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Alba de Céspedes entre o romance sentimental feminino e a resistência ao fascismo, por Erica Salatini
Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Alba de Céspedes
Erica Salatini
Romance feminino
em
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Protagonista do Novecento literário
italiano, escritora amada por diversas gerações de leitoras e leitores, intelectual
engajada na modernização e renovação da cultura por meio de artigos publicados em
várias revistas e jornais, colaborações com o Rádio e a TV, o teatro e o cinema,
Alba de Céspedes ainda não obteve, segundo Asor Rosa, o merecido reconhecimento
pela historiografia literária[1].
Alba de Céspedes nasce em Roma, em 1911, em uma família rica e politicamente engajada.
Filha de mãe italiana, Laura Bertini Alessandrini, e pai cubano, Carlos Manuel de
Céspedes y Quesada, embaixador na Itália, filho do primeiro Presidente da República
de Cuba. Em 1926, aos 15 anos, Céspedes se casa para obter a cidadania italiana.
No ano seguinte, tem um filho e pouco depois se separa. Começa a escrever muito
jovem, trabalhando como jornalista já na década de 1930 para revistas e jornais
como Il Piccolo, Epoca e La Stampa.
Em 1935,
publica seu primeiro livro de contos, L'Anima Degli Altri. Em 1938,
publica seu primeiro e mais conhecido romance, Nessuno torna indietro, grande sucesso de público na Itália
e traduzido em vários países, inclusive no Brasil. Em 1949, publica o romance Dalla parte di lei, narrativa confessional,
em primeira pessoa, em que a protagonista conta sobre sua infância, sua paixão pelo
homem que se torna seu marido e as experiências vividas durante os últimos anos
do fascismo, no pós-guerra. Em 1952, lança Quaderno
proibito, narrativa em forma de diário. Em 1955, publica o romance breve Prima e dopo, também escrito em primeira
pessoa, que narra as experiências de uma intelectual durante a Resistência. Céspedes
continua a desenvolver e a investigar a narrativa em primeira pessoa em Il rimorso, de 1963, romance epistolar com
trechos de diário, talvez o livro mais complexo de sua produção romanesca[2]. A
partir da segunda metade dos anos de 1960, vivendo entre Roma e Paris, publica romances
também em francês, traduzidos para várias línguas.
Seu papel na militância política
e cultural europeia, durante a Resistência e no pós-guerra, demonstra um percurso
intelectual original, capaz de entrelaçar consciência individual e objetividade
histórica. Alba de Céspedes constrói suas personagens
femininas a partir da subjetividade do olhar feminino, mas sua escrita sempre foi
muito influenciada pelos desenvolvimentos sociais e culturais que levaram e resultaram
na Segunda Guerra Mundial. Participou
ativamente dos acontecimentos literários do segundo pós-guerra, por meio de romances
socialmente engajados e caracterizados por uma acurada pesquisa estilística. Por divergir do modelo feminino idealizado representado
na literatura do período fascista, seu romance de estreia, Nessuno torna
indietro é recolhido pela censura que pede à escritora que faça algumas mudanças,
Alba se nega e o romance é impedido de circular durante o regime.
Em 1935,
quando Alba tinha apenas 24 anos, foi presa durante seis dias pelo regime fascista,
provavelmente por interceptações telefônicas e por ter recebido em casa um conhecido
antifascista, o jornalista e escritor Tullio Giordana (1877-1950). Todavia, nesse
período não se tem indícios de que a escritora fosse declaradamente antifascista,
pois, como acontece também com muitos outros intelectuais da época, que tentavam
sobreviver dignamente em um regime ditatorial, existe uma certa ambiguidade em relação
ao posicionamento contra o regime. É apenas em 1943, após deixar Roma com o marido,
em circunstâncias misteriosas e perigosas, que o engajamento político da escritora
ganha peso e ela se posiciona contra o fascismo: tendo passado por um duro processo
de amadurecimento e conscientização política, começa a participar ativamente da
Resistência. Em Bari, participa de um programa radiofônico “L’Italia combatte”,
com o pseudônimo de Clorinda, alusão à bravura e à coragem da personagem de Torquato
Tasso, na Jerusalém libertada.
Céspedes entra em contato, por meio da revista cultural “Mercurio”, fundada em 1944, em Nápoles, com outras escritoras contemporâneas, como Sibilla Aleramo, Ada Negri, Natalia Ginzburg, Maria Bellonci, Anna Banti e outras personalidades importantes do panorama cultural italiano do pós-guerra. É nas páginas da revista “Mercurio” que Céspedes inicia uma interessante correspondência com Natalia Ginzburg sobre o lado obscuro das mulheres: a imanência, a tendência feminina à introspecção, o famoso ‘poço’ em que as mulheres às vezes se afundam, que Ginzburg vê como um limite; Alba de Céspedes, ao contrário, não o renega. A descida no poço representa, na sua opinião, o ponto de ruptura, o momento em que a mulher pode operar uma escolha pela liberdade, tomando consciência (e talvez distância) das superestruturas sociais que condicionam a sua existência[3].
Profunda admiradora de Matilde
Serao, a qual define como “una vera scrittrice”, Alba reconhece a presença e a importância
de uma relação com a tradição de escritoras italianas dos séculos XIX e XX. Apesar
desse reconhecimento, Céspedes sabe que pertence a uma geração de escritoras que
se afirmou na literatura italiana no período entre as duas grandes guerras: representante
de uma geração que nasceu e cresceu em uma época de isolamento político, social
e cultural, foi obrigada, por este motivo, a buscar um modo próprio de expressão,
a construir uma presença intelectual e uma nova forma de escrita[4].
O romance Nessuno torna
indietro, marco inicial de sua carreira como romancista, sucesso de público
e traduzido em várias línguas, narra o destino de oito personagens femininas diversas,
que se conhecem em um convento. Representa o universo feminino como um mundo rico
e variado, diverso da imagem idealizada e estereotipada da mulher submissa, proposta
pelo modelo fascista. O tema central é o processo de construção da identidade de
jovens mulheres, suas dúvidas e incertezas, seus falimentos e conquistas:
As personagens
do livro de Alba de Céspedes retratam a pluralidade dessa nova mulher que se apresenta:
a mãe solteira em busca de uma vida tranquila; a tentativa de uma moça simples de
sair de sua cidade natal e não levar uma vida medíocre; a mulher frágil, incapaz
de se impor diante de um pai opressor; o sentimento de não pertencimento a um determinado
lugar e a paixão cega; a moça inteligente sem nenhum dom para dona de casa e esposa
dedicada, vindo a conquistar uma boa carreira profissional; a solteirona em busca
de uma identificação e algum reconhecimento; a mulher que se atém a suas raízes,
que aprecia a simplicidade sem grandes ambições; e a mulher que, pela rigidez da
vida, acaba tornando-se também rígida e amarga[5].
No
Brasil, a tradução é publicada com o título Ninguém volta atrás, em 1948, pela Editora Instituto Progresso
Editorial (IPÊ). Em uma entrevista a Céspedes, publicada pela Folha da Manhã, em 14 de março de 1948, a
escritora declarou que a popularidade de seu romance se devia à humanidade do romance,
à coragem de mostrar a verdade, mesmo que de modo doloroso. Em 1962, o romance foi
relançado no Brasil, desta vez pela editora Civilização Brasileira que também publicou,
em 1968, a tradução de outro romance de Céspedes, Il rimorso, com o título O Remorso: Uma nova mulher.
De acordo com Márcia de Almeida, esta reedição de Ninguém volta atrás mostra “um redirecionamento quanto à intenção dessas publicações, que dessa vez estavam voltadas a um novo público no Brasil, o feminino, devido às mudanças no papel social da mulher, a partir da década de 60”; nota-se, por exemplo, na contracapa uma dedicatória às leitoras brasileiras (“livro de leitura viva e cativante, e de grande sucesso em todo o mundo, que entregamos com prazer às leitoras brasileiras”), assinalando que o romance está voltado quase que “exclusivamente às mulheres, um novo público leitor para uma obra que retrata a vida de diferentes mulheres com problemas comuns à sua época”[6].
De fato, nos romances de Alba de Céspedes, frequentemente as personagens
protagonistas são mulheres e seus temas estão relacionados
ao universo feminino, o que permite estabelecer uma estreita relação entre sua voz
de autora e a de seus personagens. A escritora italiana é uma das mais atentas e
sensíveis observadoras da alma feminina, mas em um contexto histórico e social em
que “o masculino representa o ser humano enquanto o feminino representa só o feminino.”[7]
Dessa forma, seu engajamento intelectual não se restringe apenas à esfera política
mas “alcança uma esfera mais ampla: a defesa da condição humana, a busca
pela felicidade, que só se realiza através da educação, da saúde e da liberdade[8], fatores
fundamentais para a melhoria dos indivíduos e da sociedade em geral.
Não obstante o sucesso de
público que Céspedes obteve na época, apenas recentemente a crítica especializada
empreendeu uma revalorização de sua obra no cenário cultural italiano e internacional,
muito devido à crítica feminista dos últimos anos, que resgatou a obra de Céspedes,
sua participação política e militante no contexto histórico e político da Itália
fascista e do segundo pós-guerra:
Alba de Céspedes – traduzida em mais de trinta
línguas – teve grande sucesso como escritora, seja na Itália, seja no exterior e
conhecidos críticos italianos como Goffredo Bellonci, Pietro Pancrazi, Emilio Cecchi,
Silvio Benco, Anna Banti e outros resenharam os seus romances. Não obstante isso,
Céspedes – como tantas outras escritoras – foi, na maior parte das vezes, ignorada
ou marginalizada seja na história da literatura italiana ou na avaliação da crítica
literária. Esta última havia considerado interessante, sobretudo, a temática relativa
à condição da mulher no matrimônio e na sociedade italiana do tardo fascismo até
o início dos anos de 1960. Uma atenção menor foi prestada à sua técnica narrativa
tanto menos à relação entre a obra de Céspedes e a literatura imediatamente precedente
e contemporânea, levando em consideração também os diversos gêneros literários.
A atenção da crítica pela obra de Céspedes foi, portanto, escassa até os anos de
1990, quando um desejo de reavaliação levou uma quantidade de novos estudos e artigos,
na Itália e no exterior (...) Um novo capítulo na história da crítica sobre a obra
de Alba de Céspedes se abriu após sua morte em 1997, quando as suas cartas foram
doadas para os Arquivos Reunidos das Mulheres em Milão, sob a direção de Marina
Zancan, professora titular de literatura italiana na Sapienza de Roma. Com um grupo
de outras estudiosas, entre as quais Laura di Nicola e Sabina Ciminari, iniciou-se
assim, a partir de 2001, um trabalho de reavaliação com uma mostra, um catálogo
e um congresso internacional em Roma, seguidos por um estudo intitulado Alba
de Céspedes e publicado em 2005.[9]
Assim, o espaço de destaque
devido a escritoras como Céspedes, seja pelo valor de sua escrita, seja pelo seu
percurso intelectual e pela importância de suas participações na vida cultural italiana
ainda está em construção.
Como citar: SALATINI, Erica. "Alba de Céspedes entre o romance sentimental feminino e a resistência ao fascismo". In "Literatura Italiana Traduzida", v. 1, n. 11, nov. 2020.
Disponível em:https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/217905
[1] ASOR ROSA, Alberto. “Alba de Céspedes è una grande scrittrice italiana ed europea, europea e
cubana, cui le storie letterarie non hanno finora attribuito il peso e il ruolo
che essa sicuramente merita”. Disponível in:
https://www.fondazionemondadori.it/rivista/classici-italiani-nel-mondo-alba-de-cespedes/ Acesso 30/09/2020.
[2] ÅKERSTRÖM, Ulla. “Revisione
critica dell’opera di Alba de Céspedes nel centenario della nascita”. In: Actes
du XVIIIe congrès des romanistes scandinaves. Romanica Gothoburgensia 69, Acta
universitatis Gothoburgensis. Göteborg, 2012.
[3] VIARENGO, Luciana. “Più rosso che rosa”. Rivista Paginauno, n. 2, apri-mag
2007.. Disponível em: https://www.rivistapaginauno.it/piu-rosso-che-rosa/. No original: “sul
lato oscuro delle donne: l’immanenza, la tendenza
femminile all’introspezione, il famoso “pozzo” nel quale le donne a volte sprofondano
e che la Ginzburg vede come un limite; Alba De Céspedes, al contrario, non lo rinnega.
La discesa nel pozzo rappresenta a suo parere il punto di rottura, il momento nel
quale la donna può operare una scelta di libertà, prendendo coscienza (e forse distanza)
dalle sovrastrutture sociali che ne condizionano l’esistenza”. Todas as traduções
para o português dos trechos em italiano são de nossa autoria.
[4] FORTINI, Laura. “Nessuno torna indietro di Alba de Céspedes”. In: Letteratura
Italiana. Le opere. vol IV: IL Novecento. Turim: Einaudi 1996, p. 164.
[5] ALMEIDA, Márcia de. “As obras de Alba
de Céspedes traduzidas no Brasil”. In Revista Colineares, N. 1 – Vol. 2 - Jul/Dez
2014.
[7]VIARENGO,
Luciana. “Più rosso Che rosa”. Op. Cit. No original: “il maschile rappresentava l’essere umano e il femminile rappresentava
soltanto il femminile”
[8] CAVALCANTE, Ilane Ferreira. Mulheres e letras: representações femininas em
revistas e romances das décadas de 1960 e 1970. Natal: IFRN, 2011.
P. 32-33.
[9] ÅKERSTRÖM, Ulla. “Revisione critica
dell’opera di Alba de Céspedes nel centenario della nascita”. In: Actes
du XVIIIe congrès des romanistes scandinaves. Romanica Gothoburgensia 69, Acta
universitatis Gothoburgensis. Göteborg, 2012. No original: “Alba de Céspedes – tradotta
in piú di trenta lingue – ebbe grande successo come scrittrice sia in Italia che
all’estero e noti critici italiani come Goffredo Bellonci, Pietro Pancrazi, Emilio
Cecchi, Silvio Benco, Anna Banti e altri recensirono i suoi romanzi.Ciò nonostante,
de Céspedes – come tante altre scrittrici – è stata per lo più ignorata o marginalizzata
sia nella storia della letteratura italiana che nel giudizio della critica letteraria.
Quest’ultima aveva trovato interessante soprattutto la tematica relativa alla condizione
della donna nel matrimonio e nella società italiana dal tardo fascismo fino all’inizio
degli anni Sessanta. Minore attenzione era stata prestata alla sua tecnica narrativa,
nonché alla relazione tra l’opera decespediana e la letteratura immediatamente precedente
e contemporanea tenendo anche conto dei diversi generi letterari. L’attenzione della
critica per l’opera decespediana è dunque stata scarsa fino agli anni Novanta, quando
un desiderio di rivalutarla ha portato ad una quantità di nuovi studi ed articoli,
in Italia e all’estero (...) Un nuovo capitolo nella storia della critica sull’opera
di Alba de Céspedes si aprì dopo la sua scomparsa nel 1997, quando le sue carte
furono donate agli Archivi Riuniti delle Donne a Milano sotto la direzione di Marina
Zancan, ordinaria di letteratura italiana alla Sapienza a Roma. Con un gruppo di
altre studiose, tra cui Laura Di Nicola e Sabina Ciminari, è iniziato così dal 2001
un lavoro di rivalutazione con una mostra, un catalogo e un convegno internazionale
a Roma, seguiti da uno studio intitolato Alba de Céspedes e pubblicato nel
2005”.
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