La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Um, nenhum e cem mil: o pensar sobre o "eu", por Luiza Faccio





No que pode ser pensado como um dos romances mais complexos do autor Luigi Pirandello - publicado em 1926 na Itália, e com tradução para o português, feita por Francisco Degani, publicada em 2019 pela editora Nova Alexandria - Um, nenhum e cem mil causa no leitor um certo incomodo, um desconforto ao se pensar a figura do "eu" e as possibilidades de se ser não somente "um", mas também "nenhum" ou "cem mil". E com isso, o título, de grande relevância para refletir sobre a obra, que se transforma em uma chave de leitura para o romance.

Vintangelo Moscarda, protagonista da obra, ao perceber um "defeito" em seu nariz, que não
havia notado até então, começa a se questionar sobre a sua identidade enquanto única, do quanto uma pessoa conhece a si mesmo, e reflete acerca da possibilidade de pensar sobre si como sendo diversos "eus", vistos à partir de uma perspectiva pessoal, mas também os diferentes Vintagelo Moscarda vistos pelo outro. Uma identidade que se fragmenta e que se torna impossível de ser apreendida em uma totalidade, onde o próprio "eu" não consegue apreender a si mesmo, e não consegue olhar para si de uma forma outra que não a através de um espelho:
        "E desde então me fixei neste propósito desesperado: de perseguir aquele estranho que estava em mim e que me escapava, que eu não podia fixar diante de um espelho porque logo se transformava em mim tal como eu me conhecia - aquele em que vivia pelos outros e que eu não podia conhecer, que os outros viam vivendo, e eu não - também eu queria vê-lo e conhecê-lo, tal como os outros o viam e conhecia." (p.34)

O espelho, como um personagem da própria obra e como uma forma de ver a si através do fora, de um exterior não acessível senão através dessa "ferramenta" que permite uma imagem externa do "eu", se torna uma forma de conhecer uma das facetas do "eu". São diversas perspectivas que vão "montando" esse mosaico que se torna a identidade, mas um mosaico sempre incompleto, visto que as peças não terminam de ser colocadas para se ver uma imagem única, sendo completada pelas diferentes máscaras desse "eu" visto por múltiplos.

Pensar essa identidade que se fragmenta, um "eu" que não pode mais ser apreendido em sua totalidade, se torna uma questão importante e presente não somente na obra de Pirandello, mas uma constante principalmente da segunda metade do século XX em diante. Um, nenhum e cem mil é, com isso, uma obra que reverbera ainda, com questões desconcertantes, que tocam a literatura italiana contemporânea, mas não somente.


como citar: FACCIO, Luiza. Um, nenhum e cem mil: o pensar sobre o "eu". In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.3, março. 2020.Disponível em
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209905