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Poeta, romancista e artista plástico, Nanni Balestrini nasceu em 1935,
RB: Sua experiência está voltada para a questão da vanguarda e, neste sentido, gostaria de
saber o que pensa sobre a onda de experimentação e vanguardismo que tomou o
mundo ocidental no pós-guerra.
NB: As guerras sempre provocaram uma ruptura no
processo normal e lento de transformação das idéias e dos comportamentos humanos.
Desde as guerras napoleônicas do começo do século XIX até a Grande Guerra de
1914-18, na Europa, os conflitos têm sempre sido acompanhados pelo nascimento
de novos modos de ver a realidade e de vivê-la. O fim da última Guerra Mundial
(1939-45) redundou num enorme impulso para a pesquisa e a experimentação em
todos os campos da arte, não apenas na Europa, mas no mundo inteiro.
RB: Quais eram os princípios básicos dos
Novissimi e do Gruppo 63?
NB: A Itália tinha sido um lugar central das “vanguardas
históricas”, iniciadas com o Futurismo, no começo do século passado. Os 20 anos
de fascismo, no entanto, sufocaram a vida cultural, impedindo, sobretudo, as
trocas com as experiências dos outros países. O Gruppo 63 (do qual fizeram
parte os poetas Novíssimi) nasceu principalmente da intolerância e da recusa,
por parte de uma nova geração, da tradição literária, que se mostrava incapaz
de interpretar a nova realidade daqueles anos. Foi, essencialmente, um
instrumento coletivo de busca de novas formas de escrita, adequadas às grandes
transformações em curso.
RB: Esse grupo se relacionava com os Beatniks e Black Mountains nos EUA, com o OULIPO na França, com a Poesia Concreta
brasileira?
NB: Uma das exigências imediatas e principais da
nova geração foi a de retomar o diálogo com as situações de experimentação
literária que, em outros países, haviam podido se desenvolver mais livremente,
como a poesia experimental (concreta, visual e sonora) ou o romance dito
pós-moderno (denominação que não considero exata). Alguns desses escritores foram
convidados a tomar parte das reuniões do Gruppo 63 e isso contribuiu bastante para
a formação de uma nova mentalidade na literatura italiana.
RB: Hoje, o senhor acredita que essa onda tenha
criado algo de original ou que se manteve, no fundo, tributária às primeiras
vanguardas do Século 20?
NB: Estou convencido de que os anos 1960 foram extraordinários
para a literatura, as artes visuais e a música. Um período comparável ao
Renascimento italiano, ao Siglo de Oro espanhol, ou ao Romantismo europeu, com
a vantagem que, dessa vez, havia se desenvolvido em nível mundial. As primeiras
vanguardas do século haviam sido um momento violento, de quebra, haviam marcado
o começo da modernidade, o nascimento da sociedade industrial, o alvorecer de
um novo mundo, o que vivemos em certo sentido hoje, para o bem e para o mal. Com
o segundo pós-guerra, no entanto, foi tomando corpo uma nova dimensão da vida
humana, que transformou radicalmente as relações (de trabalho, família, sexo) e
instaurou o domínio da tecnologia e do consumismo, com suas contradições e seus
conflitos.
RB: O conceito de vanguarda, combatido até hoje,
faz algum sentido, estético, político?
NB: Penso que os grandes momentos artísticos sempre
foram de vanguarda, ou seja, de ruptura com uma tradição já gasta: Dante e
Cervantes, Bach e Mozart, Caravaggio e Cézanne mudaram radicalmente a percepção
da realidade de seu tempo e por isso permanecem sempre contemporâneos. A
contraposição entre vanguardas consideradas episódios minoritários e o fluir de
uma tradição mainstream não existe. A
verdadeira tradição só pode ser a história das vanguardas, uma história
descontínua de grandes obras que determinaram uma ruptura, um salto. O resto mesmo
que pareça dominar o presente, não tem valor, é destinado a dissolver-se dentro
de algum tempo.
RB: O senhor, que sempre teve uma atuação
multimídia, como vê hoje a palavra, digamos, não eletrônica?
NB: As novas tecnologias produziram, no meu
entender, um enorme, excessivo incremento da circulação da palavra, uma
inflação da comunicação, tanto oral quanto escrita, e contra isso a literatura
tem que lutar, hoje. Não creio que os novos suportes eletrônicos possam
modificar a natureza da arte da palavra, como, aliás, não aconteceu
substancialmente no passado, por exemplo, com a invenção da imprensa. Se há
novas possibilidades na evolução da música e das artes visuais, isso ocorre
porque o som e as imagens são digitalizáveis, decomponíveis em unidades
mínimas, enquanto que a palavra tem a soleira do significado que não se pode
superar (ultrapassar). Sondar as soleiras do significado das palavras e de seus
conjuntos é a tarefa da literatura, da poesia. Mas os significados não são
quantitativos, portanto, não são digitalizáveis, e isso afasta a influência
nociva do meio eletrônico, na esfera da palavra. Os experimentos que eu fiz
referiam-se, ao contrário, às possibilidades combinatórias do computador, que,
porém, são apenas uma extensão e uma agilização dos manuais. Penso, então, que,
no que diz respeito à palavra, o meio não é a mensagem.
RB: Um de seus romances, I furiosi, trata do futebol. O senhor se interessa por futebol?
NB: O futebol não me interessa minimamente.
Escrevi esse livro porque quis compreender o motivo pelo qual o futebol
representa o maior fenômeno de agregação social entre jovens e adultos. É um
livro sobre os torcedores, suas aventuras, para as quais o futebol não passa de
um pretexto. O que conta para eles, sobretudo para os mais jovens, é viver com
os amigos numa grande festa coletiva, que os leve a esquecer a infelicidade do
cotidiano, imposta pela sociedade que vivemos, e a sonhar.
RB: Gostaria que o senhor falasse sobre o mundo
atual. Como vê a questão do Império Americano e quais seriam suas consequências
sobre a arte?
NB: O Império, enquanto máxima realização do
poder, escreve a história, domina a economia e determina os modos de vida. O
artista tem a tarefa de opor-se a estas hegemonias, não tanto e não apenas no
plano político e existencial, mas criando uma obra em que a crítica e a recusa
exprimam formas (sons, imagens, palavras) antagônicas às do poder. E hoje o
Império Americano, que nos oprime com sua ambição de domínio mundial, provoca a
arte a dar vida a obras que tenham consciência destino do gênero humano inteiro.
RB: Gostaria que comentasse o slogan dos anos
1960: "guerra no, guerrilla si", projetado para os dias atuais.
NB: As guerras, sempre ilegítimas, são os Estados
que as fazem, com os exércitos. As guerrilhas são formas de defesa, de
resistência informal contra os ocupantes (como a dos partisans na Europa, sob o
nazismo), ou então, se direcionam contra ditaduras e governos não liberais. Em
ambos os casos, trata-se de oposição legítima, mesmo se, desde sempre, os
ocupantes e as ditaduras têm usado o termo “ terrorismo” para recusar a
legitimidade e tipificar como crime as oposições armadas. Cabe constatar, ao
contrário, que o verdadeiro terrorismo é o que eles praticam contra populações
indefesas. Mesmo o uso da violência e das armas, por parte de uma oposição, em
situações democráticas, em estados democráticos, que permitiria um livre
confronto político, penso que deve ser considerado ilegítimo e, portanto,
definível como terrorismo também.
RB: O senhor militou na extrema-esquerda e conviveu
com a luta armada. Como se pode hoje fazer a síntese entre revolução e arte?
NB: Pessoalmente nada tive a ver com a luta
armada que houve na Itália nos anos 1970, e, inclusive, com a maior parte dos
movimentos de extrema esquerda de então, eu era contrário ao uso das armas.
Considero que, além de um erro político, tenha sido ilegítimo pelos motivos que
acabo de mencionar. Os espaços democráticos estavam fechados e estava se
desenvolvendo um grande movimento popular de oposição fora dos partidos.
Entretanto, um pequeno grupo, que se iludia com a idéia de obter uma vitória
militar contra o Estado, permitiu que a repressão apagasse um decênio de lutas
e que o rotulasse de “os anos de chumbo” do terrorismo. Não creio que exista
uma relação direta entre arte e revolução, se estivermos nos referindo à
revolução política. Esta é um processo que se transforma no tempo, que pode se
tornar involução, como aconteceu com a revolução francesa e com a soviética. Ao
contrário, as verdadeiras obras de arte permanecem revolucionárias para sempre,
o tempo não poderá corroê-las nem as alterar.
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Como citar: BONVICINO, Régis. "Entrevista de Nanni Balestrini". In " Revista de Literatura Italiana", v. 2, n. 6, jun. 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/224487
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