certas preferências literárias. Podemos pensar, também, em como esse espaço de troca de experiências foi significativo para seu desenvolvimento como escritores. É na capital que Caproni escreve seu famoso "Ladainha", poema extenso que dedica à "cidade de sua alma", Gênova; e onde Ginzburg escreve Léxico Familiar, obra em que Roma aparece sob luzes diversas, ora relacionada à guerra e à morte, ora relacionada a memórias mais positivas de sua vida, como as amizades feitas e a vida na editora.
Giulio Einaudi e Natalia Ginzburg |
Ginzburg, como Caproni, muda-se para a capital em busca de melhores condições de vida, e se sente muito só por estar longe da família. Em Léxico Familiar, é comum ela se descrever como uma mulher sozinha quando fala de sua vida em Roma, durante os anos da Segunda Guerra, como em: "ed ero sola in casa com i miei bambini, e aspettavo, e le ore passavano" (p. 164) ("e estava sozinha em casa com meus filhos, e esperava, e as horas passavam"**), e "io restavo sola in città; e non lasciavo la città che per pochi giorni, nel periodo che la casa editrice chiudeva" (pp. 202-203) ("eu ficava sozinha na cidade, e não a deixava senão por alguns dias, no período em que a editora fechava").
Nos versos capronianos, a solidão também é evocada quando se trata da vida na metrópole, como em "Ad Catacumbas sull'Appia / la luce rossa di Roma / mi trova solo" ("Ad Catacumbas na Ápia / a luz vermelha de Roma / acha-me só", na tradução de Aurora Fornoni Bernardini, para a coletânea A coisa perdida: Agamben comenta Caproni, pp. 96-97). Em contraste, podemos observar a relação mais afetuosa que Caproni tece com Gênova, na já citada "Ladainha":
"Gênova minha cidade inteira.
Gerânio. Celeiro. [...]
Gênova onde não vivo,
meu nome, substantivo. [...]
Gênova que não me deixa.
A namorada. Gueixa. [...]
Gênova de soluços,
mamãe, Via Bernardo Strozzi. [...]
Gênova de toda a vida.
Minha ladainha infinita. (...)"
(pp. 126-139)
Para Ginzburg, também são as cidades de sua juventude que evocam memórias nostálgicas quando comparadas à vida adulta e do pós-guerra na capital. Natalia, nascida em Palermo, na Sicília, escreve sua primeira rima, ainda criança, para sua cidade natal logo que se muda para Turim: "Palermino, Palermino / Sei più bello di Torino". Entretanto, essa relação com Turim foi mudando ao longo do tempo, e a cidade se transformou em sua saudade maior quando foi morar em Roma, especialmente por ser a cidade em que seus pais ainda moravam; tornou-se, então, um espaço de memória.
"Io andavo e venivo, tra Roma e Torino. Mi preparavo a lasciare Torino per sempre.
Dicevo addio, nel mio cuore, alla casa editrice, alla città. Mi proponevo di lavorare ancora alla casa editrice, nella sede romana; ma pensavo che sarebbe stato molto diverso.(...)
Amavo, nella casa editrice, i miei compagni di lavoro: quelli, e non altri. Pensavo che non avrei saputo lavorare in mezzo a altra gente. Difatti, quando poi fu a Roma, finii per lasciare la casa editrice, essendo incapace di lavorare, senza l'editore e quei miei antichi compagni." (p. 91)
("Eu ia e vinha, entre Roma e Turim. Me preparava para deixar Turim para sempre. Dizia adeus, no meu coração, à editora, à minha cidade. Me propunha ainda a trabalhar na editora, na sede romana, mas achava que seria muito diferente. (...) Amava, na editora, os meus companheiros de trabalho: aqueles, e não outros. Achava que não saberia trabalhar em meio a outras pessoas. De fato, quando depois fui a Roma, acabei por deixar a editora, sendo incapaz de trabalhar, sem o editor e aqueles meus companheiros de antes.")
Apesar de ter deixado a editora, esses anos em Roma foram muito profícuos para a carreira literária de Ginzburg.
Roma se apresenta, nessas obras, como palco de uma solidão implacável e também como metrópole fervilhante, em que tudo pode acontecer. A relação de Caproni e Ginzburg com a capital é complexa e, por vezes, ambígua, difícil de expressar. É pelas dificuldades da vida adulta numa Itália que estava se reconstruindo e se recuperando da Guerra que Caproni e Ginzburg se encontram; é por suas solidões numa cidade tão grande que suas obras podem dialogar. Assim, Roma é onde se dá o encontro de exílios, que se desenvolvem em espaço para o novo.
Texto redigido por Agnes Ghisi, bolsista de iniciação científica no projeto "Limites do indecivídel e ruínas da linguagem em Giorgio Caproni" e pesquisadora no Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana Traduzida.
*Ginzburg aparece em Il Vangelo Secondo Matteo, de Pasolini, como Maria di Betania
**Tradução minha, apesar de a obra ter sido traduzida e publicada no Brasil.
PETERLE, Patricia. A palavra esgarçada: poesia e pensamento em Giorgio Caproni. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2018.
PETERLE, Patricia. no limite da palavra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015.
PETERLE, Patricia. A palavra esgarçada: poesia e pensamento em Giorgio Caproni. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2018.
PETERLE, Patricia. no limite da palavra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015.
como citar: GHISI, Agnes. Amizades Literárias: Giorgio Caproni e NaDisponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209910
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