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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Francesco Guccini
Leonardo Bianconi
Stefano Valenti
em
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Papavero rosso símbolo do 25 de abril
|
Em entrevista
para o cotidiano italiano La Repubblica o
compositor, escritor e poeta Francesco Guccini, com sua já conhecida dose de
pessimismo, comenta sobre a comparação entre o fim da quarentena pandêmica com
o 25 de abril de 1945, data da liberação de Milão e marco da liberação da
Itália do nazi-fascismo. “Nos liberaremos do Covid, mas em 1945 foi uma outra
história”, comenta Guccini.
O feriado
nacional italiano do dia 25 de abril é conhecido justamente pelas manifestações em praça pública, música, dança e peregrinação aos lugares de memória onde combateram os partigianos (rebeldes civis que se opuseram através das armas contra o Regime Fascista e contra a ocupação alemã em solo italiano). Este ano a música Bella Ciao, hino desta festa, será entoada das janelas e das sacadas e não das
praças, colinas e montanhas como anos passados. Ainda assim, como a cada ano, a
primavera que se inicia trás consigo a esperança de tempos melhores. Mas é a
privação de liberdade ocasionada pela quarentena que permitiu a algumas vozes
comparar o fim do lockdown com o fim
do nazi-fascismo. “Ao 25 de abril de 1945 chegamos depois empregar vinte anos
para nos liberarmos daquele que tinha pedido os plenos poderes (Mussolini) e
voltarmos a nos ver, rir, dançar. Foi uma Liberação muito mais profunda, não
pode-se comparar aos dois meses em casa.” nos alerta Guccini.
O
entrevistador procura saber sobre como o compositor passa seu tempo e Guccini
comenta sobre o estar em casa e diz que “os modos de passar o tempo são muitos,
mas depende dos hábitos que se tinha antes: se você nunca leu e tenta na
quarentena, dispensa o romance depois de duas páginas: nisso também as pessoas
não mudam”. O poeta aos 79 anos já vive ha alguns anos quase recluso, na cidade
de Pavana, nos Apeninos entre a Toscana e a Emilia-Romagna. Numa frase negativa
o entrevistador pergunta se “não haverá uma Itália diferente depois do vírus” e
Guccini é categórico: “não acredito mesmo”.
Seguindo a
leitura da entrevista é difícil não pensar em musicas como Avvelenata (o link inclui uma breve biografia do compositor) ou ainda La locomotiva onde a morte aparece
como uma grande consoladora, para não falar de Piccola Città, que nos dá uma ideia de
ocupar um espaço e viver depois de períodos conturbados. A entrevista é breve e
as reflexões de momento, mas nos permite ampliar aqui a discussão sobre a festa
de Liberação. Para Guccini o entrevistador pergunta se existe um sentido em
comparar o fim da guerra com o fim do lockdown:
“Me parecem duas situações diferentes. Na época a Liberação foi muito mais
profunda, um rasgo enorme. Não apenas pelo número de mortos, a guerra e as
privações que nos tinha trazido eram outra coisa. Então se lutava para viver,
por um pedaço de pão, agora se briga pelo fermento para fazer a pizza. Talvez agora
você não esteja vendo amigos ou parentes há um mês, na época eram passados
anos, quem tinha se distanciado era para ir ao combate e não fechado em casa.
Em 1945 o 25 de abril representou uma alegria intensa, um alívio enorme, e por
isso a primeira coisa que você queria fazer era dançar.”
A dança
enquanto expressão do corpo, movimento é frequentemente usada como alegoria
para a liberdade. A entrevista de Guccini nos convida a refletir sobre a vida e
a liberdade em momentos de privação. Poderíamos buscar nos testemunhos como as
pessoas que viveram a Guerra Civil italiana refletiram sobre as privações,
sobre como o corpo reagiu àquele momento. Mas foi num trecho do romance Rosso nella notte bianca (2016) de
Stefano Valenti que encontrei um modo de ilustrar essa vida a qual Guccini se
refere e que nos dá elementos para entender porque o poeta italiano defende que
não podemos comparar esses dois momentos.
Stefano
Valenti nos conta em seu romance a história de Ulisse, um combatente partigiano
que, 50 anos depois do fim da guerra, mata um ex-fascista e se entrega para as
autoridades, defendendo que aquele ato era uma ação necessária, pois as coisas
ainda não estavam resolvidas adequadamente. Na conturbada lembrança de Ulisse
sua mãe, Giuditta, narra a vida de então. “A vida se transformara em nada, você
saia de casa (...) e acabava perseguido. E ia juntar lenha, juntar o feno, e
não voltava a casa. A morte era um presente, um dom, a morte chegava sem pedir e
não partia até quando não fosse necessário ficar, dizia Giuditta. A encontrava
na base dos muros, amarrada nos postes de luz, nas fossas comuns. (...) E
desnutrição, terror, fraqueza, risco continuado de morte, tensão, fazem tremer
a mente, fazem tremer o físico. E as mulheres não tinham menstruação, às
mulheres não vinham as menstruações. E as mulheres que combatiam nas montanhas
(...) menstruação não tiveram até quando chegou a Libertação”.
As ações de
guerra levam a uma contínua destruição da vida, e a vida deixa de ter valor
naquele momento. A pandemia nos trouxe privações, mas os esforços que podemos
ver e ou perceber é no sentido de valorização da vida. Podem ser muitas vezes
ações desastradas, mas nos fazem refletir sobre o nosso existir. Que seja da
janela ou da sacada, da festa organizada pela vídeo-chamada, cantemos Bella Ciao e dancemos, pois há 75 anos o
povo italiano se liberava do nazi-fascismo.
Texto e traduções
de Leonardo Bianconi
como citar:
BIANCONI, Leonardo. Liberações: o 25 de abril e o fim do lockdown. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209883
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