La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Mario Perniola convida-nos, em seu último livro publicado em vida, a mergulhar no imenso mar estético que vislumbra, por Juan Terenzi.

Fonte da imagem: Barbadillo. Laboratorio di idee nel mare del web



Mario Perniola explorou vários campos do saber, e sucintamente podemos categorizá-lo como escritor, filósofo e docente. No final dos anos 1960 (de 1966 a 1969), esteve vinculado à “Internacional Situacionista”, movimento de vanguarda fundado por Guy Debord e que se ocupava de causas políticas e sociais. Iniciou sua trajetória como professor universitário no ano de 1970 na Universidade de Salerno. A partir de 1983, transferiu-se para a Universidade de Roma “Tor Vergata”. Sua produção intelectual centrou-se sobretudo no campo da estética, na teoria da arte e na arte contemporânea, com várias obras publicadas ao longo de sua vida. Faleceu em Roma, no dia 9 de janeiro de 2018 aos 76 anos de idade. Aqui iremos direcionar nosso olhar para seu último livro publicado em vida, Estetica italiana contemporanea [Estética italiana contemporânea][1], livro dividido em seis capítulos que buscam analisar o percurso de trinta e dois autores italianos.
Antes, porém, convém fazer um breve recorte biográfico. Perniola nasce no norte da Itália, na cidade de Asti, e em 1965 conclui o curso de Filosofia na Universidade de Turim sob a supervisão de Luigi Pareyson, nome muito conhecido na América Latina, principalmente na Argentina, pois lecionou em Mendoza na Universidad Nacional de Cuyo, tendo dirigido o Instituto de Filosofia dessa universidade de 1948 a 1950. Além da proximidade com Pareyson, Perniola teve a oportunidade de conhecer outros importantes nomes dentro do campo da filosofia e da literatura, como Gianni Vattimo e Umberto Eco. Porém, o desejo de se prover de diversas fontes culturais para expandir o seu leque intelectual fez com que Perniola viajasse pelo mundo, tendo sido professor convidado em vários países, a saber: Canadá, Estados Unidos, França, Japão, Brasil.
Suas primeiras indagações se detêm sobre a relação entre a literatura e a filosofia, e num de seus primeiros textos ele se centra naquele que é considerado um dos autores mais influentes do século XX: Samuel Beckett. Perniola publica, em 1961, quando contava somente 20 anos de idade, “Beckett e la scrittura esistenziale”[2], texto que se debruça sobre O inominável, de 1953, e que possui um olhar maduro e de elevada densidade intelectual para refletir acerca de uma produção literária tão intensa e radical como a proposta pela literatura de Beckett. Neste ensaio, publicado na edição de outono de 1961 da revista Tempo Presente e posteriormente inserido no livro – que também foi a sua tese de doutorado, de 1966 – Il Metaromanzo [O metarromance], podemos ler uma passagem que seria válida para uma boa quantidade de produções literárias do século XX:

Talvez cada nova manifestação do pensamento deva conter em si mesma os germes de sua destruição, e o poeta consciente deva limitar-se a expressar uma intenção literária, a vontade – por exemplo – de escrever um romance que fale de modo autêntico do autor; o qual talvez, se dá o salto e tenta escrevê-lo seriamente, não se salva do ridículo; talvez projeto e realização coincidam. É claro que o livro de Beckett se parece mais com um manual de preceptística retórica do que com a obra-prima que deseja inspirar. Beckett é, em certo sentido, o Quintiliano moderno: um manual de preceptística retórico que não sugere nenhuma obra de arte nova, porque se arroga a pretensão de ser ele próprio uma obra de arte.[3]

Todavia, Perniola não se deteve somente na reflexão sobre a autorreferencialidade das obras literárias, ao longo de sua carreira publica sobre os mais variados assuntos. Entrando já no conteúdo de Estetica italiana contemporanea, Perniola aborda trinta e dois pensadores italianos que tiveram forte impacto nos últimos cinquenta anos. Partindo de Aristóteles, Perniola traça na “Introdução” um caminho para indicar de onde provêm as indagações desses autores italianos abordados em seu livro:

Para Aristóteles existem quatro tipos de opostos: correlativos, contrários, privação-possessão e contradição. Como se percebe, ele privilegia a relação de contrariedade (em que existe um justo meio) em relação aos outros. Será necessário esperar dois mil anos para que Hegel atribua à contradição um papel decisivo na compreensão da realidade. Pouco depois, com Nietzsche e Freud, bem como com seus intérpretes e sequazes, se abrirá um espaço conceitual que vai além da lógica aristotélica e da dialética hegeliana. A estética italiana contemporânea, vista desde um ponto de vista especulativo, nasce nos anos 1960, quando o idealismo é abandonado e irrompe a exigência de pensar os opostos de outro modo.[4]

No capítulo 1, “A pacificação estética: o belo e sua aporia”, Perniola nos apresenta o filósofo Remo Bodei e como ele propõe um caminho diverso daquele enveredado por Gramsci, o qual se amparava fortemente na dialética marxista. A proposta de Bodei estaria, assim, voltada para um retorno ao cerne mesmo da dialética hegeliana, nessa árdua tarefa da reconciliação dos opostos. O livro que Perniola destaca é As formas de beleza[5], onde Bodei enxerga não mais uma diferenciação binária entre o belo e o feio, mas sim uma completa identificação entre ambos. A discussão é longa e a leitura certamente vale a pena ser feita. Outro autor mencionado neste capítulo inicial é Massimo Cacciari, e Perniola o identifica como estando fortemente atrelado à noção de “harmonia”, mencionando o seu livro L’angelo necessario [O anjo necessário] [6] em que aparecem as figuras do anjo e do demônio, bem como a noção/voz socrática do daímon, mas tais conceitos não estariam vinculados ao idealismo alemão, e sim a uma concepção neoplatônica. Toda a angeologia e o retorno ao passado longínquo proposto por Cacciari é minuciosamente abordado por Perniola. Outros nomes surgem ao longo do capítulo, mas Cacciari ocupa boa parte desta reflexão inicial.
No segundo capítulo, “O conflito estético: a ironia e a máscara”, Perniola tece suas reflexões a partir de uma pessoa caríssima ao seu pensamento, Pareyson, e como ele influenciará tanto Umberto Eco quanto Gianni Vattimo. O conceito de realidade é discutido, novamente trazendo para a reflexão o pensamento de Gramsci e como a ideia de contradição é um ponto de inflexão e de difícil resolução, pois o distanciamento de Eco e Vattimo em relação ao que Pareyson entendia como sendo a realidade – ponto de tensão entre os termos que são mantidos próximos à sua própria oposição – está em que eles destroem esta relação (os opostos não são pacificamente estáveis, eles estão constantemente modificando-se, numa noção que já encontra sua primeira semente no pensamento de Heráclito), e para isto entra em cena o conceito de ironia em ambos os pensadores.
No capítulo 3, “A estética da morte: o sublime e a vida nua”, a indagação de Perniola parte do que o pensador irlandês Edmund Burke propusera no século 18 com o seu livro, de 1757, Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo[7]. Trata-se de um capítulo que se aprofunda no nada, numa visão mais trágica e negativa da vida: “Os pensadores italianos desta vertente radicalizam o terror e eliminam completamente qualquer alívio e conforto, mergulhando o ser humano em um desespero absoluto.”[8]. Perniola repassa outros importantes nomes que influenciaram os pensadores italianos, como por exemplo Bergson, Dilthey e Santayana. É o capítulo mais longo do livro, e a confluência de vários outros pensadores é riquíssima para visualizar o impacto e o desenvolvimento do próprio pensamento estético desenvolvido na Itália na segunda metade do século 20. Surgem referências musicais, filosóficas, literárias, Perniola expõe todo o seu arsenal crítico-teórico de forma brilhante. Mas é quando ele vai discutir o pensamento de Giorgio Agamben que vemos um momento de ápice no livro. Perniola considera o trabalho de Agamben como o coroamento da estética italiana do sublime. A análise que ele fornece acerca do seu pensamento é vasta, ocupando várias páginas do livro, em que se pode ver retomado um tema caro ao seu pensamento, a saber, a relação entre o homem e o animal. Partindo do livro L’aperto. L’uomo e l’animale [O aberto. O homem e o animal][9], de Agamben, Perniola afirma que o homem atual se caracteriza por aquilo que Heidegger atribuía justamente ao animal, isto é, o atordoamento (benommenheit): “o seu modo de ser é o atordoamento (stordimento) [...] poderia dizer-se que o homem, por um lado, está aberto para todo tipo de intoxicação e de dependência, mas por outro, está isolado em si mesmo e inacessível a qualquer comunidade. Um ser assim é capaz de tudo e não é responsável por nada!”[10]. O desfecho deste capítulo é instigante e propõe várias discussões, discorrendo acerca do pensamento fuzzy de Umberto Eco e do pensamento fraco de Vattimo.
Em “A estética do trágico: o servo e a marionete”, Perniola parte da afirmação de que o trágico nunca teve muita sorte na cultura italiana. A relação italiana com este pensamento está perpassada por nomes como Pascal, Kierkegaard, Dostoievski e Karl Jaspers – este último sendo essencial para as especulações de Pareyson – visto que em seu livro de 1947, Von der Wahrheit, Jaspers se debruça sobre o conceito de trágico. É especialmente baseado na terrível experiência italiana dos anos 1970 e 1980 que Perniola tece suas ideias neste capítulo, e novamente Pareyson aparece aqui para dar apoio às suas reflexões: “Os anos 70 e 80 são para ele [Pareyson] anos de solidão e de marginalização cultural, não muito diferentes daqueles vividos por Guy Debord (...).”[11]. Neste capítulo, lemos algumas páginas sobre Sergio Givone, no subcapítulo intitulado “Uma visão impossível, mas real”, onde Perniola enxerga que Givone desenvolve a noção de trágico, bem como a concepção de niilismo, em Pareyson, de maneira original. Para efetuar a sua leitura, Perniola resgata dois livros de Givone, Storia del nulla [História do nada][12] e William Blake. Arte e Religione [William Blake. Arte e Religião][13].
No quinto capítulo, “A civilização aperfeiçoada: o refinamento e a argúcia” vemos o nome de Cristina Campo e o seu conceito de sprezzatura[14], o qual surge em meio a um “desastre cultural ocasionado pela comunicação de massa[15] nas palavras de Perniola. A fábula é o ponto central aqui, e além de Campo, identificam-se outros três nomes: Giampiero Moretti, Rubina Giorgi e Italo Calvino, todos eles vinculados a uma noção de poesia, de linguagem, mais próxima daquele espanto grego de algo que não tem início nem fim, de um movimento incessante, muitas vezes circular, e por isso Perniola escolhe um verso do primeiro livro de poesias de Rubina Giorgi, Esercizi 1[16] [Exercícios 1], para exemplificar: “la lingua è un oceano circolare” [a língua é um oceano circular][17].
No último capítulo, “A luta pelo renascimento: a agudeza contra a comunicação”, Perniola repassa os cinco capítulos anteriores e o objeto em que cada um deles se deteve: o belo, a ironia, o sublime, o trágico e a argúcia, todos eles inseridos dentro de um momento crítico e de conflito da sociedade italiana. Um dos nomes de destaque é Quirino Conti, um “guru” da moda, e a concepção que ele tem sobre os meios de comunicação, e como ele enxerga na Milão dos anos 1970 um ponto crucial para toda a ruína que se segue no âmbito dessa relação complexa entre moda e comunicação. Neste último capítulo, Perniola aprofunda o seu conhecimento no campo da moda.
Como palavras finais, Estetica italiana contemporanea é um livro repleto de referências que mapeia nomes que de alguma forma foram importantes dentro do cenário estético-italiano do século 20, mas que certamente vai além do que o seu título poderia fazer supor ao leitor, uma vez que as suas reflexões dialogam com vários campos do saber. Leitura imprescindível para quem deseja aprofundar o seu olhar não só na estética, mas no pensamento italiano desse século, pois o voo de Perniola sobrevoa vários panoramas.
Capa da edição italiana





[1] PERNIOLA, Mario. Estetica italiana contemporanea. Firenze: Bompiani, 2017.
[2] Esse texto de Perniola foi publicado na Itália pela revista Tempo presente, ano 6, n. 9-10, 1961. No Brasil foi publicado em livro: PERNIOLA, Mario. Beckett e a escritura existencial. Trad. Juan Manuel Terenzi. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2017.
[3] PERNIOLA, Mario. Beckett e a escrita existencial. Op. cit., p. 20.
[4] PERNIOLA, Mario. Estetica italiana contemporanea. Op. cit., p. 10. [tradução minha].
[5] BODEI, Remo. As formas da beleza. Trad. Antonio Angonese. Florianópolis: EDUSC, 2005.
[6] CACCIARI, Massimo. L’angelo necessario. Milano: Adelphi, 1992.
[7] BURKE, Edmund. Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo. Campinas: Unicamp, 2014.
[8] PERNIOLA, Mario. Estetica italiana contemporanea. Op. Cit., p. 66. [tradução minha].
[9] AGAMBEN, Giorgio. L’aperto. L’uomo e l’animale. Torino: Bollati- Boringhieri, 2002.
[10] PERNIOLA, Mario. Estetica italiana contemporanea. Op. cit., pp. 131-132. [tradução minha].
[11] Idem, p. 141.
[12] GIVONE, Sergio. Storia del nulla. Roma-Bari: Laterza, 2003.
[13] GIVONE, Sergio. William Blake. Arte e religione. Milano: Ugo Mursia Editore, 1978.
[14] O termo pode ser traduzido como “aceitação passiva”, e nas palavras da própria Campo, lemos a seguinte definição: “una briosa, gentile impenetrabilità all’altrui violenza e bassezza, un’accettazione impassibile” [uma alegre e suave impenetrabilidade à violência e baixeza dos outros, uma aceitação impassível].
[15] PERNIOLA, Mario. Estetica italiana contemporanea. Op. cit., p. 172.
[16] GIORGI, Rubina. Esercizi 1. Milano: Feltrinelli, 1979.
[17] PERNIOLA, Mario. Estetica italiana contemporanea. Op. cit., p. 178.

como citar: TERENZI, Juan. “Mario Perniola convida-nos, em seu último livro publicado em vida, a mergulhar no imenso mar estético que vislumbra”. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.7, jul. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209579