La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

A crítica poética de Pasolini na década 1950, por Gesualdo Maffia









Das numerosas resenhas que Pasolini reúne na seção “Sui testi” [Sobre textos] da coletânea Passione e ideologia [Paixão e ideologia], faço aqui uma sintética reconstrução, que não inclui todos os poetas resenhados, mas traz uma amostra daquilos que Filippo La Porta definiu “retratos memoráveis” de boa parte dos principais poetas da primeira metade do século XX[1], em que o objetivo crítico de Pasolini parece redimensionar a força autônoma do Novecentismo, ou seja da experiência do hermetismo, encontrando nesse ascendências tardo-oitocentistas presentes e cruciais também em sua poética e prosa crítica dos anos 1950.
Os autores resenhados são colocados na tipologia de oito itens que Pasolini elaborou quando escreveu o ensaio sobre Pascoli, publicado originalmente na revista “Officina” em 1955 e, sucessivamente, na abertura da segunda parte de Passione e ideologia. A tipologia, aqui reproduzida, foi pensada para dar conta da herança deixada por Giovanni Pascoli que caracterizou, de várias formas segundo Pasolini, o experimentalismo poético até os meados do século XX. Muitos destes poetas são hoje reconhecidos pela crítica comparatista como parte do modernismo italiano, não reconduzível a uma escola, a um grupo homogêneo ou às vanguardas (por exemplo ao Futurismo ao Surrealismo), mas a um conjunto de tendências e experiências poéticas individuais, conscientes da ruptura profunda com o passado que, elaborando as lições de Nietzsche, Bergson e Freud, colocam a literatura italiana no caminho de outras literaturas europeias contemporâneas da primeira metade do século XX.[2]
A tipologia inclui: 1) Os crepusculares e seus epígonos, que usam a língua falada no sentido de koiné (língua média) na poesia; 2) Camillo Sbarbaro e Umberto Saba, com sua violência expressiva no uso da língua instrumental em poesia; 3) a “poesia média dialetal” (exemplificada por Cesare De Titta, Nino Costa, Giovanni Lorenzoni) do início do século XX, com seu léxico vernacular; 4) as formas impressionistas de Corrado Govoni; 5) as invenções analógicas que depois serão de Giuseppe Ungaretti; 6) o “vocabulário da metafísica regional ou terrestre de Eugenio Montale”; 7) uma religiosidade amenizada, mas também evidenciada suntuosamente nos órficos, como Arturo Onofri; 8) uma parte dos herméticos, condicionados pela poética do Fanciullino (Carlo Betocchi, Attilio Bertolucci, Alfonso Gatto).[3]
A exceção, entre esses poetas resenhados, é Giosuè Carducci, talvez inserido mais por respeito a uma reconhecida auctoritas literária, mas do qual se destacam as inquietudes e o experimentalismo, entre classicismo e romantismo vivenciados como antítese fundamental não percebida plenamente pelo poeta. Tanto que, mesmo se colocando em uma “linha tradicional”, ele não deixa “um instante de ser experimental, de tentar audácias métricas e estilísticas de efeito forte e cru”: indício de “uma inquietude linguística em contraste com o olímpico classicismo perseguido”.[4]
As referências à melhor poesia do século XX, ou seja, a Ungaretti, Saba e Montale, são constantes. Eles servem para avaliar o valor global de escolhas de poética e desempenho lírico de poetas, na maioria jovens, que Pasolini contribui para lançar. Alguns deles, como Giorgio Caproni, Vittorio Sereni e Sandro Penna, conseguirão ocupar um espaço próprio entre as várias experiências poéticas da segunda parte do século.
De Ungaretti, um dos maiores, Pasolini demonstra preferir as poesias dos anos 1930, vistas talvez em chave autobiográfica pelo tipo de sofrimento interior do qual são testemunho. A postura de Ungaretti, que oscila tortuosamente entre “nostalgia por culpa” e auto absolvição, que coloca Deus em uma dimensão própria da infância, parece remeter à ingênua passionalidade que continuamente queima o desejo de rigor em Pasolini.[5]
O problema religioso é reconhecido como central da poética de Ungaretti e Pasolini se interroga sobre por que razão – fazendo uma espécie de crítica das variantes de Contini, mesmo indo além Contini (ou seja além do dado filológico) – o poeta recupera uma variante de 1916 de uma poesia, colocando uma pergunta no lugar de uma afirmação de uma variante posterior (“ardo por Deus por quê?” e não “porque ardo por Deus”).[6]
 Aqui, segundo ele, há em Ungaretti a “consciência de inserir melhor a lírica no curso de sua evolução interior”, que naquele momento (em 1916) representava a dúvida e não a certeza em relação à fé em Deus.[7]
Das várias considerações sobre Umberto Saba e sua poesia, destacamos como Pasolini evidencia a feita de realismo, dada por uma condição personalíssima, não associável a de outros poetas anteriores e contemporâneos: “a impossibilidade de realismo” em Saba não é a mesma de Pascoli, dos crepusculares, dos vocianos, de um Jahier, de um Montale. Saba não tem saudade de qualquer mundo passado, move-se anarquicamente, testemunhando desespero com um tom “rés do chão” e manifestando uma alegria “demasiado íntima para se objetivar de alguma forma fora do dia-a-dia”, e seus elementos realistas remetem à “épica de uma humilde aventura biográfica”.[8] Se devemos falar de realismo, para contrapô-lo à obscuridade hermética, ele pode ser entendido apenas como “‘realismo sentimental’: que explique tanto o imediato efeito dos sentimentos sobre a língua, quanto a normalidade logo reconhecida e compartilhada desses sentimentos ”.[9]
Montale volta fortemente na resenha que Pasolini dedica à antologia organizada por Luciano Anceschi, Linea lombarda [Linha lombarda. Varese: Magenta, 1952]. Os seis poetas da antologia (Vittorio Sereni, Roberto Rebora, Giorgio Orelli, Nelo Risi, Renzo Modesti, Luciano Erba) são vistos em parte como montalianos e em parte como crepusculares. Fora as questões estilísticas, e a consciência de que são poetas contemporâneos, ou seja, que vivem as angústias de seu tempo, o que aproxima Montale, os crepusculares e os seis, sob o rótulo do vasto e unitário século XX, é “a necessidade psicológica de escrever versos não como libertação, mas como testemunho de uma dor sem saída”.[10]
Estes poetas mostram uma Lombardia liberada de uma fase menor, infantil, sensual, aflitiva na recordação, por meio do intelectualismo, não em um “plano realista”.[11] Anceschi, apresentando-os, incentiva esta operação, porque sua Lombardia também é “uma elegantíssima estilização: uma vez que a região dos lagos já é em sua premissa um irreal, pungente e cultural ‘lake district’”.[12] Além disso, Anceschi também vê neles uma forte “porção ungarettiana”, que, no entanto, Pasolini não considera “essencial”.[13] De modo que tentando lê-los fora da moldura, nobremente europeia, indicada por esse crítico, Pasolini vê neles o “produto extremo do hermetismo”, uma poesia perturbada pelo realismo. Mesmo se eles não são realistas, sua Lombardia  não é “puramente ‘para poesia’”, não têm “capacidades naturais de canto” e, portanto, são pouco ungarettianos.[14] Neles, a tradição regional lombarda é fortíssima, não predisposta ao canto, mas violentamente expressionista: “a mesma força expressiva que dá a violência novecentista e a scapigliatura”, já deu “em tempos mais felizes os esplêndidos realismos de Porta e de Manzoni”.[15] Um narrativismo regional que é “disposição natural” capaz de dar resultados poéticos contrapostos, como no caso do realismo e do hermetismo.[16]
O jovem Giorgio Caproni é para Pasolini um poeta que tem em si um modelo “altamente literário”, que estimula o uso de um “‘fechamento métrico’” em que ele emprega uma “matéria substancialmente exclamativa e patética”.[17] Caproni é atraído com violência nostálgica por este modelo, quase por um “imperativo estético”, tão provincial e marginal nele (positivamente).[18] Há nele fortes influências pré-herméticas, vocianas, apesar dele simpatizar com o hermetismo. Seu trabalho de marginal quase parece feito “aos pés da nossa Literatura”, e está louvavelmente longe de “casuísticas psicológicas ou moralistas”, o que o faz “um dos homens mais livres de nosso tempo literário”.[19]
Sandro Penna, ligado a Pasolini por uma duradoura amizade e cumplicidade nas noites romanas, é lido para além da crítica hermética, em que Pasolini constatou seu caráter de poeta “delicioso”, suspendendo o juízo crítico, ou seja, detendo-se em “uma espécie de desvinculada consciência de seu valor”.[20] Pasolini destaca que a poesia de Penna é “infinitamente mais dramática e complexa”, em seus versos serpenteiam tanto a angústia quanto a alegria.[21] Nele, a alegria inunda sua vida tornado os versos “extáticos e risonhos”, “é uma forma da religiosidade, ou da moral religiosa, que em Penna permaneceu esmagada ou mistificada pela neurose”.[22] Sua poesia é resumida por Pasolini como “sem religiosidade, feita, na íntima confusão, religião dos sentidos”, atemporal fulguração do amor sensual.[23]


Extraído (com adaptações) de MAFFIA, Gesualdo. Pasolini crítico militante. De Passione e ideologia a Empirismo eretico. São Paulo: Nova Alexandria, 2019, pp. 160-63.



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Como citar: MAFFIA, Gesualdo. "A crítica poética de Pasolini na década 1950". In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.3, março. 2020. 

Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209885


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[1]LA PORTA, Filippo. Pasolini, Bologna: il Mulino, 2012, p. 77.

[2] Cfr. LUPERINI, Romano. “Modernismo e poesia italiana del primo Novecento”. http://www.leparoleelecose.it/?p=7629. Consultado em 09/04/2020.

[3] Cfr. PASOLINI, Pier Paolo. “Pascoli”. IN.: Saggi sulla letteratura e sull’arte. Milão: Mondadori, 2008, pp. 1001-002.

[4]Idem. “Noterella sul Carducci” [Notinha sobre Carducci]. IN.: Saggi Op. Cit., p. 1090.

[5]Idem, p. 1103. “Un poeta e Dio” [Um poeta e Deus]. Sobre esta comparação LA PORTA, Filippo. Pasolini, Op. Cit., p. 78.

[6] Ibidem, p. 1096. Tradução do verso por Haroldo de Campos. IN.: Revista USP, São Paulo (37): 186-191, março/maio 1998.

[7] Ibidem.

[8] Ibidem, p. 1123. “Saba: per i suoi settant’anni” [Saba pelos seus setenta anos].

[9] Ibidem, p. 1124.

[10] Ibidem, p. 1173. “Implicazioni di una ‘Linea lombarda’” [Implicações de uma ‘Linha lombarda’].

[11] Ibidem, p. 1174.

[12] Ibidem.

[13] Ibidem.

[14] Ibidem, p. 1175.

[15] Ibidem, p. 1177.

[16] Ibidem.

[17] Ibidem, p. 1166. “Caproni”.

[18] Ibidem.

[19] Ibidem, p. 1169.

[20] Ibidem, p. 1148. “Come leggere Penna” [Como ler Penna].

[21] Ibidem.

[22] Ibidem.

[23] Ibidem, p. 1149.