La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

“O passeio” de Palazzeschi: no ritmo do olhar, por Andrea Santurbano

Um bom ponto de partida para adentrar no poema “La passeggiata” [O passeio], de Aldo Palazzeschi (1885-1974), é uma bela exposição audiovisual que estreou no Instituto Moreira Salles de São Paulo no ano passado, “São Paulo, três ensaios visuais”. Em particular, um desses ensaios, “Letreiros”, mostra o crescimento da metrópole a partir de um aspecto original, a saber, as mudanças visuais e verbais que acompanharam a evolução do comércio e, portanto, a das formas de comunicação nos reclames, nos anúncios publicitários. Um viés com certeza interessante para testar o pulso da modernidade e sentir na pele do tecido urbano a presença de uma linguagem que aproveita, nessa nova estética, elementos do literário. São todos aspectos, justamente, presentes nesse “passeio” de Palazzeschi.

Acervo IMS

Poderia até se falar em poesia visual, se essa definição já não tivesse encontrado sua colocação no panorama crítico. De fato, o sentido aqui não é o de uma forma diferente de organização gráfica do material escrito (como já acontecia com os collages vanguardistas), mas sim o de versos que registram “ao vivo” impressões visuais de uma cidade que pipoca de anúncios, comerciais e manchetes. Daria para se pensar, por exemplo, em outros registros artísticos dessa modernidade já avançada, como a rapsódia romanesca de Manhattan Transfer (1925), de John Dos Passos, ou os curtas Berlim, sinfonia de uma grande cidade (1927), de Walter Ruttmann, e O homem com a câmera (1929), de Dziga Vertov. São Paulo – diga-se de passagem – também pagaria seu tributo a essa vaga com o filme-documentário São Paulo, A Sinfonia da Metrópole (1929), de Rudolf Rex Lustig e Adalberto Kemeny.
Mas Palazzeschi, em seu poema, também alia a esse gesto, urbanizado, do olhar o gesto, atávico, do caminhar, que dialoga de perto com uma tradição consolidada. Já na Bíblia é traçado o embate entre nomadismo e sedentarismo, a partir do fratricídio de Caim, sua maldição e fuga, perpassando, depois, por autores como Rousseau, Thoreau, Walser etc., que irão mergulhar mais especificamente no embate entre civilização humana “corruptora” e natureza “redentora”. Entretanto, é sobretudo o tema do flâneur, do andarilho urbano perdido na massa anônima – nela se misturando e, ao mesmo tempo, nela preservando seu espaço crítico de observação –, vindo de Baudelaire através da mediação de Walter Benjamin, que entra em jogo no poema de Palazzeschi. Tecendo um diálogo ideal, inclusive, com sugestões contemporâneas ou um tanto posteriores, entre outros, a Mrs. Dalloway de Virginia Woolf. Sem falar, bem mais tarde, da consunção da figura do flâneur nas andanças urbanas maníacas dos personagens de Thomas Bernhard.

Acervo IMS

Voltando ao eu poético e transeunte de Palazzeschi, ele capta e traz para o branco da página – supostamente em torno de 1910 – as grafias sincopadas do movimento da cidade. Estamos ocasionalmente em Nápoles (Palazzeschi, florentino, se mudou definitivamente para Roma em 1941), segundo Francesco Cangiullo, adepto do recém-nascido movimento futurista e amigo do poeta. Sim, porque também Aldo Palazzeschi foi futurista de primeira hora, assim como bastante rápido foi seu abandono do grupo. A ironia que impregna suas obras, poéticas e em prosa, ainda que acolhida com entusiasmo, era de fato prevalentemente estranha ao Futurismo. Cabe lembrar, a propósito, “Lasciatemi divertire” (1910), com suas ousadas e famosas onomatopeias “Tri tri fru fru”, que foi traduzido, ao lado de alguns outros poemas, por Haroldo de Campos no artigo “Futurismo: Marinetti e Palazzeschi”, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, em dezembro de 19571
E se o espírito anarquista de Palazzeschi casava bem com as provocações e a irreverência anti-burguesa do movimento, por outro lado mal se conciliava com certa postura hierática, como a da “guerra única higiene do mundo”, que clamava para o intervencionismo italiano na Primeira guerra mundial. Essa, porém, é outra história. Fica aqui o registro de uma obra sui generis, que ainda hoje não perdeu seu humor, e de uma complexidade bem maior do que poderia aparentar (com grande aflição do tradutor!). Pois, seus efeitos aparentes de leveza e rapidez, sua estrutura paratática, sua quase ausência de verbos, sua “transcrição” do código comunicativo das ruas, são, na verdade, frutos de um sistema articulado de rimas (também internas), assonâncias, aliterações, mesclas linguísticas e outras figuras sonoras de linguagem. Isso tudo caracteriza o ritmo marcante de “A caminhada”, mas não exatamente na acepção genérica de embelezamento de um significado semântico. Nesse caso, o ritmo encontra em si seu próprio sentido, como quer Henry Meschonnic: “Entendo o ritmo como a organização e a própria operação do sentido no discurso. [...] Não mais um oposto do sentido, mas a significação generalizada de um discurso”2.

La passeggiata

– Andiamo?
– Andiamo pure.

All’arte del ricamo,
fabbrica passamanerie,
ordinazioni, forniture.
Sorelle Purtarè.
Alla città di Parigi.
Modes, nouveauté.
Benedetto Paradiso
successore di Michele Salvato,
gabinetto fondato nell’anno 1843.
avviso importante alle signore!
La beltà del viso,
seno d’avorio,
pelle di velluto.
Grandi tumulti a Montecitorio.
Il presidente pronunciò fiere parole.
tumulto a sinistra, tumulto a destra.
Il gran Sultano di Turchia ti aspetta.
La pasticca di Re Sole.
Si getta dalla finestra per amore.
Insuperabile sapone alla violetta.
Orologeria di precisione.
93
Lotteria del milione.
Antica trattoria «La pace»,
con giardino,
fiaschetteria,
mescita di vino.
Loffredo e Rondinella
primaria casa di stoffe,
panni, lane e flanella.
Oggetti d’arte,
quadri, antichità,
26
26 A.
Corso Napoleone Bonaparte.
Cartoleria del progresso.
Si cercano abili lavoranti sarte.
Anemia!
Fallimento!
Grande liquidazione!
Ribassi del 90%
Libero ingresso.
Hotel Risorgimento
e d’Ungheria.
Lastrucci e Garfagnoni,
impianti moderni di riscaldamento:
caloriferi, termosifoni.
Via Fratelli Bandiera
già via del Crocefisso.
Saldo
fine stagione,
prezzo fisso.
Occasione, occasione!
Diodato Postiglione
scatole per tutti gli usi di cartone.
Inaudita crudeltà!
Cioccolato Talmone.
Il più ricercato biscotto.
Duretto e Tenerini
via della Carità.
2. 17. 40. 25. 88.
Cinematografo Splendor,
il ventre di Berlino,
viaggio nel Giappone,
l’onomastico di Stefanino.
Attrazione! Attrazione!
Cerotto Manganello,
infallibile contro i reumatismi,
l’ultima scoperta della scienza!
L’Addolorata al Fiumicello,
associazione di beneficenza.
Luigi Cacace
deposito di lampadine.
Legna, carbone, brace,
segatura,
grandi e piccole fascine,
fascinotte,
forme, pine.
Professor Nicola Frescura:
state all’erta giovinotti!
Camicie su misura.
Fratelli Buffi,
lubrificanti per macchine e stantuffi.
Il mondo in miniatura.
Lavanderia,
Fumista,
Tipografia,
Parrucchiere,
Fioraio,
Libreria,
Modista.
Elettricità e cancelleria.
L’amor patrio
antico caffè.
Affittasi quartiere,
rivolgersi al portiere
dalle 2 alle 3.
Adamo Sensi
studio d’avvocato,
dottoressa in medicina
primo piano,
Antico forno,
Rosticcere e friggitore.
Utensili per cucina,
Ferrarecce.
Mesticatore.
Teatro Comunale
Manon di Massenet,
gran serata in onore
di Michelina Proches.
Politeama Manzoni,
il teatro dei cani,
ultima matinée.
Si fanno riparazioni in caloches.
Cordonnier.
Deposito di legnami.
Teatro Goldoni
i figli di nessuno,
serata popolare.
Tutti dai fratelli Bocconi!
Non ve la lasciate scappare!
Bar la stella polare.
Assunta Chiodaroli
levatrice,
Parisina Sudori
rammendatrice.
L’arte di non far figlioli.
Gabriele Pagnotta
strumenti musicali.
Narciso Gonfalone
tessuti di seta e di cotone.
Ulderigo Bizzarro
fabbricante di confetti per nozze.
Giacinto Pupi,
tinozze e semicupi.
Pasquale Bottega fu Pietro,
calzature...

– Torniamo indietro?
– Torniamo pure.
O passeio 

– Vamos?
– Vamos, então.

Na arte do bordado,
fábrica passamanarias,
encomendas, provisão.
Irmãs Purtarè.
Na cidade de Paris.
Modes, nouveauté para vocês.
Benedetto Paradiso
sucessor de Michele Salvato,
gabinete fundado em 1843.
aviso para damas, de grande valor!
A beleza do sorriso,
seios de marfim,
pele de veludo.
Tumultos em Montecitório: boletim.
Palavras firmes o presidente pronunciou.
tumulto à esquerda, tumulto à direita.
O grão Sultão da Turquia aguarda por ti. 
A pastilha do Rei Sol.
Se atira da janela por amor.
Sabonete de violeta e pot-pourri.
Relojoaria de precisão.
93
Loteria do milhão.
Antiga taberna “La pace”,
com jardim,
mercearia
e botequim.
Loffredo e Rondinella
casa primária de tecidos,
panos, lãs e flanela.  
Objetos de arte,
molduras, sofá,
26
26 A.
Avenida Napoleão Bonaparte.
Papelaria do progresso.
Procura-se costureira versada na arte.
Anemia!
Fechamento!
Grande liquidação!
Descontos de 90%
Entrada livre.
Hotel Risorgimento
e da Hungria.
Lastrucci e Garfagnoni,
sistemas modernos de aquecimento:
com tubos no formato canelone. 
Rua Fratelli Bandiera
dantes rua do Crucifixo.
Fim de temporada 
promoção, 
preço fixo.
Ocasião, ocasião!
Deodato Postilhão
todo tipo de caixas de papelão.
Inaudita crueldade! 
Talmone chocolate feito à mão.
O mais procurado biscoito.
Duretto e Tenerini
rua da Caridade.
2.17.40.25.88.
Cinematógrafo Splendor,
o ventre de Berlim, 
viagem no Japão,
o onomástico do Joaquim.
Atração! Atração!
Curativo Manganello,
infalível para reumatismos, 
a última descoberta da ciência!
Nossa Senhora no Fiumicello,
associação de beneficência. 
Luigi Cacace Casa
armazém de lampiões. 
Lenha, carvão, brasa,
pó de serradura,
pequenos feixes, feixões
formas, 
pinhões. 
Professor Nicola Frescura:
tomem cuidado jovens!
Sob medida camisa que dura.
Irmãos Bufões,
lubrificantes para máquinas e pistões.
O mundo em miniatura.
Lavandaria,
Florista,
Tipografia,
Cabelereiro,
Encanador,
Livraria,
Modista.
Material elétrico e papelaria.
O amor pátrio
antigos cafés.
Aluga-se apto. inteiro,
falar com o porteiro
das 2 às 3.
Adamo Sensi 
escritório de advocacia,
em medicina especialista
primeiro andar,
Antiga padaria, 
Assador e fritador.
Utensílios de cozinha ampla lista,
Ferragens.
Preparamos qualquer cor.
Teatro Municipal.
Manon de Massenet,
noite de festa maior
para Michelina Proches.
Politeama Manzoni,
dos cães a feira, 
última matinée.
Fazemos consertos de galoches.
Cordonnier.
Armazém de madeira. 
Teatro Goldoni
os filhos de ninguém,
noite popular.
Todos para os irmãos Bocconi!
Não deixem escapar!
Café a estrela polar.
Chiodaroli Assunta
parteira,
Sudori Parisina
remendeira.
A arte de não ficar fecunda.
Gabriele Pagnotta
instrumentos para banda.
Narciso Gonfalão
tecidos de seda e algodão.
Ulderigo Bizzarro
para núpcias confeitarias finas.
Pupi Giacinto,
tinas e banheiras de assento.
Pietro Bottega repouse em paz
calçados no feirão...

– Voltamos atrás?
– Voltamos, então.

(Trad. Andrea Santurbano)


como citar: SANTURBANO, Andrea.“O passeio” de Palazzeschi: no ritmo do olhar, por Andrea Santurbano.In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.6, jun. 2020.Disponível em

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209774



[1] Cf. É. Guareschi, “O poeta que se diverte: algumas impressões brasileiras”. In Um arquivo ítalo-brasileiro para a contemporaneidade
[2] H. Meschonnic. Poética do traduzir. Trad. Jerusa P. Ferreira e Suely Fenerich. Sao Paulo: Perspectiva, 2010, p. 43.

Esta postagem faz parte do projeto Valerio Magrelli - Millennium Poetry: Viagem sentimental na poesia italiana, iniciativa promovida pelo Istituto Italiano di Cultura di São Paulo durante esta Pandemia de Covid-19.

“Cruzaremos oito séculos de poesia italiana seguindo um percurso autoral. Exclusivamente para o público do IICSP, graças à colaboração da Editora Emons, o poeta Valerio Magrelli apresenta e ilustra em áudio trechos da própria particularíssima antologia de poesia italiana. A proposta é enriquecida pelas traduções e comentários (literatura-italiana.blogspot.com) em português dos professores Patricia Peterle e Andrea Santurbano da UFSC e Lucia Wataghin da USP.”

Os trechos serão publicados pelo canal YouTube do IIC nas datas abaixo. Para acessar, é preciso estar inscrito na NewsLetter do IICSP.