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Da coleção “I gettoni” para o mercado brasileiro: a tradução de escritores gettonianos, por Fabiana V. Assini
Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Einaudi
Fabiana Assini
I gettoni
em
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No início da década de 1950, na editora italiana Einaudi, é pensada e
criada a coleção literária “I gettoni”, que ficou ativa ao longo da década,
entre os anos de 1951 e 1958. Dirigida pelo escritor Elio Vittorini, a coleção
buscava, de certa maneira, renovar a literatura italiana promovendo novos
escritores, dentre os quais podemos citar: Beppe Fenoglio, Mario Rigoni Stern,
Franco Lucentini e Lalla Romano. Porém, a coleção também abria espaço para
narradores que já tinham publicações, dando ênfase para aqueles que tivessem
algo de inovador e experimental em suas narrativas. Em sua trajetória foram
publicados 41 escritores italianos e 8 escritores estrangeiros (Jorge Luis
Borges e Marguerite Duras são dois exemplos), totalizando em seu encerramento
58 títulos.[1]
Dentre
os escritores italianos que participaram da coleção “I gettoni”, apenas sete
foram traduzidos no Brasil. E não estamos nos referindo, neste primeiro momento,
às obras gettonianas desses escritores, mas considerando qualquer obra
escrita por eles. E quais seriam
esses escritores?
Carlo Cassola, Giovanni Arpino, Beppe
Fenoglio, Anna Maria Ortese, Giuseppe Bonaviri, Italo Calvino e Leonardo
Sciascia.
Em
relação ao Calvino e ao Sciascia, suas obras traduzidas no Brasil não foram
contabilizadas neste momento, pois são os escritores gettonianos mais
traduzidos aqui no país, tendo mais de dez traduções cada um. O que pode nos
indicar, em uma primeira análise, que são escritores já conhecidos ao público
brasileiro e com boa recepção. Afinal, não faz muito sentido traduzir um
escritor se ele não é minimamente vendável ou interessante ao público-alvo das
editoras que os traduziram. Por isso, ambos foram deixados de lado nessa
primeira pesquisa, de modo a ser possível dar mais atenção e ênfase no
mapeamento dos demais escritores traduzidos, que juntos mal totalizam metade
das obras calvinianas traduzidas.
Anos
1960
Um
fato curioso é que apesar de Italo Calvino (1923-1985) e Leonardo Sciascia
(1921-1989) serem – dentro dessa seleção da coleção “I gettoni” – os escritores
mais traduzidos, eles não foram os primeiros a chegarem no mercado editorial
brasileiro. Esse papel é de Giovanni Arpino (1927-1987), nos anos iniciais da
década de 1960. Na Itália, Arpino estreou na literatura sendo o décimo escritor
a integrar a coleção gettoniana com: Sei stato felice, Giovanni,
em 1952. Os anos 60, aqui no Brasil, é um momento bastante complicado, se temos
em mente o golpe de 1964, e é bem nessa época que Arpino é traduzido e
publicado pela Editora Civilização Brasileira. A primeira tradução é de 1963, Um
crime de honra, seguido de Um momento de ira, em 1964, e d’A
sombra das colinas, em 1965.[2] Tais obras
foram lançadas na Itália com poucos anos de diferença, isto é, eram obras
recentes de Arpino. A diferença entre o lançamento na Itália e a tradução
brasileira é de no máximo dois anos.
A Civilização Brasileira
foi criada em 1929, mas em 1932 acaba se tornando um selo editorial da Editora
Nacional,[3] para abrigar livros de
ficção e não didáticos. Com a direção de Ênio Silveira, o selo começa a ter um
acervo maior, e já no final da década de 1950, a Civilização se torna uma das
principais editoras do país. Porém, por posições políticas divergente às do diretor
da Editora Nacional, Octalles Marcondes Ferreira, em 1963 acontece a separação
dessas duas editoras. Então, Ênio Silveira, com o controle total da Civilização
Brasileira, renova completamente a imagem da empresa, e faz alterações
importantes no aspecto físico do livro.[4]
É interessante considerar
que o italiano Giovanni Arpino é traduzido pela editora justamente nesse
movimento de renovação editorial, até mesmo de um investimento no próprio
catálogo da editora. Com isso, podemos ver Arpino como um escritor que
contribuiu com essa renovação. Embora Ênio Silveira estivesse fomentando o
acervo da Civilização, as escolhas dos títulos não parecem ser aleatórias.
Existe uma razão para traduzir Arpino, e uma possível hipótese diz
respeito às temáticas dos livros do italiano. Após o golpe de 1964, muitos
livros foram confiscados nas livrarias e editoras, e a Civilização Brasileira
foi um grande alvo da ditadura, pois Ênio Silveira tinha uma posição política
oposta à do governo. Esse confisco envolvia livros que falassem de comunismo,
livros de autores que eram persona non grata do governo, livros
traduzidos do russo e livros com capas vermelhas. E uma das obras de Arpino, Um
momento de ira, traz a temática comunista, com uma trama que apresenta três
militantes comunistas que se envolvem num triângulo amoroso. Essa temática pode
ter sido um fator que favoreceu de algum modo a escolha por traduzi-lo. Além
disso, sua primeira obra traduzida, que é Um crime de honra, chegou a
ser finalista no Prêmio Strega de 1961, um fator que pode ter sido expressivo para
chamar a atenção da editora brasileira, uma vez que esse é um importante prêmio
italiano que indica para além dos gostos literários, os próprios movimentos da
cultura italiana ao longo dos anos.
A última obra traduzida de G. Arpino tem uma
distância de mais de trinta anos desde A sombra das colinas (de 1965).
Trata-se do livro A escuridão e o mel, lançada em 2001, na coleção
“Letras italianas” da Berlendis & Vertecchia. Um romance que chega aqui no
Brasil pela adaptação cinematográfica: Perfume de mulher, de 1992,
dirigido por Martin Brest e com Al Pacino no elenco: um remake norte-americano
do filme italiano: Profumo di donna, do diretor Dino Risi, de 1974.
Anos 1970 e 1980
Depois
de Arpino, temos a chegada de Italo Calvino, no início da década de 1970, sendo
o único desse levantamento dos escritores gettonianos a ter a sua obra originalmente
publicada em “I gettoni” traduzida no Brasil, que seria O visconde partido
ao meio. Sua narrativa de estreia aqui no país se deu quase duas décadas
depois de seu lançamento na Itália, que foi em 1952.
Já ao fim dos anos 70, temos a estreia de Leonardo Sciascia com O
contexto (1979) lançado pela Civilização Brasileira, e nesse mesmo ano a
tradução de Carlo Cassola (1917-1987), com O homem e o cão (que ganhou o
prêmio italiano Bagutta em 1978), seguido de Um homem só, em 1980. Ambos
os volumes de Cassola foram editados pela Editora Fontana junto ao Instituto Italiano
de Cultura. Da mesma forma que ocorreu com Arpino, os títulos de Cassola
escolhidos para a tradução foram lançados, na Itália, poucos anos antes: em
1977 e 1978, respectivamente, tendo assim uma distância de dois anos entre a
obra italiana e sua tradução brasileira.[5]
Anos 1990
Quinze
anos depois da segunda publicação de Carlo Cassola, temos a tradução de Anna
Maria Ortese (1914-1998), a décima sétima escritora de “I gettoni”. A sua
estreia na literatura italiana é anterior à sua colaboração à coleção italiana.
Se para a coleção da Einaudi ela escreve Il mare non bagna Napoli, em
1953, é com sua primeira coletânea de contos, de 1937, intitulada Angelici
dolori que Ortese chega ao público brasileiro. A tradução, O pássaro da
dor, foi lançada em 1995 pela editora Companhia das Letras,
detentora das publicações de Calvino aqui no Brasil. Ao longo de sua carreira
literária, Ortese ganhou diversos prêmios, mas nenhum com seu livro de estreia,
o que poderia ser um fator relevante para entender a escolha de O pássaro da
dor. A Companhia das Letras é uma editora nascida em meados da década de
1980, pós-ditadura militar, e “destaca-se pela qualidade dos textos que
escolhe, pelo cuidado que dedica à tradução, pelo bom gosto de suas capas e
pela atenção que empresta à apresentação gráfica e artística”.[6]
Anos
2000
O
início do século XXI é marcado pela tradução dos dois últimos escritores que
encerram esse setenário: Beppe Fenoglio (1922-1963) e Giuseppe Bonaviri
(1924-2009). Duas publicações que integraram a coleção já mencionada “Letras
Italianas” da Berlendis & Vertecchia. Beppe Fenoglio foi o décimo primeiro
escritor a colaborar com “I gettoni”, com duas publicações: I ventitré
giorni della città di Alba (1952) e La malora (1954). Mas é com uma
obra póstuma que se apresenta ao público brasileiro: Uma questão pessoal,
lançada aqui em 2001. Na Itália, a obra Una questione privata (1965) ganhou
o Prêmio Puccini-Senigallia, o qual reforça a imagem que Fenoglio já havia
conquistado em vida: a de um dos escritores mais interessantes da literatura
italiana. Giuseppe Bonaviri, por sua vez, foi editado aqui no Brasil em 2002,
com a obra O rio de pedra, tradução de sua terceira publicação. Estreou
na literatura italiana por meio da coleção gettoniana, em 1954, com Il
sarto della stradalunga. Por vários anos ele foi um dos indicados da Itália
para ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, mas nunca conquistou o prêmio. Apesar
de serem obras relativamente recentes – se comparadas com outras da segunda
metade do século XX – não se encontram mais no catálogo editorial da Berlendis.
A editora Berlendis & Vertecchia é reconhecida por sua contribuição na
divulgação da literatura italiana aqui no Brasil. Inclusive, a coleção “Letras
italianas”, criada em 2001 e ainda vigente, ganhou diversos prêmios. O catálogo
dessa coleção é montado com o auxílio de agências literárias e de professores
ligados à língua e literatura italiana.[7]
Considerações finais
Como se trata de uma
pesquisa em andamento, apresentada inicialmente no Colóquio Pesquisas em
Literatura Italiana Traduzida, as considerações aqui apresentadas têm o intuito
de fomentar a continuidade da pesquisa e futuras reflexões.
Os
prêmios literários italianos não parecem ter influência na escolha dos
escritores traduzidos, até porque esses prêmios dizem respeito a uma
literatura, a uma cultura, que não necessariamente se assemelha com a nossa.
Mesmo que existam similaridades, ganhar ou não o prêmio não parece interferir na
decisão final. Por outro lado, a temática das obras parece ser relevante de
algum modo para o contexto brasileiro, contribuindo para a sociedade das
décadas de 60 e 70, especialmente, se pensarmos, por exemplo, nas obras de Giovanni
Arpino e Carlo Cassola.
Como
mencionado, não consideramos as escolhas desses escritores, nem desses títulos,
por parte das editoras brasileiras, aleatórias. São obras que levantam questões
políticas, polêmicas, sociais... É possível pensar a sociedade, e questioná-la,
por meio da literatura. Por isso, a tradução dessas obras não demonstra ser resultado
de uma seleção qualquer, nem mesmo feita com a intenção única de
entretenimento. Porque mesmo que, ao fim da pesquisa, se chegue à conclusão de
que não houve um motivo histórico, político, social de traduzir essa ou aquela
obra, que ela tenha, de fato, vindo ao público brasileiro para entretê-lo,
ainda é possível pensar nas razões do leitor precisar ser entretido. E por que
é através de uma literatura estrangeira? São reflexões que permeiam essa
pesquisa, seja de forma direta ou indireta, especialmente porque estamos
considerando também o mercado editorial brasileiro, e buscando compreender a
relação entre as editoras brasileiras e tais obras traduzidas.
Por
fim, um outro caminho viável a ser seguido a partir das traduções identificadas
até o momento, é a análise dos paratextos, que pode inclusive contribuir para
entender melhor a recepção dessas obras em diferentes momentos. Temos G. Arpino
em 1963 e L. Sciascia, com Candido, ou uma história sonhada na Sicília,
em 2014, e nesse meio tempo houve uma renovação editorial, inclusive nos
paratextos. Mudanças que podem levantar importantes reflexões, tanto das
próprias traduções quanto do mercado editorial brasileiro.
____________________________
Como citar: ASSINI, Fabiana V. "Da coleção “I gettoni” para o mercado brasileiro: a tradução de escritores gettonianos". In "Literatura Italiana Traduzida", v. 1, n. 12, dez. 2020.
Disponível em:https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/218950
[1] Importante ressaltar que alguns
escritores publicaram duas obras na coleção, como foi o caso, por exemplo, de
Italo Calvino (1923-1985), Fortunato Seminara (1903-1984) e Ottiero Ottieri
(1924-2002).
[2] Em 1964, L’ombra dele colline
vence o Prêmio Strega.
[3] Após um colapso editorial em
meados dos anos 1920, o então auxiliar de Monteiro Lobato, Octalles Marcondes
Ferreira, consegue persuadir o escritor a constituir uma nova editora,
tornando-se assim seu sócio. A editora Monteiro Lobato & Cia. Se transforma
na Companhia Editora Nacional. Cf. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil:
sua história. Trad. de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de
Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2017, pp.
385-386.
[4] Sobre as alterações podemos mencionar:
mudanças na capa, no projeto tipográfico e no uso do layout da página. HALLEWELL,
Laurence, op. cit., p. 598.
[5] Uma informação a
se considerar futuramente: em uma pesquisa on-line podemos encontrar
outros títulos de Carlo Cassola em português. Porém, essas informações não
estão em sites tão confiáveis do ponto de vista acadêmico. Como, para esta
pesquisa, a principal fonte de pesquisa foi o Dicionário Bibliográfico de
Literatura Italiana Traduzida no Brasil. (Disponível em: http://www.dlit.ufsc.br/),
desconsideramos por enquanto outras fontes. Para um estudo posterior, mais
aprofundado, pode ser possível considerar tais fontes e escavar melhor essas
informações.
[6]
HALLEWELL, Laurence, op. cit., p. 731.
[7] Informações retiradas de: MARANGON,
Leila. “Berlendis & Vertecchia e as Letras Italianas”. In Revista de
Italianística, 33, pp. 50-60, 2017.017.
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