La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Coronavírus, a linha temporal que foi negligenciada, por Paolo Giordano


Number 8 - Jackson Pollock - 1949


Já faz alguns meses que o Coronavírus se alastrou pelo mundo afora. Ao lado de informações pontuais e atualizadas, também se faz urgente começar a construir um arquivo da memória, começar a historicizar os fatos, procurando, através da lente do distanciamento, ter uma visão mais crítica e, quem sabe, mais lúcida. Nesse sentido, vamos propor aqui um artigo do escritor e físico, Paolo Giordano, ao qual agradecemos, publicado no período da expansão da pandemia na Itália. Em seu mais recente livro, No contágio, publicado no Brasil pela editora Ayine, com tradução de Davi Pessoa, Paulo Giordano trata de um mundo em transformação e dos desafios que se impõem em contextos de epidemia. Neste artigo, certamente, será possível reconhecer dinâmicas ainda em ato no Brasil e refletir, mais uma vez, sobre as repercussões de cunho social e até mesmo cultural, em particular no que diz respeito aos preconceitos que envolvem realidades distantes da nossa. N. da R.

 
Capa da edição brasileira 

Existe uma linha temporal desta epidemia. Tem sua origem num momento incerto e num lugar incerto, talvez um mercado de Wuhan, e continua com a difusão do vírus na China e depois no mundo, até chegar aqui. Uma parte da desorientação, do sentimento de aflição destas horas, deriva desta linha temporal ter sido negligenciada repetidamente.
O contágio, uma vez iniciado numa região, avança de modo semelhante ao que aconteceu ou acontecerá em outras. Não há razão evidente para não ser assim: pertencemos à mesma espécie e nossas dinâmicas sociais são idênticas, ou pelo menos afins, onde quer que seja. No entanto, em janeiro, olhando com suspeita a China, tivemos a percepção de que nada do gênero pudesse acontecer na Europa. Não nessa escala, não assim, não conosco. Por que não? Por um preconceito infundado, o preconceito do outro lugar. E porque ninguém examinava a sério a hipótese de que nós e a China estávamos na mesma linha temporal.
Mas estamos, exatamente como a França está na mesma linha temporal da Itália, e o Lazio está na mesma linha temporal da Lombardia. Se a situação não é homogênea entre esses lugares, é só porque estamos em pontos diferentes da linha, alguns mais na frente porque partiram primeiro, outros um pouco mais atrás. Mas o princípio em que deveriam se basear todas as nossas considerações é que a evolução da epidemia, em suas linhas gerais, é a mesma em todos os lugares.
Olhar com lucidez para quem nos precede é, portanto, o instrumento mais eficaz em nosso poder para atenuar o choque da Covid-19, e não nos deixarmos surpreender desorganizados com sua chegada mais maciça. Roma, agora, deveria olhar para Milão, exatamente como a Itália e o resto do mundo deveriam ter olhado mais seriamente para a China dois meses atrás. Mas não apenas as metrópoles ou o continente, todos, até as cidadezinhas mais remotas de nossas ilhas. Gostaria de afirmar com a máxima clareza: a Itália não está dividida entre uma parte vermelha, em crise, e outra que no fim das contas está se safando. Como não estão a Europa e o resto do mundo. Essa percepção é aparente e temporária. Estamos todos em estágios diferentes da mesma evolução.
Portanto, não é “se” chega, nem “onde”. É “quando” e “como”. Essa ideia gera pânico? Ao contrário. É uma ideia que gera prevenção, a única coisa com que devemos nos preocupar há dias, cada um por si e juntos como comunidade.
A epidemia se desenvolve no tempo e nós temos necessidade de ganhar tempo, o maior tempo possível para atenuar o impacto, para que os órgãos de saúde consigam se aparelhar e então administrar os casos com todos os recursos úteis. Não estamos fugindo desordenadamente da erupção de um vulcão. Estamos, todos juntos, freando o avanço de alguma coisa.
Com respeito às discrepâncias temporais, é bom avisar a todos que até os números que nos são fornecidos todos os dias estão em pontos diferentes da linha temporal: um testar positivo é um estágio da doença diferente de uma internação, uma cura ou uma morte. Isto é, os mortos de hoje se referem a hipotéticos resultados positivos de muitos dias atrás. Portanto, atenção ao tirar conclusões aritméticas demasiado simples dividindo um número pelo outro.
 Já podemos fazer um pouco de autocrítica: até agora o tempo foi mal administrado. Sempre estivemos atrasados, desde que soubemos do primeiro foco em Hubei. Nada se precipitou inesperadamente desde então e, se nos parece assim, trata-se apenas de outra falsa percepção: estivemos dentro da evolução lógica e previsível da epidemia. The Lancet definiu as ações dos governos “lentas e insuficientes”, mas a noite de sábado é emblemática dessa administração incauta do tempo: as novas medidas anunciadas e comentadas horas antes de serem acionadas, um intervalo deixado às conjecturas e à iniciativa pessoal que arriscou frustrar boa parte das próprias medidas.[1] Aconteceu o mesmo com o fechamento das escolas, imposto por etapas, depois por quinze dias, quando já estava claro que seria preciso mais, e sempre postergado.
Muitas das demoras e das desorientações são devidos a uma falta de confiança na população, e ao vago desejo de tranquilizar. Mas não se tranquiliza ninguém repetindo que não é nada de grave e logo depois fechando uma cidade; fixando um tempo e depois alongando-o mais e mais; repetindo que a Itália não deve parar e logo depois punindo os italianos por seu hábito irresponsável de se encontrar no bar. É preciso reverter esse paradigma de desconfiança, logo; convencer-se que as pessoas, se colocadas na condição de entender, entendem. E se comportam de acordo.
A propensão ao atraso também veio dos especialistas, que deveriam ter iniciado um trabalho de informação clara e de pressão institucional muito antes. A bola de cristal nas mãos deles era a curva epidemiológica chinesa, e estava disponível online. Evidentemente, o preconceito do outro lugar está mais radicado do que se pensa.
Agora, porém, nós cidadãos nos arriscamos a ser os piores retardatários. As medidas impostas nas zonas vermelhas deveriam ser seguidas ao pé da letra também fora delas, por todos, e a partir de agora, aliás, de ontem. A evolução, entretanto, será a mesma. Quando um contágio se espalha, as medidas reativas de contenção são muito menos eficazes do que as medidas preventivas.
Estas linhas, portanto, são um triplo apelo. Às instituições, para que atenuem a sensação de uma Itália fragmentada e de uma Itália mais aflita do que os outros países. Aos cidadãos, a todos nós, para que adotemos as medidas de máxima prudência, máximas, sem considerar que o nosso bairro esteja “tranquilo no final das contas”. E à mídia e aos especialistas, para que em vez de apoiar as mudanças de tom repentinas das instituições, encontrem uma linha de continuidade e decoro. Décadas de comunicação baseada na emotividade nos habituaram mal, injetamos paixão em tudo, mas agora basta. É preciso uma parcimônia de frases, principalmente de adjetivos e advérbios. É preciso ponderar os “dramaticamente” e os “desesperado”, assim como os “somente”, os “simplesmente”, os “exagerado”. É necessário explicar, explicar, explicar, com toda a calma possível. Quem entendeu algo a mais deve explicá-lo a quem ainda não entendeu. Essa também é uma nova cadeia na qual cada um tem seu papel.
Estamos enfrentando uma crise coletiva e a linha temporal na qual viajamos é a mesma. Não há uma verdadeira solidão, não nos hospitais, não nas zonas vermelhas, não na Itália, portanto expulsemos logo esse pensamento. E se a ideia de que o coronavírus chegará a todos os lugares suscita em alguém um instinto de impotência, de rendição, também a expulsemos. Toda forma de fatalismo é uma vantagem para epidemia. Devemos resistir nestas circunstâncias por um tempo que não será breve, e devemos encontrar o modo certo de fazê-lo a tempo.

Corriere della Sera, 9 de março de 2020[2].
Tradução de Francisco Degani

[1] Referência à coletiva de impressa do dia 07/03/2020 do Ministro da Justiça. Para todas as coletivas do governo italiano, acesse-se: http://www.governo.it/it/coronavirus-video


como citar: GIORDANO, Paolo. “Coronavírus, a linha temporal que foi negligenciada”. Trad. Francisco Degani. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.7, jul. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209568