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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
biopolítica
Coronavirus
Roberto Esposito
em
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Imunidade(s) na era do coronavirus
Entrevista de Torbjörn Elensky com Roberto Esposito*
P: Com a emergência provocada pela difusão epidemia do
Covid-19 vemos os políticos de todos os países empenhados de
maneira excepcional na salvação de vidas humanas. Como considera
essas repercussões à luz da sua teoria da immunitas?
R: Parece-me que a questão da imunização confirma sua
absoluta centralidade no quadro da biopolítica contemporânea. A
biopolítica não é uma categoria imutável ao longo do tempo. Como
Foucault já havia argumentado, é um fenômeno histórico, que tem
seu começo e que passa por muitas mudanças. Se no início do século
XX, muito por conta do nazismo, mas não só, a biopolítica se
reverteu em uma forma tanatopolítica, de política da morte, hoje
assume um aspecto diferente, profundamente marcado pela linguagem da
imunidade. Isso quer dizer que não é necessário pensar a relação
biopolítica como domínio do poder sobre a vida – mesmo que isso
não esteja de fora –, mas como uma dinâmica que diz respeito à
própria vida dos indivíduos e das populações em relação ao
risco de contágio. Então, em vez de uma relação vertical
entre alto e baixo, uma relação horizontal entre indivíduos
e comunidade. Tanto a questão da imigração quanto a do coronavírus entram nesse
horizonte imunitário. A imunização é reivindicada, por um lado,
como defesa contra o contágio por alguns indivíduos e, por outro,
como uma espécie de vacina contra a mesma doença. Como já foi
dito, somente quando uma grande parte da população tiver sido
infectada, será estabelecida a “imunidade de rebanho” que a
protegerá do retorno do mal.
P: Tenho a impressão que, no início da epidemia, pelo menos
na Suécia, houve um certo cinismo ao enfatizar que as vítimas do
coronavírus seriam apenas idosos e aqueles já doentes. Também
houve declarações do tipo na Itália? Existem posições ligadas a
uma espécie de darwinismo social?
R: Confirmo que também na Itália houve uma sensação
semelhante, igualmente desagradável – pelo menos antes de ficar
claro que o coronavírus também ataca pessoas não idosas e até
jovens. A morte de idosos foi tomada como uma espécie de salvaguarda
para aqueles que não são idosos - como se a doença, em vez de
ameaçar a todos, ameaçasse apenas um determinado segmento da
população acima de uma certa idade. Daí a ideia, posteriormente
revelada falsa, de que os jovens estavam seguros e, consequentemente,
poderiam estar menos atentos ao contágio. Isso explica o fato de
que, pelo menos nos últimos dias, muitos jovens evitaram se
proteger, continuando a frequentar lugares lotados, como bares,
festas, eventos esportivos. Concordo que nessas atitudes se sente uma
espécie de darwinismo social – na Suécia presente desde as
primeiras décadas do século XX – segundo o qual apenas os mais
fortes sobreviverão em comparação aos mais frágeis. Daí à ideia
de que as vidas destes últimos possam ser sacrificadas para a
sobrevivência dos primeiros, há apenas um passo.
P: Que consequências a epidemia pode ter nas fronteiras,
dentro e fora da União Europeia? Pode fortalecer a tendência de
isolamento de cada país?
R: Infelizmente, essa é uma possibilidade muito séria. O
coronavírus pode ter um efeito em duas direções diferentes e
opostas. Por um lado, sua rápida expansão além das fronteiras
nacionais e até continentais torna a perspectiva de retornar aos
estados nacionais – o que chamamos de “soberania” na Itália –
impraticável. Qual é a utilidade de fortalecer as fronteiras
nacionais se o maior risco hoje – o da pandemia – é capaz de
superar todos os controles, de atravessar todas as fronteiras? Por
outro lado, a emergência do vírus, com as terríveis consequências
que isso implica, ainda constitui um golpe para a globalização.
Como já aconteceu com a crise econômica e com a imigração, a
globalização revela sua face negativa. Longe de trazer apenas vantagens, também produz sérios efeitos negativos. Isso pode induzir os Estados a tentar, na medida
do possível, um fechamento interno, fortalecendo as chamadas forças
políticas populistas (na Itália, em particular, a Lega e Fratelli
d’Italia).
P: Como a disseminação do vírus e as medidas tomadas para
contê-la podem afetar nosso comportamento social a longo prazo, já
marcado pelo uso de telefones celulares, aplicativos e mídias
sociais?
R: Mesmo com relação ao uso das mídias o coronavírus tem
efeitos ambivalentes. Por um lado, concentra a atenção nos corpos
vivos reais das pessoas, e não nos corpos virtuais. A partir deste
contexto, será mais difícil pensar em substituir os relacionamentos
reais pelos virtuais. Já existe uma certa nostalgia pelas relações
sociais que tiveram que ser interrompidas. Entende-se que as mídias
sociais não são suficientes nem podem substituir os contatos
físicos, como já se havia pensado. Por outro lado, no entanto,
também vemos como e quanto a mídia eletrônica é importante para
os contatos interpessoais quando estes são impossíveis, como ocorre
nessas semanas.
P: Podemos falar de um estado de emergência, no sentido em
que o tema é desenvolvido por Giorgio Agamben?
R: Pode-se certamente falar de um estado de emergência – ou
de exceção – mas não no sentido de uma vontade do poder de
dominar e controlar a vida. Hoje, o estado de emergência – no qual
certamente vivemos – não é implementado por uma vontade soberana
de gerenciar a vida em vantagem própria ou mesmo negar a
possibilidade de viver. Surge mais da necessidade de proteger a vida
de indivíduos e populações. Em suma, na origem do estado de
exceção – proclamado na China, Itália e logo em outros países –
não há arbitrariedade de poder ou decisão soberana, mas a urgência
de controlar o vírus, impedindo que seja transmitido livremente.
Isso não significa que o estado de emergência em um país despótico
como a China não seja diferente daquele praticado e praticável em
estados democráticos como Itália ou Suécia.
P: Após um estado de emergência ou exceção, como se pode
voltar à política em um sentido democrático?
R: Trata-se de reencontrar um equilíbrio virtuoso entre
communitas e immunitas. Assim como nenhum um corpo
individual, nenhum corpo político poderia viver sem um sistema
imunitário. O importante é não ultrapassar os limites além dos
quais a imunização acaba destruindo o corpo que deveria defender,
por exemplo, negando-lhe liberdade. Depois de ativar, por
necessidade, o princípio imunitário, como acontece neste período
de isolamento forçado dos indivíduos, devemos reativar, assim que a
situação o permitir, o princípio comunitário. Já a partir de
agora, de resto, na crise imunitária que enfrentamos, a exigência
do munus comum – do compartilhamento e da doação – é
praticada. Por exemplo, por profissionais de saúde – médicos,
enfermeiros, voluntários – que arriscam suas vidas para salvar
outras vidas. Quando tudo isso acabar, mais esforços terão que ser
feitos nesse sentido. O que de fato coincide com uma reativação da
democracia.
*Entrevista realizada para o jornal sueco Svenska Dagbladet,
18 de março de 2020.
Tradução de Kelvin Falcão Klein
como citar:ESPOSITO, Roberto. Imunidade(s) na era do coronavirus - entrevista com Roberto Esposito. Trad. Kelvin Falcão Klein. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020.
Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209889
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