La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

De Magalhães de Azeredo para Machado de Assis: um sonho de Itália, por Ionara Satin


           

Machado de Assis aos 65 anos na gravura de Henrique Bernardelli
Arquivo Biblioteca Nacional 
       Além de romances, contos, crônicas, crítica teatral, poemas e peças teatrais, Machado de Assis também deixou muitas cartas trocadas com amigos. Carlos Magalhães de Azeredo é um deles. Diplomata e escritor, passou muitos anos em Roma e é justamente da capital italiana que escreve a maioria das suas cartas para o “mestre e amigo” Machado de Assis, como ele mesmo costumava chamá-lo nas correspondências. Machado de Assis nunca deixou o Rio de Janeiro, foi da própria cidade carioca que ele enxergou o mundo. Naquilo que se refere a Itália, as cartas trocadas entre os dois amigos ajudam a entender e, ao mesmo tempo, revelam um pouco da visão do escritor sobre o país do bel canto
     Na carta do dia 17 de novembro de 1896, Machado lamenta não ter conhecido a Itália e escreve: “A Itália dá-me não sei que reminiscências clássicas e românticas, que faz crescer o pesar de não haver pisado esse solo tão amassado de história e poesia”. Por esse motivo, pede ao amigo que “onde vir palácios, quadros, um recanto de costumes”, não se esqueça dele, que lerá as notas com grande prazer, fazendo de conta que é ele que as vê e conclui dizendo que fará das palavras de Azeredo realidade[1]. Magalhães de Azeredo não decepciona Machado de Assis e a cada carta descrevia mais sobre o país de Dante. Além das palavras, Azeredo lhe enviava jornais, revistas, fotos e objetos. Em uma passagem rápida pelo Brasil, Azeredo presenteia o amigo com um busto do poeta Dante Alighieri e Machado lhe agradece dizendo: “Cá está na nossa salinha, não por enfeite, mas como um deus que é”[2].

Embora Carlos Magalhães de Azeredo seja
hoje um nome desconhecido, na época era considerado pelos seus contemporâneos como um grande escritor. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 1872, escrevia contos, ensaios e poemas, mas foi no gênero epistolar que vestiu seu melhor traje, de acordo com Carmelo Virgillo, organizador da coletânea de cartas trocadas entre os dois amigos. Para Carmelo, foi nesse gênero que Magalhães de Azeredo se revela “o elegante estilista, o brilhante observador, o sensível e carinhoso amigo que com sua espontaneidade e quase infantil franqueza soube inspirar confiança”[3]. Azeredo não se correspondia apenas com Machado, mas também com outros escritores da época, como Olavo Bilac, Mário Alencar, Coelho Neto, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Eça de Queirós e Giosuè Carducci. As cartas trocadas com Machado de Assis, quando o diplomata estava na Itália, são do final do século XIX, entre 1896 e 1908. Azeredo tinha apenas 25 anos e Machado estava envelhecendo e começava adoecer. Porém, o escritor de Dom Casmurro conhecia a escrita de Azeredo já há algum tempo. Fora Machado quem o havia declarado poeta aos quinze anos, quando o jovem lhe envia seu primeiro livro de versos em 1883 e Machado o encoraja a escrever. Por esssa época, Machado de Assis já havia, de acordo com Sílvia Maria de Azevedo[4], alcançado o triunfo do crítico literário e o caminho para a consagração teve seu início na carta que lhe endereçou José de Alencar pedindo-lhe que opinasse a respeito de alguns poemas de Castro Alves. Mais tarde, três grandes estudos críticos vieram para selar esse prestígio, são eles: “Notícia da atual Literatura Brasileira: Instinto de Nacionalidade” (1873), “Literatura realista – O primo Basílio” (1878) e “A Nova Geração” (1879). Assim, Machado de Assis era autoridade no espaço da crítica literária brasileira.
A correspondência entre os dois amigos continua a expressar a sensível e singular beleza do primeiro encontro entre a juventude e a velhice, entre a novidade e a experiência. Azeredo verá o país de Dante de perto, “romanticamente, enquanto seu mestre continuará a observá-lo de longe, do seu Rio de Janeiro que nunca abandonará, servindo-se dos outros”[5]. Mesmo da cidade carioca, a memória da mocidade de Machado de Assis guardava um passado romântico: o escritor viveu, assim como os jovens de sua época, o dilaceramento do Romantismo e a Itália é parte dessas reminiscências graças às leituras de Byron, Musset, Álvares de Azevedo e sobretudo da presença viva da ópera italiana no Rio de Janeiro com seus cantores líricos que deixavam ecos de Verdi, Bellini e Donizetti na cidade carioca. Encontramos na obra de Machado de Assis muitos indícios dessa Itália romântica e, mais que isso, uma nostalgia dessa época. Por esse motivo, a beleza desse diálogo com Azeredo no final de sua vida e o fato de a Itália vir embalada na escrita de um jovem de 25 anos e endereçada a um escritor que sente como nunca a passagem do tempo, revelam também o encontro do escritor com a sua juventude, como podemos ver em um fragmento da carta do 5 de novembro de 1900 em que Machado escreve:

As suas últimas cartas têm um encanto mais, além dos do costume, é o lugar, seja Roma, seja Albano, seja Carpinetto ou outra parte; fala-me sempre de coisas italianas, que me fazem lembrar a bela ode de Musset ao irmão, en revenant d´Italie. Somente, eu não sou Musset, nem posso dizer, como ele, que deixei o coração em Veneza. Se em alguma parte está nessa terra, é em toda ela, que nunca chegarei a ver, meu querido amigo, por que na minha idade já não é possível deixar a terra em que nasci e vivi para recomeçar uma vida nova (...). Desculpe-me de falar tanto na idade, e alguma vez na morte. Cuido que há de ser assim com todos, ou então é do temperamento melancólico, apenas encoberto por um riso já cansado. Nas suas cartas encanta-me não só a afeição viva e constante e o tom de seriedade e paixão de artista que sempre lhes achei, mas ainda o viço de juventude que é como um cordial para mim. 

É difícil afirmar que Magalhães de Azeredo possa ter sido um dos olhos machadianos na construção da presença italiana que encontramos em suas obras porque as cartas são tardias. Parece mais aceitável pensar nessas cartas como um diálogo entre dois amigos que compartilham da mesma paixão, como próprio Machado ressalta na carta do dia 25 de abril de 1897: “Cá o vejo de longe. Eu, meu caro amigo, pelo avanço dos anos e por outras razões não menos melancólicas, creio que irei deste mundo sem ver essa outra parte dele, que atraiu os jovens do meu tempo e continua a atrair os de hoje”[6]. Por outro lado, justamente por compreender um período final da vida de Machado de Assis, a imagem do país do bel canto, assunto frequente entre os dois amigos, ajuda a ent e diz muito sobre aquele escritor que está envelhecendo e vivenciando as transformações da virada do século.
São mais de dez anos de uma correspondência rica em descrições, momentos históricos e momentos frívolos, dores, sensações, discussões literárias e políticas, alegrias e muita afetividade.  A última carta saiu do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto 1908, a morte de Machado de Assis dois meses depois pôs fim na correspondência entre os dois amigos. Muito provavelmente esta carta tenha sido uma das últimas coisas que Machado escreveu e pela sua leitura percebemos se tratar de uma despedida. Suas primeiras palavras já revelam o quanto o escritor estava debilitado: “Não respondo a toda a carta grande; já não posso. A demora, - porque houve demora – proveio justamente de querer dar resposta completa e ir adiando. Depois adoeci. [...] Ainda vivo, meu amigo, mas pode imaginar de que maneira”. Além da dor, a correspondência levava consigo um exemplar do seu Memorial de Aires recém publicado no Brasil. Era agora o velho e consagrado Machado quem pedia a aprovação do jovem Azeredo: “Leia-me, e diga se não é lamparina de madrugada [...] Como já lhe disse este livro é o último; já não tenho forças para me sentar à mesa e começar outro”. As linhas se alongam com Machado agradecendo ao amigo tudo que lhe contava e o encorajando a terminar seu livro: “A sua grande carta é deliciosa [...]. Li-a duas vezes quando a recebi, e agora reli-a ainda uma vez. Aqui fico esperando o livro de que me fala; agora é não afrouxar”.
Como já foi dito, Machado desde muito cedo vinha incentivando os jovens escritores brasileiros e como crítico literário foi um grande defensor e apoiador da literatura brasileira, sabia da importância da juventude para levar adiante sua crença. A carta termina contando ao amigo as transformações da cidade carioca naquela virada de século e recomendando a leitura de seu Memorial, como uma espécie de rejuvenescência naquele momento crepuscular, assim como parece ter significado para Machado todos os momentos nos quais os dois trocaram opiniões sobre a Itália e sobretudo quando Azeredo lhe descrevia lugares superiores a toda a imaginação[7]

 Rio de Janeiro, Agosto 1 de 1908.

Meu querido amigo,
[...]
O nosso Rio de Janeiro mudou muito, até de costumes. Aquele cajuí que nós tomávamos n´uma casa da rua do Ouvidor agora provavelmente toma-se na rua (Avenida) plena calçada, entre as pessoas que passam de um lado para o outro. Há mais senhoras a passeio; há um Corso em Botafogo, às quartas-feiras.
Adeus, meu querido am.º. Ainda bem que a sua amizade dura há tantos anos, e eu posso ir da vida sabendo que deixo a sua entre outras saudades verdadeiras. Não repare na nota fúnebre que corre por esta carta; é música do crepúsculo e da solidão. Vá ler o Memorial e escreva-me. Recomende-me a todos os seus, e crea-me sempre o mesmo e velho amigo.

Machado de Assis
P.S.
Recebi também o seu cartão postal perguntando se recebera a carta e prometendo outra. Espero que as duas se cruzem no mar.
M. de A. 




[1] As cartas referenciadas neste texto são da coletânea organizada por Carmelo Virgillo e publicadas pelo Instituto Nacional do Livro em 1969.
[2] Correspondência de Machado de Assis para Magalhães de Azeredo do dia 12 de outubro de 1902.
[3] VIRGILLO, Carmelo. Introdução. In: ASSIS, Machado de. Correspondência de Machado de Assis com Magalhães de Azeredo. Edição preparada por Carmelo Virgílio. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.
[4] AZEVEDO, Sílvia Maria. Introdução. In: ASSIS, Machado de. Crítica literária e textos diversos. Organização Sílvia Maria Azevedo, Adriana Dusilek, Daniela Mantarro Callipo. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
[5] VIRGILLO, Carmelo. Introdução. In: ASSIS, Machado de. Correspondência de Machado de Assis com Magalhães de Azeredo. Edição preparada por Carmelo Virgillo. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.
[6] Correspondência de Machado de Assis para Magalhães de Azeredo do dia 25 de abril de 1897.
[7] Como em correspondência de Azeredo para Machado de Assis do dia 20 de março de 1901.



como citar: SATIN, Ionara. De Magalhães de Azeredo para Machado de Assis: um sonho de Itália. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209882