La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Nosso ser social morre com o medo do contágio, por Massimo Cacciari

A natureza humana certamente não vai mudar em função desta crise, mas é igualmente certo que nada da nossa “cultura” vai ficar como era antes. O problema está no fato de que essas mudanças ameaçam cair em cima de nós sem que nenhuma análise séria de suas causas e efeitos tenha promovido ações coerentes de governo. É como perseguir o destino mediante intervenções que procurem conter sua crueldade. Não se quer entender que no mundo do novo milênio – mundo já claramente previsível no terrível século XX – a aceleração extraordinária que estressa todos os fatores da nossa vida cria fisiologicamente as condições para uma emergência perpétua, para um estado contínuo de crise, ainda que ele assuma a cada vez “máscaras” diferentes. Ainda é possível prever e prevenir? A pergunta não tem mais nada de retórico; pandêmica é essa aceleração; é ela que está desmontando não apenas as formas tradicionais da ação política, mas também nossos comportamentos, nossos “hábitos”, nosso common sense. Podemos acompanhar sua direção de marcha, tal como os escravos acorrentados atrás do carro do vencedor, ou podemos buscar pelo menos entender seu significado. Assistimos, eu creio, a um processo formidável de desagregação de qualquer forma autônoma de representação na assim-chamada “sociedade civil”, esfacelamento que afunda suas raízes materiais na organização da produção e do trabalho. A história secular do indivíduo moderno realiza-se decretando sua impotência de dar vida a qualquer comunidade. O mote hoje, repetido em todo lugar, não pode ser reduzível ao lapso infeliz de algum burocrata ou comunicador de passagem, é verdadeiramente revelador: não se fala em distância física, mas sim em distância social

Pieter Bruegel, o Velho, “Triunfo da morte” (1562), detalhe. Museu do Prado, Madri

Devemos ser deveras cegos e surdos ao espírito dos tempos se não percebemos que também o “todos em casa” é infinitamente mais do que um imperativo ditado por indubitáveis motivos sanitários. E o fato de já ser assim aflora por todo lado. Não seria desejável que nosso trabalho também fosse sempre desempenhado “em casa”, como bons indivíduos? Que se realizassem à distância encontros e aulas? Porque não fazer disso uma regra para escritórios, escolas, universidades? O contágio está sempre à espreita, quando não se está sozinho. É perigosa qualquer relação ou comunicação social que vá além da simples informação. Talvez até a família pudesse ser organizada online. Quantos feminicídios poderiam ser evitados! É verdade: a proximidade é tratamento, é cansativa, é arriscada, sempre pode acontecer que na conversa, no encontro “imediato” nasça o germe de um pensamento crítico, de uma vontade coletiva ou, pelo menos, que o indivíduo enquanto tal reconheça com aflição a própria impotência. Vamos evitar isso, então. É essa a perspectiva que queremos seguir? Certamente é a perspectiva da forma política de grandes impérios, do “capitalismo político” (veja-se o recente livro de Alessandro Aresu[1]) chinês e, de outras formas, russo e talvez, sempre mais, também americano. A própria potência da atual Técnica, produto do nosso cérebro social, opera inexoravelmente nessa direção? Quem afirma isso, mais ou menos explicitamente, considera qualquer outra direção nos moldes das antigas ideologias. Para além da decisão política em conformidade com as exigências do mercado e da troca, soberana sobre a multidão de domesticados indivíduos, só haveria espaço para saudosismos reacionários. Esquece-se que somente a sociabilidade da inteligência do nosso gênero soube produzir essa Técnica, o colóquio entre as mentes, a discussão, o debate e também a luta entre elas. Se o “sistema da ciência” eliminasse de si o mesmo problema de sua relação com o da liberdade, de uma liberdade real feita de participação, organização, crítica, o mundo global assumiria finalmente o aspecto de um amontoado imenso de habitações privadas. A própria linguagem com a qual a política se movimenta nesta crise parece desejar isso, avança nessa direção, conscientemente ou não. Se já não for tarde demais, pensemos nisso.

[Publicado em: L'Espresso, 01/06/2020]
(Trad. Andrea Santurbano)






[1] ARESU, Alessandro. Le potenze del Capitalismo politico. Stati Uniti e Cina. Milano: La nave di Teseo, 2020. [N do T]

como citar: CACCIARI, Massimo. “Nosso ser social morre com o medo do contágio”. Trad. Andrea Santurbano. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.6, jun. 2020.Disponível em

  https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209672