La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Liberações: o 25 de abril e o fim do lockdown, por Leonardo Bianconi




Papavero rosso símbolo do 25 de abril 


Em entrevista para o cotidiano italiano La Repubblica o compositor, escritor e poeta Francesco Guccini, com sua já conhecida dose de pessimismo, comenta sobre a comparação entre o fim da quarentena pandêmica com o 25 de abril de 1945, data da liberação de Milão e marco da liberação da Itália do nazi-fascismo. “Nos liberaremos do Covid, mas em 1945 foi uma outra história”, comenta Guccini. 
O feriado nacional italiano do dia 25 de abril é conhecido justamente pelas manifestações em praça pública, música, dança e peregrinação aos lugares de memória onde combateram os partigianos (rebeldes civis que se opuseram através das armas contra o Regime Fascista e contra a ocupação alemã em solo italiano). Este ano a música  Bella Ciao, hino desta festa, será entoada das janelas e das sacadas e não das praças, colinas e montanhas como anos passados. Ainda assim, como a cada ano, a primavera que se inicia trás consigo a esperança de tempos melhores. Mas é a privação de liberdade ocasionada pela quarentena que permitiu a algumas vozes comparar o fim do lockdown com o fim do nazi-fascismo. “Ao 25 de abril de 1945 chegamos depois empregar vinte anos para nos liberarmos daquele que tinha pedido os plenos poderes (Mussolini) e voltarmos a nos ver, rir, dançar. Foi uma Liberação muito mais profunda, não pode-se comparar aos dois meses em casa.” nos alerta Guccini.



O entrevistador procura saber sobre como o compositor passa seu tempo e Guccini comenta sobre o estar em casa e diz que “os modos de passar o tempo são muitos, mas depende dos hábitos que se tinha antes: se você nunca leu e tenta na quarentena, dispensa o romance depois de duas páginas: nisso também as pessoas não mudam”. O poeta aos 79 anos já vive ha alguns anos quase recluso, na cidade de Pavana, nos Apeninos entre a Toscana e a Emilia-Romagna. Numa frase negativa o entrevistador pergunta se “não haverá uma Itália diferente depois do vírus” e Guccini é categórico: “não acredito mesmo”.
Seguindo a leitura da entrevista é difícil não pensar em musicas como Avvelenata (o link inclui uma breve biografia do compositor) ou ainda La locomotiva onde a morte aparece como uma grande consoladora, para não falar de Piccola Città, que nos dá uma ideia de ocupar um espaço e viver depois de períodos conturbados. A entrevista é breve e as reflexões de momento, mas nos permite ampliar aqui a discussão sobre a festa de Liberação. Para Guccini o entrevistador pergunta se existe um sentido em comparar o fim da guerra com o fim do lockdown: “Me parecem duas situações diferentes. Na época a Liberação foi muito mais profunda, um rasgo enorme. Não apenas pelo número de mortos, a guerra e as privações que nos tinha trazido eram outra coisa. Então se lutava para viver, por um pedaço de pão, agora se briga pelo fermento para fazer a pizza. Talvez agora você não esteja vendo amigos ou parentes há um mês, na época eram passados anos, quem tinha se distanciado era para ir ao combate e não fechado em casa. Em 1945 o 25 de abril representou uma alegria intensa, um alívio enorme, e por isso a primeira coisa que você queria fazer era dançar.”
A dança enquanto expressão do corpo, movimento é frequentemente usada como alegoria para a liberdade. A entrevista de Guccini nos convida a refletir sobre a vida e a liberdade em momentos de privação. Poderíamos buscar nos testemunhos como as pessoas que viveram a Guerra Civil italiana refletiram sobre as privações, sobre como o corpo reagiu àquele momento. Mas foi num trecho do romance Rosso nella notte bianca (2016) de Stefano Valenti que encontrei um modo de ilustrar essa vida a qual Guccini se refere e que nos dá elementos para entender porque o poeta italiano defende que não podemos comparar esses dois momentos.
Stefano Valenti nos conta em seu romance a história de Ulisse, um combatente partigiano que, 50 anos depois do fim da guerra, mata um ex-fascista e se entrega para as autoridades, defendendo que aquele ato era uma ação necessária, pois as coisas ainda não estavam resolvidas adequadamente. Na conturbada lembrança de Ulisse sua mãe, Giuditta, narra a vida de então. “A vida se transformara em nada, você saia de casa (...) e acabava perseguido. E ia juntar lenha, juntar o feno, e não voltava a casa. A morte era um presente, um dom, a morte chegava sem pedir e não partia até quando não fosse necessário ficar, dizia Giuditta. A encontrava na base dos muros, amarrada nos postes de luz, nas fossas comuns. (...) E desnutrição, terror, fraqueza, risco continuado de morte, tensão, fazem tremer a mente, fazem tremer o físico. E as mulheres não tinham menstruação, às mulheres não vinham as menstruações. E as mulheres que combatiam nas montanhas (...) menstruação não tiveram até quando chegou a Libertação”.
As ações de guerra levam a uma contínua destruição da vida, e a vida deixa de ter valor naquele momento. A pandemia nos trouxe privações, mas os esforços que podemos ver e ou perceber é no sentido de valorização da vida. Podem ser muitas vezes ações desastradas, mas nos fazem refletir sobre o nosso existir. Que seja da janela ou da sacada, da festa organizada pela vídeo-chamada, cantemos Bella Ciao e dancemos, pois há 75 anos o povo italiano se liberava do nazi-fascismo.

Texto e traduções de Leonardo Bianconi


como citar: BIANCONI, Leonardo. Liberações: o 25 de abril e o fim do lockdown. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209883