La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Grazia Deledda: A Cidade do Vento, por William Soares dos Santos



Grazia Deledda (1871-1936) foi uma das mais importantes expressões literárias da Itália entre os séculos XIX e XX. Talvez fosse apenas necessário dizer que ela foi a primeira (e, até o momento, a única) mulher italiana a ganhar o prêmio Nobel de Literatura, em 1926 (a primeira mulher a ser agraciada com o prêmio foi a sueca Selma Lagerlöf, em 1909, e o primeiro italiano a recebê-lo foi o poeta Giosuè Carducci, em 1906), mas o percurso literário e de vida dessa grande escritora italiana não começa nem se encerra nesse importante reconhecimento. A sua história é a de superação de uma mulher nascida e criada longe dos grandes centros e que lutou muito para ter seu nome inscrito entre os grandes da literatura italiana e mundial.
Publicado em 1931, A cidade do vento é um romance traz traços marcantes da biografia de Grazia Deledda que, assim como a narradora do romance, casa-se com seu marido, Palmiro Madesani, após conhecê-lo na casa de conhecidos. Da mesma forma que os personagens do livro, ela e o seu marido estabelecem a sua relação durante uma brincadeira chamada “sociedade”. Não tendo ela eliminado a palavra “porque” da resposta que deveria dar, foi colocada em “penitência” por Palmiro Madesani, que teve o direito de perguntar diante dos presentes como ela desejaria que fosse o seu futuro esposo, ao que ela, sem hesitar, respondeu: “Como você!”. No dia seguinte Deledda recebeu de Madesani uma declaração de amor e, para colocá-lo à prova, ela respondeu que aceitaria se casar somente se ele marcasse o casamento para dois meses a partir daquela data. E assim aconteceu.
Sabemos, através de suas cartas, que, assim como a narradora deste romance, Deledda também nutriu um amor de juventude. O objeto da paixão era o belo jornalista (que também era duque de Asinara) Stanis Manca. Depois que Deledda publicou seus primeiros escritos em Roma, Manca convidou-a para escrever sobre Sassari em uma publicação sobre cem cidades italianas. Depois, ele ficou curioso para conhecê-la e, para isso, resolveu ir à Nuoro. Podemos imaginar o impacto que foi para uma jovem mulher de um lugar tão provinciano, no início do século XX, receber uma visita tão especial, sobretudo o impacto da personalidade de um homem da cidade em uma jovem mulher do interior. Depois da visita, Manca escreveu um artigo sobre Deledda intitulado “A nossa pequena Georges Sand”, que foi publicado na revista “Vida Sarda”. Embora já se correspondessem anteriormente, a partir desse encontro eles começam uma troca de cartas em que pode ser vislumbrada, por parte de Deledda, a ilusão da possibilidade de um matrimônio que, no entanto, não se realiza. A correspondência entre os dois dura até antes do casamento da escritora.
Outra relação que não é levada adiante é a que ela terá com Andrea Pirodda, um professor de uma escola elementar da distante cidade de Buggerru, centro minerador do sul da Sardenha, a quem Deledda parece ver mais como amigo. Sabemos, no entanto, que Pirodda declarou o seu amor para ela e que pensaram em noivado sem que a relação prosseguisse efetivamente. Sejam quais tenham sido os obstáculos que os levaram à separação (a família, a distância social ou a falta de recursos), o fato é que o seu amor não se realizou, embora a presença obstinada de Pirodda possa ter assombrado o seu casamento e, também, servido de inspiração para este romance. Este livro começa exatamente no início de uma viagem de núpcias e há muitos paralelos com a sua própria história, mas a narrativa de Deledda vai além de um simples paralelismo biográfico já que, em A cidade do vento, explora com maestria alguns dos temas elegidos por ela ao longo de sua vasta carreira de escritora, mostrando a solidez de sua peculiar forma de narrar, muitas vezes colocando o tempo presente logo após o uso de estruturas do passado, construindo, tanto narrativamente, quanto no campo da sintaxe, uma forte ligação entre o passado e o presente, gerando uma tensão que afeta profundamente o estado interior dos personagens.
Em uma narrativa que traz o leitor para a sua intimidade, o eu lírico/narradora de A cidade do vento descreve a sua relação com Gabriel, um amor de sua juventude, que desaparece para retornar à sua vida, para o seu tormento, poucos dias após o seu matrimônio com outro homem. Em um jogo de tensões precisamente calculado, passado e presente se entrelaçam diante do olhar do leitor e dão forma à trama arquitetada por Deledda com sua peculiar maestria.

Uma das características mais marcantes deste romance é que a natureza é um de seus principais personagens. O vento, que está no título do livro, é uma de suas forças motrizes: é ele que movimenta e rege a vida das pessoas da inominável cidade onde se passa a trama. O vento pode ser lido como uma metáfora do destino, mas também como a força que rege os ciclos da vida. É para a cidade do vento que a personagem /narradora se muda, logo após o seu casamento, e é lá que ela se encontra com um pedaço inconcluso de seu passado com o qual, agora, deve se defrontar. É provável que a escritora tenha se inspirado na cidade de Cagliari para construir a ambientação de seu romance, mas a relação com o mundo real talvez seja algo de menor importância aqui porque, simplesmente, a rica narrativa de Deledda faz dessa cidade um lugar profundamente vivo, um espaço único no qual a narradora pode expressar, através da descrição da natureza, o seu próprio estado interior.
A aparição do antigo amor afeta o estado interior da narradora e, também, a natureza circundante, que parece exigir uma resolução para aquilo que se configura como um conflito inacabado. O amor que reaparece para assombrar a sua nova vida não é o mesmo do passado, ele ressurge marcado por seu conhecimento do mundo e por uma doença que o corrói. Ele retorna, agora, para um confronto, talvez necessário, a fim de que os personagens possam construir uma nova vida sem as amarras do passado, mas conscientes de que serão sempre marcados por ele.
Outro tema de fundamental importância abordado pelo romance é, como apontei anteriormente, o lugar da mulher na fechada sociedade patriarcal da Sardenha da primeira metade do século XX. Se, por um lado, o romance possibilita ouvirmos a voz feminina como raras vezes na literatura italiana até então, por outro lado, a mulher que é representada pela personagem e narradora do romance se vê, na maior parte do tempo, impedida de falar no âmbito dos diálogos com os outros homens da narrativa. Por trás do seu calar, da sua frase que sai como se estivesse incompleta, está sempre o temor do que a sua fala feminina (talvez entendida como sendo deslocada ou como algo menor) possa gerar no mundo dos homens. E, durante todo o romance, ela será sempre constrangida pela força do patriarcado, seja este representado pelo seu pai, pelos irmãos, pela sua mãe, pelo antigo amor e pelo marido. Durante todo o tempo, ela é constrangida por um tipo de obediência e dependência ao mundo dos homens.
A forma narrativa de A cidade do Vento é a de uma escrita confessional que parece ser construída para melhor compreender, senão justificar, no presente algumas escolhas realizadas no passado. Talvez seja por isso que, em um certo momento, a narradora dirá: “Não pensava em negá-lo, e nem ao menos em explicar-lhe, o meu comportamento daquela época, além do mais eu não conseguia nem explicar a mim mesma; e se hoje escrevo este livro é para me justificar entre os vivos e os mortos, e sobretudo, diante da minha consciência”.
Se considerarmos que vida e literatura são elementos indissociáveis, podemos ponderar que ao escrever A cidade do vento Deledda, com a maturidade de seus sessenta anos, pôde voltar os olhos para o passado de forma mais livre, e assim, trazer aos seus leitores uma narrativa única de uma experiência que será sempre universal: a dos amores (muitas vezes inacabados) que carregamos conosco ao longo da existência.

como citar: SANTOS, William Soares dos. Grazia Deledda_ A Cidade do Vento. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.5, jun. 2020. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209837