La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Cursos e re-cursos: tempo e liberdade no pensamento historicista de Giambattista Vico, por Agnes Ghisi

Portrait
Giambattista Vico (1668 - 1744)
      "Os homens primeiro sentem sem se exprimir, então se exprimem com espírito perturbado e abalado, e finalmente refletem com a mente pura". Essa citação do filósofo Giambattista Vico reflete seu pensamento a respeito da história da humanidade. Segundo Vico, há um círculo eterno ideal da história do homem em sociedade: a era dos deuses (poder teocrático), a era dos heróis (poder aristocrático), e a era dos homens (poderes monárquicos e democráticos, em que os homens obedecem à mesma lei). A vida em sociedade começa a partir do momento que o homem deixa de ser primitivo, quando sai da vida ferina (de fera, de besta), e coloca o instinto em detrimento da razão: é a partir do momento que entende que a Liberdade Absoluta fere a Liberdade e o Arbítrio do outro que o homem passa a se relacionar racionalmente com o mundo. Assim, constitui-se como ser social e não mais como fera primitiva.



      Vico teve contato com as obras e ideias de Descartes, Hobbes, Gassendi, Malebranche e Leibniz, importantes filósofos da época. Com essa variedade intelectual, Vico é capaz de criar suas próprias ideias originais, sintetizando a racionalidade experimental e a tradição platônica religiosa. Uma das principais polêmicas que o cercam é sua oposição às ideias de Descartes: se, para este, cogito ergo sum (penso, logo existo), para o napolitano, por outro lado, verum ipsum factum (a verdade é o fato). Mas o que isso quer dizer? Para Descartes, a maior prova que temos da nossa existência é a nossa consciência, revelada através da nossa capacidade de pensar. Isso quer dizer, a base do pensamento cartesiano está na auto-evidência de nossa existência. Já para Vico, essa é apenas isso mesmo, uma evidência da nossa consciência, o que não pode ser visto como ciência, já que esta busca uma explicação, busca entender o como e o porquê das coisas. A Verdade, então, no pensamento do napolitano, é algo que apenas Deus, sendo onisciente, é capaz de alcançar; o homem, através da linguagem matemática, busca se aproximar de uma compreensão dela. Além disso, o verum ipsum factum implica uma noção fundamental de história (na plataforma YouTube, Marco Lucchesi fala a respeito, aqui).

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    Sua obra Scienza Nuova (que pode ser lida aqui) é dividida em cinco livros que tentam dar conta do complexo pensamento de Vico. No primeiro livro, ele trata do estabelecimento dos princípios da nova ciência (os elementos, os princípios e os métodos); o segundo, com quase o dobro de páginas do primeiro, é intitulado "da sapiência poética" e trata de uma infinidade de acontecimentos históricos e fenômenos naturais que marcaram a história da humanidade, além de discorrer sobre a vida do homem em sociedade; o terceiro livro se volta para a era de Homero; o quarto, para a questão das nações e de como elas se formam, trata, então, da questão do homem como ser político - sendo uma leitura histórica, Vico vê o curso da história humana; por fim, no quinto livro, ele trata do re-curso, ou seja, de como a história, inevitavelmente, é repetida.

Pintura apresentada como introdução da obra

    Na introdução à obra, que se inicia justamente com a pintura acima, lemos: "a mulher com as têmporas aladas, que domina o globo do mundo (ou seja, o Mundo da Natureza), é a Metafísica, que tanto faz soar seu nome. O triângulo luminoso que dentro tem um olho vidente é Deus com o aspecto da sua Providência. Por esse aspecto, a Metafísica o contempla em êxtase sobre a ordem das coisas naturais, pela qual os filósofos o tem contemplado até agora. Porque, nessa obra, se elevando cada vez mais, ela contempla o mundo das mentes humanas em Deus (que é o Mundo Metafísico) para demonstrar a Providência no Mundo das Almas Humanas, que é o Mundo Civil, ou seja o Mundo das Nações, o qual, formado por todas essas coisas como se fossem seus elementos, a pintura aqui representa com hieróglifos, que aparecem embaixo. Por isso o globo (o Mundo Físico, ou mesmo natural) é sustentado apenas de um lado pelo altar, porque os filósofos até agora, tendo contemplado a Divina Providência só pela Ordem Natural, demonstraram apenas uma parte dele. (...)" Esse pequeno trecho do parágrafo introdutório já nos deixa a par do vasto e complexo conteúdo que a obra se propõe a tratar. (Ainda, na plataforma Google Books, é possível encontrar um estudo  interessante sobre esta obra e o pensamento de Vico, e está disponível aqui.)

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      Em tempos como os que vivemos, pensar o que é a liberdade e como ela tem ganhado um novo significado, ou como é ressignificada dentro de outros conceitos (como o de livre arbítrio), é uma discussão que pode iluminar algumas mudanças e tendências que se deram nos últimos tempos. Se retomarmos a questão da saída da vida bestial, da evolução do homem primitivo para o homem civil, é essencial pensar o que é a liberdade para cada um desses indivíduos. Para o primeiro, ela se configura como uma vontade irrestrita, um desejo que não encontra limitações intrínsecas, quando muito, elas serão limitações extrínsecas e se darão por ordem de força maior (a natureza ou o ambiente, uma resistência mais forte por parte do objeto de desejo, alguma impossibilidade etc); para o segundo, entretanto, a liberdade é individual e coletiva, isto é, a liberdade se estende até a liberdade do outro, porque somos seres sociais, então existe justamente uma noção de social e de comunidade que implica uma limitação interior às liberdades individuais de cada um.

      Hoje em dia, entretanto, especialmente nos últimos anos, a primeira noção de liberdade (individual, de fera) parece estar ganhando mais espaço mesmo que ainda sejamos seres sociais com liberdades próprias (individuais, mas coletivas). A violência, por exemplo, nas suas mais variadas manifestações, é uma liberdade absoluta e bestial (a fera, em geral, se sente ameaçada e reage buscando aniquilar aquilo que lhe causa medo). Enquanto o respeito e a coexistência são exemplos da segunda noção de liberdade. Para entender a diferença entre elas, Vico recorre à história, procurando, assim, explicá-las, entender seus comos e seus por quês. E é através do curso da história que ele propõe que ela se repete de certa maneira, e entra num re-curso; a história mesma sendo um recurso para a compreensão dos fatos, ou seja, da verdade. Se estamos ou não retornando à era das bestas, do homem primitivo, vale sempre ressaltar que resistir é essencial, para que, no futuro, as novas gerações sejam capazes de retornar para a era dos homens (civis, sociais, e livres à sua maneira).

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[O mais sincero agradecimento a Maurício C. Schütz pelos conselhos e a explicação de alguns conceitos filosóficos presentes neste texto.]


como citar: GHISI, Agnes. Cursos e re-cursos: tempo e liberdade no pensamento historicista de Giambattista Vico. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.3, março. 2020.  Disponível em
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209916