La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

“Coronavírus: um derivado perverso da globalização” - Entrevista de Martin Goettske com Roberto Esposito



P: Acredita que os políticos italianos e europeus estão se utilizando da pandemia para favorecimento de suas agendas políticas?

R: Não. Não me expressaria nesses termos. A pandemia não pode favorecer nenhuma força política, nem de governo e nem de oposição. Pelo contrário, alarga e intensifica de forma desmedida os problemas que já existiam. Na Itália, em particular, aumentará em muito a dívida pública e aumentará fortemente o número de desempregados. Qualquer um que governará no futuro próximo deverá gerenciar enormes problemas econômicos e sociais. Naturalmente, também na gestão da crise, as forças políticas estão atentas em não danificar a própria imagem e, se possível, em melhorá-las. Se, como todos esperamos, a epidemia regredir com certa velocidade, os partidos que tiverem adotado determinadas medidas para impedir a difusão do mal verão crescer seu consenso. Se, ao contrário, a crise for muito longa e dolorosa em termos de vítimas – já o é agora – as forças de oposição poderão acabar tendo uma vantagem. Isso é o que acontece sempre na política. Mas, agora, não é o momento de olhar para isso, não podemos nos desviar de uma batalha que deve ser o mais possível comum.

Roberto Esposito
 P: Em sua opinião, a epidemia está alterando o modo com o qual nossas sociedades antepõem os níveis de crescimento aos da sobrevivência humana, produção em oposição à vida?

R: Essa relação de força entre economia e política, que por muito tempo favoreceu a economia, está se deslocando em favor da política. Se não fosse assim os governos não teriam tido a possibilidade de interromper quase que completamente a atividade produtiva, como se deu em vários países da Europa centro-sul. E a União Europeia não teria renunciado a parâmetros de estabilidade. De resto, nas crises muito agudas, como também se viu no recrudescimento do terrorismo islâmico, a política reconquista o poder de decisão que em períodos “normais” costuma perder. Hoje, na explosão do coronavírus, as questões econômicas são colocadas em segundo plano em relação àquelas sanitárias. Diria que a cadeia de comando, hoje, procede da seguinte forma: na primeira fileira estão os médicos, seguidos dos políticos e, enfim, os poderes econômicos. Naturalmente, em alguns momentos as coisas deverão mudar. Não podemos ser, normalmente, governados por médicos.

P: Quais poderiam ser os efeitos políticos de longa duração no que diz respeito à reação dos chefes dos governos europeus diante da epidemia?

R: Meu temor é que se acentuem as tendências populistas e nacionalistas, pelo menos na Europa. É verdade que a difusão do coronavírus demonstrou que os muros e as barreiras protetivas não servem para impedir o contágio. E que, portanto, as políticas de isolamento dos países são destinadas à falência, diante da explosão da epidemia. Da mesma forma, as fronteiras não resistem diante das operações da finança global e do desenvolvimento da tecnologia. Nesse sentido, o coronavírus é um derivado perverso da globalização. Mas é também verdade que, passada a tempestade, a Europa, como sujeito unitário, ficará muito enfraquecida. A abolição da convenção de Schengen constitui um primeiro passo para trás de forte impacto real e simbólico. Temo que, depois da pandemia, as forças populistas crescerão um pouco em todos os lugares.

P: Até onde poderão ir as democracias liberais europeias em limitar as liberdades, como uma resposta ao vírus, antes que democracia sofra com isso por um longo período?

R: É necessário fixar limites temporais precisos para o estado de emergência que, de fato, foi proclamado em todos os países ocidentais. China e Rússia são já países, mesmo que de forma diferente, com baixo nível de democracia. Para que a democracia se mantenha íntegra no Ocidente necessita que, no entanto, as decisões tomadas pelos governos sejam aprovadas pelos Parlamentos – se possível também com uma colaboração das forças de oposição –; e também que os restritivos decretos de caráter social, no momento absolutamente necessários, possam ser rapidamente revocados. Não é possível pensar que uma democracia sobreviva por muito tempo com um déficit de liberdade individual e de sociabilidade.

P: Como explica as enormes diferenças no que diz respeito ao que cada um está disposto a pagar para a luta contra o vírus, em termos de crescimento econômico reduzido e intensificação dos limites de liberdade civil (as diferenças saltam aos olhos mesmo entre os países da área europeia)?

R: A minha impressão é que essa diferença esteja destinada a diminuir com o aumento do contágio. Quando um país vê a multiplicação exponencial do número de mortos, acaba inevitavelmente por aceitar medidas restritivas concernentes às liberdades fundamentais – como está acontecendo nos Estados Unidos e no Reino Unido, apesar de seus líderes fantasiosos. É o que se verificou também nos países que estavam sob ataque do terrorismo. Por exemplo, a França, país da Revolução, aceitou a proclamação de um estado de emergência muito restritivo na época dos atendados de Paris e de Marselha. O que aconteceria na Dinamarca ou na Suécia – esperemos que nunca aconteça – se adoecessem cem mil pessoas ao mesmo tempo?

P: A crise introduzida pelo coronavírus está modificando o consenso popular recebido pela democracia e regimes autoritários?

R: No momento os regimes autoritários como a China parecem ter vantagens pelo caráter drástico e pela rapidez das medidas que podem ser tomadas em relação aos Estados democráticos, naturalmente mais prudentes e mais lentos. Isso, porém, não quer dizer que as populações democráticas renunciariam facilmente a seu standard de liberdade individual. Estados como a Itália e a Alemanha, que conheceram o fascismo, mas também os Estados do leste europeu, que conheceram o stalinismo, não fariam um passo atrás no tempo. Uma vez saboreada a democracia, mesmo com todos os seus defeitos, é muito difícil renunciar a ela.


*Entrevista realizada para o jornal dinamarquês Jornal Information, 7 de abril de 2020.

                                                                                                                                            
                                                                                                                         Tradução Patricia Peterle


como citar: GOETTSKE, Martin. “Coronavírus_ um derivado perverso da globalização” - Entrevista com Roberto Esposito. Trad. Patricia Peterle In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.6, jun. 2020.Disponível em

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209778