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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Coronavirus
Pandemia
Roberto Esposito
em
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Em um episódio do programa “Otto e mezzo”, Marco Damilano fez uma referência “culta”, muito pertinente, ao livro Os dois corpos do rei, de Ernst Kantorowicz: o rei tem dois corpos, o físico e, portanto, mortal, e aquele duradouro da dinastia, que passa de pai para filho. Esse corpo duplo não apenas caracteriza monarquias, mas também repúblicas democráticas. Nelas, a substituição periódica dos líderes corresponde à permanência das instituições. Isso também se aplica, e mais ainda, se um ou mais líderes adoecem, como acontece hoje sob o impacto do coronavírus. Esperamos que seja uma coroa [corona] menos duradoura que aquelas das cabeças dos reis.
O que faz a diferença é a pluralidade de liderança coletiva que se mostra um recurso muito mais precioso do que a chamada “plenitude de poderes”, como Damilano observa no editorial do último número de L’Espresso. A única surpresa positiva, entre as muitas negativas no momento, é a posição não apenas dos administradores políticos, mas também dos médicos e da Defesa Civil. Essa liderança generalizada é a verdadeira contraparte de qualquer deriva em direção ao “estado de exceção”.
Obviamente, o que estamos enfrentando é um estado de emergência. Mas determinado não por uma vontade soberana, e sim pela necessidade objetiva de proteger o país de algo imperceptível que o ataca de dentro. Como nenhum corpo individual, não existe um corpo coletivo capaz de sobreviver sem um sistema imunológico – que neste caso é constituído por instituições, mais resistentes do que aqueles que as incorporam temporariamente, porque não possuem corpo físico. Nesse sentido, a metáfora dos dois corpos do rei pode ser traduzida dessa maneira: o que salva um país, quando seus líderes enfraquecem, é a firmeza permanente das instituições.
Naturalmente, desde que as instituições tenham a capacidade de se adaptar a contingências, ainda mais dramáticas, como a que estamos enfrentando. Isso é possível a partir de duas condições. Por um lado, ampliar o escopo das instituições para muito além do – embora insubstituível – Estado soberano. É precisamente essa subtração da lógica institucional da categoria de soberania que impede o deslizamento para o estado de exceção sinistramente recomendado por Carl Schmitt.
Como argumentou o grande jurista italiano Santi Romano em O ordenamento jurídico (reimpresso recentemente pela Quodlibet), as instituições são todas essas associações, externas, internas e até estranhas ao Estado, como ONGs, redes voluntárias, ajudas médicas locais ou internacionais. A segunda condição é que a oposição de longa data entre instituições e movimentos seja eliminada . No duplo sentido de que os movimentos que desejam durar devem, pelo menos em parte, institucionalizar-se. E que as instituições devem ser capazes de se mobilizar, como estão fazendo as italianas, após uma fase de inevitável vacilação sob o impacto do coronavírus, tanto públicas quanto privadas. Provavelmente levará tempo para sair da crise. Mas quando isso acontecer, até nossas categorias políticas serão alteradas. Para melhor, espero.
(Jornal L’Espresso 19/03/2020)
(Jornal L’Espresso 19/03/2020)
Tradução: Kelvin Falcão Klein
como citar: ESPOSITO, Roberto. O sistema imunológico de um país são suas instituições. Trad. Kelvin Falcão Klein. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.5, jun. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209819
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