La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Carlo Levi, um autor de múltiplos talentos, por Leila Marangon





Embora pouco conhecido no Brasil fora do meio acadêmico, Carlo Levi (Turim, 1902 – Roma, 1975) foi um importante narrador da literatura italiana do século XX. Médico, pintor, jornalista, ativista político, escritor de sucesso e senador da república, era sobrinho de Claudio Treves, figura proeminente do Partido Socialista Italiano.

O convívio no ambiente politizado de Turim, no qual teve contato com Piero Gobetti, Gaetano Salvemini, e posteriormente com os irmãos Carlo e Nello Rosselli, fundadores do grupo de resistência antifascista Giustizia e Libertà, certamente foi decisivo para que Levi se tornasse militante antifascista e fosse preso em 1934 (logo libertado) e em 1935, quando foi condenado à pena de confinamento na Lucânia (atual Basilicata); a experiência do cumprimento da pena está na base de seu ensaio Paura della Libertà e de seu primeiro romance, Cristo si è fermato a Eboli (Cristo parou em Éboli).




O romance foi escrito entre dezembro de 1943 e julho de 1944 e publicado em 1945 pela Giulio Einaudi Editore, de Turim, logo após o término da segunda guerra mundial, num período bastante profícuo para a literatura italiana. A agitação dos anos precedentes em que a Itália foi governada pelo governo fascista (por mais de vinte anos), a resistência armada e a necessidade de reconstrução do país civil e culturalmente fez com que intelectuais até então tolhidos em sua liberdade de expressão se manifestassem das mais variadas formas. Imediatamente, o livro de Levi despertou grande interesse e foi traduzido para vários idiomas.

A obra é o relato da experiência do confinamento de Carlo Levi entre 1935 e 1936, em que o autor esteve em contato com a realidade da distante região meridional, paupérrima e abandonada pelos poderes constituídos do Estado e pela Itália mais desenvolvida do norte. O autor teve interação direta com a população local, facilitada pela sua condição de formado em medicina (embora não exercesse a profissão) e, com a perspectiva narrativa de um antropólogo, expõe e valoriza a autonomia cultural do mundo camponês, arcaico, seus próprios valores, suas crenças e magia através de personagens reais.

O incipit do livro “Sono passati molti anni, pieni di guerra, e di quello che si usa chiamare la Storia”[1] já revela ao leitor que o tempo presente de sua escrita não é o mesmo dos fatos relatados. O título refere-se a uma expressão utilizada pelos habitantes da Lucânia para simbolizar a dimensão do abandono em que viviam: Cristo teria parado em Éboli (cidade da região da Campânia, província de Salerno), onde terminava o acesso por trem, que não chegava a alguns dos locais mais miseráveis do extremo sul da Itália.

“Cristo parou em Éboli” tem características que impossibilitam seu enquadramento em um único gênero literário, uma vez que tem conteúdo memorialístico, documentário, sociológico, ensaístico, romanesco, de denúncia política e de literatura de viagem. Muitas das obras de Levi são, de fato, relatos de viagens: Le parole sono pietre - tre giornate in Sicilia (1955), trata da viagem à Sicília, Tutto il miele è finito (1956), à Sardenha, La doppia notte dei tigli (1959), à Alemanha, e Il futuro ha un cuore antico (1959), à então União Soviética.

Outros livros de Levi são: Paura della Libertà (escrito em 1939 e publicado em 1946), Paura della Pittura (1942), L'Orologio, (1950), e Quaderno a cancelli (póstumo, de 1976, aos cuidados de Linuccia Saba). Depois da morte de Levi, seus artigos, ensaios, conferências, escritos variados, muitas vezes inéditos, alguns datados de 1922, foram reunidos por Gigliola di Donato em Coraggio dei miti, publicado em 1976. Muitos dos livros de Carlo Levi são ilustrados com seus quadros.







“Cristo parou em Éboli”, o livro mais conhecido de Carlo Levi, teve duas traduções no Brasil: a primeira foi feita por Nair Lacerda e publicada em 1952 pela Editora Mérito, do Rio de Janeiro, com o título de "Cristo ficou em Eboli", e a segunda, realizada por Wilma Freitas Ronald de Carvalho intitulada "Cristo parou em Eboli”, publicada pela Editora Nova Fronteira, também do Rio de Janeiro, em 1986. Além de Cristo si è fermato a Eboli, apenas La doppia notte dei tigli tem tradução brasileira, com o título de “A dupla noite das tílias”, de Liliana Laganá, para a Editora Berlendis & Vertecchia, em 2001.




A obra de Levi foi recebida no Brasil entusiasticamente, num primeiro momento, como foi de modo geral na Itália nos anos que se seguiram à publicação de seu livro de estreia. Tanto quanto sua obra, Levi foi bastante celebrado pela imprensa nacional dos anos quarenta e cinquenta, mesmo que por outros aspectos que não o literário, como em razão de suas atividades de pintor, de ativista político e de personalidade ativa nos mais importantes meios culturais e sociais europeus. A partir do final dos anos cinquenta as menções a Levi foram se reduzindo gradualmente e já demonstravam alguma crítica negativa, como também aconteceu na Itália, em que, principalmente na década de sessenta, o neorrealismo (do qual Levi foi importante representante) foi revisto e sofreu duras críticas, destacando-se as de Alberto Asor Rosa que, com seu Scrittori e Popolo, foi uma das vozes mais representativas. É curioso que no trecho em que critica a obra e Carlo Levi, Rosa (1976, p. 185) reconhece suas qualidades ao afirmar: “L’opera forse più alta e compiuta di questo periodo è Cristo si è fermato a Eboli (1945), di Carlo Levi:[...]”.[2]

No que diz respeito às traduções brasileiras de “Cristo parou em Éboli”, quase não se vê registros na imprensa, exceto por poucas menções à publicada em 1986. O nome de Levi apareceu na imprensa brasileira antes mesmo dele tornar-se escritor; foi na publicação de 5.09.1935, do jornal “A Manhã”, do Rio de Janeiro, quando foi noticiada sua condenação à pena de confinamento pelo governo fascista, junto com outros intelectuais.

Em 1979, Francesco Rosi realizou a adaptação de “Cristo parou em Éboli” para o cinema. Existem duas versões do filme: uma de 150 minutos, que foi distribuída pelas salas de cinema da Itália a partir de 23 de fevereiro de 1979 e outra, de 270 minutos, em episódios que foram veiculados pela televisão.

A versão cinematográfica começou a ser na rodada na primavera de 1978, época de grande tensão na Itália, causada pelo sequestro e assassinato de Aldo Moro, presidente da Democracia Cristã, pela organização terrorista Brigadas Vermelhas. As locações do filme são quase todas na Basilicata: em Matera, Aliano (que no livro era chamada de Gagliano, conforme linguagem de seus habitantes), Guardia Perticara. A estação ferroviária que aparece no início do filme é a de Gravina, província de Bari, na Puglia.

O protagonista do livro Cristo parou em Éboli é o próprio escritor Carlo Levi, que, no filme foi interpretado pelo ator Gian Maria Volontè. Alguns personagens são interpretados por cidadãos locais, não atores, como por exemplo, o coveiro desdentado e o cobrador de impostos, que era um gari analfabeto da cidade de Matera.

Em 1961, Carlo Levi executou a monumental obra “Lucania’61”, um painel medindo 18,5 x 3,20 metros, pintado para representar a região da Basilicata na mostra Itália 61, realizada em Turim, para celebrar o primeiro centenário da unificação da Itália. A obra encontra-se no Centro Carlo Levi, em Matera, na Basilicata.  



“Lucânia 61” pintada por Carlo Levi



Em 2013, uma exposição de 53 telas de Carlo Levi no então Centro de Cultura Judaica de São Paulo (atual Unibes Cultural), trouxe o nome do escritor e de sua principal obra de volta à mídia.

Levi muito contribuiu, com sua narrativa refinada, para a visibilidade da questão meridional e para a análise moral da história italiana que ignorava a cultura dos camponeses. Tão grande foi seu envolvimento com a região que sua sepultura encontra-se no Parco Letterario Carlo Levi em Aliano, pequeno vilarejo próximo a Matera, onde cumpriu a quase totalidade da pena de confinamento que lhe havia sido imposta pelo governo fascista.

A íntegra em idioma italiano do romance Cristo si è fermato a Eboli está disponível no site https://carlolevifondazione.it/

[1] “Passaram-se muitos anos, cheios de guerra e do que se costuma chamar de História.” (tradução nossa)
[2] A obra talvez mais elevada e completa deste período é Cristo si è fermato a Eboli (1945), de Carlo Levi.” (tradução nossa) in ASOR ROSA, A. Scrittori e popolo. Roma: Savelli, 1976


como citar: MARANGON, Leila. Carlo Levi, um autor de múltiplos talentos. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.3, março. 2020.Disponível em
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209906