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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
biopolítica
Coronavirus
Roberto Esposito
em
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Reviravolta dos poderes*
de Roberto Esposito
Como cegos pelas imagens terríveis da pandemia, da qual não conseguimos tirar o olho, arriscamos perder a perspectiva sobre algumas mudanças de fundo. A primeira delas está relacionada à política, ao mesmo tempo reforçada e enfraquecida no que diz respeito a outras linguagens: a começar pela economia. Em poucas semanas, as relações de força entre poder político e poder econômico aparecem reviradas, a favor do primeiro. Isso se deu em todas as fases de profunda crise. O golpe mortal que o coronavírus assestou no processo de globalização desorganiza não somente todas as economias nacionais, mas também ataca o modelo neoliberal, que conhecemos até então. O que se delineia, agora, é uma crise de sistema que não parece ser governável com um mecanismo de tipo econômico; talvez, deixando de lado as economias mais frágeis, como se fez em 2008-2009. No momento, em que estão em jogo questões globais de vida ou de morte, o comando volta ao político. Para perceber isso basta comparar a linguagem desses dias a que estava em voga nos anos anteriores, quando a dívida parecia ser a única efetivamente soberana.
A pandemia bagunçou esse quadro. O problema das compatibilidades econômicas saiu de cena. E ninguém se arrisca mais a pronunciar a palavra “austeridade”. É verdade que na Europa ainda existem países que defendem o rigor. Mas, até quando? Nas circunstâncias atuais, é uma frente destinada a ceder ou, pelo menos, a fazer pactos – qual governo nacional vai liderar o fim da Europa? Em todo caso, a resistência dos Países “protestantes” responde também ela, mais do que a uma logica econômica, a interesses geopolíticos. No que diz respeito à Itália, a virada a favor do político é ainda mais nítida. Apesar de considerado não conveniente, volta a aparecer aqui e ali o termo “patrimonial” [discussão do imposto sobre patrimônio]. Considerando seus possíveis efeitos contraproducentes, em algum momento alguém acabara se perguntando, não sem razão, se não agora quando.
Tiziano, O rapto de Europa |
A política, reforçada diante da economia, contudo, aparece enfraquecida em relação ao saber médico. Também isso hoje parece inevitável. Quem mais pode ter a primeira palavra, numa situação desse tipo, que não o virologista ou o epidemiologista? Quanto aos imensos esforços, e normalmente heroicos, que estão fazendo os médicos, a política só se pode colocar em respeitosa escuta. Sem, contudo, renunciar a dizer o que pensa. Naturalmente, mantendo uma consideração máxima com o parecer dos cientistas. Mas também conservando a distinção entre os níveis que devem permanecer diferentes. Uma coisa é projetar uma reconstrução rápida e radical do sistema público de saúde, outra é imaginar uma medicalização progressiva da própria política. Isso seria estender de forma descontrolada a esfera patológica à insatisfação social. Infelizmente, o que acontece é que muitas vezes as duas órbitas de sofrimento se unem num curto-circuito mortal. Porém, atenção para não desistir do político em uma emergência excepcional. Fazer do tratamento médico o empenho central da política significaria considerar o cidadão, acima de tudo, um doente.
Tradução Patricia Peterle
*L’Espresso, 05/04/2020
como citar:
ESPOSITO, Roberto. Reviravolta dos poderes. Trad. Patricia Peterle. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209886
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