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O epitexto virtual na circulação de escritoras italianas no centro da pandemia[1], por Marlene Rodrigues Brandolt
Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Covid-19
Epitextos
Marlene Brandolt
em
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Algumas razões
culturais e sociais reconhecidas desde o século XX sobre os acervos de
literaturas gravadas em vídeo, áudio ou digitalizados disponíveis em buscas on-line devem ser pensadas a partir do
título. O efeito causado pela mídia foi sugerido pelo crítico literário Gérard
Genette, que a considerou como um lugar de recursos paratextuais, o qual ele
não chegou a explorar em Paratextos
editoriais[2].
Para o autor, o termo paratexto é um acessório que se coloca ao lado do texto
principal ou faz parte das informações externas ao livro, constituindo-se como
uma narrativa que atrai para si “também um sentido” em diversos contextos[3]. Nesta análise, a intenção
estética do paratexto diz respeito aos recursos auxiliares que, “em qualquer
lugar fora do livro”, são designados como epitextos vistos no espaço midiático
acessível a um público leitor do texto e àquele voltado a leituras de jornal ou
de outro meio de comunicação virtual[4].
Entre 2016 e
2019, nos sites brasileiros, A filha perdida,
de Elena Ferrante, por vezes era associada às propagandas turísticas
relacionadas às cidades de Nápoles e Florença, cenário da protagonista Leda,
que vivia “como se estivesse suspensa no ar” em busca de um encontro consigo
mesma, o que a fez, em um determinado tempo, deixar as filhas sob a proteção do
pai das meninas, decisão que a tornava outra pessoa, como narra: “finalmente eu
mesma”[5]. Atualmente, nestes dias
sombrios provocados pela Covid-19, apenas o colorido avermelhado da capa da
edição comentada lembra a rotina de uma Itália mais calorosa.
A afirmação serve
também para a apresentação de Um amor
incômodo, da mesma autora, que mantém a cor em vermelho, contornando o
perfil de uma mulher sem rosto. Tal ilustração confere indicativos da figura da
protagonista Delia que, após a morte da mãe, transforma em luta interna a culpa
por não tê-la protegido do suicídio; sem conseguir resolver o conflito, aceita
que as duas, de alguma forma, estarão sempre juntas, pois a imagem de “Amália
existir[á]”[6]
nela. Com igual sentido de desdobramento, a capa do livro A devolvida, de Donatella Di Pietrantonio, traz a foto de um rosto
dividido, semelhante à história da narradora que procura,
na memória dos 13 anos,
respostas às interrogações sobre quais foram os motivos que levaram as
mães, adotiva e biológica, a esconderem essa particularidade importante para a
formação da sua identidade, condição que a faz buscar uma “calma dentro do
peito em desordem”[7],
ainda na vida adulta. Nas personagens mencionadas, a crise produzida
por separações e ausências transforma-se em atitudes reflexivas equivalentes a
um mecanismo de defesa contra as tensões familiares. Daí o
cuidado de entenderem a si mesmas “de forma cada vez mais intensa”[8].
A expressão dessa
carência é parte também do evento que surge no centro da vida real
ocasionada pela pandemia. Em meio a esse colapso social, a
internet tem estreitado os laços com editores, autores e leitores na divulgação
não somente de livros impressos, mas também em outros formatos digitalizados.
Essa resistência à crise de queda do mercado livreiro tem aqui importância no
estudo do paratexto, o qual se adapta às circunstâncias de apresentação do
livro. Junto à amplitude de informação que essa ferramenta metodológica
carrega, os livros das escritoras italianas têm circulado em estantes virtuais, espaços
que têm propiciado “leituras [...] amplamente gravadas, ao vivo ou
em estúdio”[9],
para aplicar a ideia de Gérard Genette. As editoras, em parceria com sites, estimulam pesquisas, leituras e,
de alguma maneira, tornam menos grave a redução que a comunicação literária
poderia sofrer não fossem os acordos entre editoras nos diferentes formatos que
distribuem os livros – por exemplo, Um
amor incômodo, A filha perdida e A devolvida, por meio de links
especializados em literatura que ganham força em meio à pandemia, numa relação
recíproca com a finalidade de entreter e de renovar conhecimento.
Em sites de literatura, Elena Ferrante é relacionada às manifestações sobre
sua verdadeira identidade, inquietação de jornalistas e leitores que permanece
aberta, ocasionando apenas suposições em diferentes redes
sociais. A observação feita no período já indicado mostra que a apresentação
dos livros de Elena Ferrante gira em torno desse perfil, por exemplo, com
indícios de que Anita Raja, esposa do escritor italiano Domenico
Starnone, seja Elena Ferrante. “E daí?”, conforme comentários
na revista Época[10]. Semelhante estratégia
permanece em 2020 pelo site da Veja, na coluna Notícias, sobre literatura,
intitulada
“Elena Ferrante e Domenico Starnone: os novos livros do (suposto) casal”[11];
a mesma nota está na Veja impressa,
de 17 de junho de 2020, com o título “Dramas da vida privada”, tendo por
subtítulo: “Elena Ferrante e Domenico Starnone voltam a explorar
os bastidores das relações familiares em belos livros”[12] – são esses indicativos que
apontam Anita Raja como uma das possibilidades de ser Elena Ferrante.
Embora as comunicações on-line também realcem adaptação
cinematográfica dos livros de Elena Ferrante feita, por exemplo, por Maggie
Gyllenhaal (A filha perdida)[13], a insistência pelo rosto
e personalidade de Elena Ferrante é sempre alvo de especulações. Por conta
dessa particularidade, Fabiane Secches,
na revista Cult – Uol, faz uma
manchete alusiva ao anonimato da escritora: “Elena Ferrante: autora ou
personagem?”[14].
A pesquisadora, com as informações acerca do talento artístico e da carência de
uma explicação plausível sobre a identidade de Elena Ferrante, escreveu o livro
intitulado Elena
Ferrante: uma longa experiência de
ausência (2020). Para Fabiane Secches, o marketing projetado pela internet acerca de uma
provável identificação de autoria não diminui o potencial artístico
da escritora italiana, bem como considera a assinatura Elena Ferrante como parte da criação literária e um modo
de incitar a comunicação com o público leitor[15].
Para tanto, os limites
determinados nas propostas de divulgação de Elena Ferrante não deixam de
ampliar a zona de transição entre autora e editor, uma vez que seu nome circula
ao lado de outros consagrados, como o de Machado de Assis, “redescoberto [...]
e exaltado por revista americana”[16], na coluna
“Notícias sobre literatura” da Veja,
onde a autora ocupa também a coluna de Eduardo Wolf,
conforme comentário anterior. Os
encadeamentos nas páginas virtuais adotam um meio fazendo com que as
literaturas não caiam no esquecimento, criando possibilidades para que as obras
ultrapassem as fronteiras dos “gabinetes empoeirados, onde a literatura pode
perder o frescor”[17], porque a
afirmação de Croce não pode ser transposta, sem mediações, para o mundo
contemporâneo. A declaração de Benedetto Croce permite pensar a
tendência epitextual no conjunto da recepção do leitor, o qual possui
mecanismos de comunicação para divulgar a literatura que for de seu interesse.
Com presença nos sites brasileiros, Donatella Di
Pietrantonio, nascida em Arsita, na Itália, também circula diretamente em
eventos para falar do livro A devolvida, o qual tem
merecido atenção pela temática em torno da maternidade escondida e pelos
desdobramentos do título original L’Arminuta, termo em dialeto que
propicia designações variadas. Para algumas dessas escolhas, pode-se citar A retornada[18], que chegou
ao
Brasil pela TAG – Experiências
Literárias em parceria com a Faro Editorial no plano TAG Inéditos, em
tradução de Mario Bresighello, e A filha
devolvida[19], pela
Editora ASA, integrada ao grupo LeYa, traduzido por Tânia Ganho.
Os
nomes
registrados, bem como a figura de Donatella Di Pietrantonio no Brasil em
eventos organizados pela Embaixada da Itália em Brasília, na 19ª Semana da
Língua Italiana no Mundo[20], em 18 de outubro de
2019, são recursos publicitários que aproximam a história da escritora do
público leitor. Além dos eventos, ela aparece com naturalidade em vídeos, o que
torna seu rosto familiar aos leitores que compartilham ideias relativas às
adoções, cujas normas visam à entrada de crianças na casa dos pais, mas sem
acordos para o retorno delas ao lar original, posição em que se vê A devolvida, por não ter “nada além do
apoio”[21] afetuoso da irmã.
Nesta época de
quarentena, a autora de A devolvida
ocupa um lugar na relação Brasil-Itália, refletindo sobre as atitudes e
sentimentos coletivos no vídeo “Donatella Di Pietrantonio 11 – Krisis Tempos de
Covid-19”[22];
nele, fala a convite do Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana
traduzida no Brasil – NECLIT-UFSC.
Nesse meio virtual, Donatella Di Pietrantonio transpõe uma consciência afetada pelo
contorno gigantesco da Covid-19, que tem jogado a humanidade para um futuro
desprotegido e imprevisível. A escritora baixa a cortina no final da audição,
indicando o comprometimento com o isolamento no contexto de pandemia, onde “o
mundo se tornou global, interconectado e inextricável”[23]
– trecho do livro No
contágio, de Paolo Giordano, transcrito em áudio por Donatella
Di Pietrantonio, também na série Tempos de Covid-19 (2020).
O desdobramento das vozes
dos escritores sugere a importância do papel desencadeador do epitexto na troca
cultural entre artistas italianos e editores brasileiros. Dir-se-ia que o
epitexto virtual é “uma ‘celebração móvel’: formado e transformado
continuamente” na relação com as alterações temporais e espaciais dos sistemas
culturais, isso para usar as palavras de Stuart Hall[24]. Nesse sentido, A filha
perdida, Um amor incômodo e A devolvida por vezes cruzam o mesmo
universo de publicidade das Editoras Amazon e Intrínseca, em plataformas
digitais brasileiras, o que contribui para uma metodologia de estudos abertos
que sustenta o horizonte de expectativa em relação às obras traduzidas.
É preciso comentar que a reunião de dados relativos
aos epitextos digitalizados, em
qualquer período, dá acesso a “um limiar a transpor”,
isso por cobrir informações diversificadas num espaço “físico e social
virtualmente ilimitado”[25] que, mesmo diante de uma
crise descomunal, continua mobilizando o deslocamento cultural
da literatura italiana para o Brasil. Sob esse aspecto, no período de pandemia,
a mídia tem protegido os leitores de um distanciamento da literatura por meio
das variações gráficas, notícias e reportagens
em jornais, cujos desdobramentos motivam
o público a interagir com o mundo ficcional; igualmente é uma forma de as
pessoas minimizarem os desconfortos do confinamento. Resta
dizer que o epitexto virtual –
associado a recursos fora do livro – não é uma especificidade isolada de outras
denominações paratextuais que se identificam, no caso em
estudo, com o espaço físico do livro e a perspectiva de circulação literária
das escritoras selecionadas.
___________________________
Como citar: BRANDOLT, Marlene Rodrigues. "O epitexto virtual na circulação de escritoras italianas no centro da pandemia". In "Literatura Italiana Traduzida", v. 1, n. 10, out. 2020.
Disponível em https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/213229
[1] Texto apresentado/lido por esta
pesquisadora, porém com algumas alterações, no Encontro de Pesquisa, em
17-07-2020, no projeto organizado pelo Núcleo de Estudos
Contemporâneos de Literatura Italiana (NECLIT). Disponível em: https://neclit.ufsc.br/2020/07/19/encontros-de-pesquisa-do-neclit-julho-2020/?lang=it.
[2] GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Trad. Álvaro
Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.
[3]
GENETTE, Gérard, op. cit., p. 360.
[4] GENETTE, Gérard, op. cit., p.
303.
[5] FERRANTE, Elena, A filha perdida, op. cit., pp. 103-107.
[6] FERRANTE, Elena, Um amor incômodo, op. cit., p. 173.
[7] PIETRANTONIO,
Donatella di, A devolvida, op. cit., p. 49.
[8] FERRANTE, Elena, A filha perdida, op. cit., p. 123.
[9] GENETTE, Gérard, op. cit., p. 326.
[10] GABRIEL, Ruan de
Sousa. “Anita Raja é Elena Ferrante. E daí?”. In Época, 10 out. 2016. Disponível em:
https://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/10/anita-raja-e-elena-ferrante-e-dai.html.
Consultado em: 10/01/2020.
[11] WOLF, Eduardo. “Elena Ferrante e
Domenico Starnone: os novos livros do (suposto) casal”. In Veja, 22 jul. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/entretenimento/elena-ferrante-e-domenico-starnone-os-novos-livros-do-suposto-casal. Consultado em: 20/06/2020.
[12] WOLF, Eduardo. “Dramas da vida
privada”. In Veja, 17 jun. 2020, p. 92.
[13] TREMEL, Sofia. “Maggie Gyllenhaal dirige
adaptação de ‘Filha perdida’, de Elena Ferrante”. In Versatille, 2020. Disponível em:
https://versatille.com/maggie-gyllenhaal-dirige-adaptacao-de-filha-perdida-de-elena-ferrante/.
Consultado em: 23/05/2020.
[14] SECCHES, Fabiane. “Elena Ferrante:
autora ou personagem?”. In Cult, 14
nov. 2017. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/elena-ferrante-autora-ou-personagem/.
Consultado em: 20/01/2020.
[15] NAÍSA, Letícia. “Livro discute os
best-sellers da ‘Febre Ferrante' pelo olhar da psicanálise”. In TAB, 21 maio 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/21/livro-fabiane-secches.htm.
Consultado em: 05/06/2020.
[16] NASSIF, Tamara. “Redescoberto,
Machado de Assis é exaltado por revista americana”. In Veja, 04 jun. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/entretenimento/redescoberto-machado-de-assis-e-exaltado-por-revista-americana/.
Consultado em: 15/06/2020.
[17] CROCE, Benedetto.
Literatura comparada. Disponível em:
Plataforma Moodle do Curso: Textualidades Italianas. Florianópolis: UFSC, 2011. p. 64.
[18] PIETRANTONIO, Donatella di. A
retornada. Trad. Mario Bresighello. São Paulo: Faro Editorial, 2018.
[19] PIETRANTONIO, Donatella di. A filha
devolvida. Trad.
Tânia Ganho. São Paulo: ASA, 2019.
[20] COMUNITÀ ITALIANA. “Semana da
Língua Italiana no Mundo apresenta programação para o Brasil”. In Comunità Italiana, 18 out. 2019.
Disponível em: https://comunitaitaliana.com/semana-da-lingua-italiana-no-mundo-divulga-programacao/. Consultado em:
10/06/2020.
[21] PIETRANTONIO,
Donatella di, A devolvida, op. cit., p. 15.
[22] “Donatela Di Pietrantonio 11 - Krisis Tempos de Covid-19”. Núcleo de Estudos
Contemporâneos de Literatura Italiana da Universidade Federal de Santa Catarina
(Neclit/UFSC). Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2020/06/projeto-krisis-tempos-de-covid-19-divulga-canal-com-reflexoes-sobre-o-momento/.
Consultado em: 12/06/ 2020.
[23] GIORDANO, Paolo.
“‘No contágio’ de Paolo Giordano - Krisis Tempos de Covid-19”. In:
PIETRANTONIO, Donatela di. 11 - Krisis
Tempos de Covid-19. Núcleo de Estudos Contemporâneos de
Literatura Italiana
da Universidade Federal de Santa Catarina (Neclit/UFSC). Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2020/06/projeto-krisis-tempos-de-covid-19-divulga-canal-com-reflexoes-sobre-o-momento/.
Consultado em: 02/072020.
[24] HALL, Stuart. A
identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Louro. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002. p. 13.
[25]
GENETTE, Gérard, op. cit., p.
303.
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