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Imagem: pxhere.com |
A narrativa de Antonio Tabucchi surge no cenário
cultural italiano em meados dos anos de 1970 – seu primeiro romance, Piazza
d’Italia, é publicado em 1975, após as experimentações artísticas e
literárias das vanguardas do período 1960-70. Sua literatura, no entanto,
afirma-se na década de 1980, com a publicação de seu primeiro livro de contos, Il
gioco del rovescio.
Seu romance de estreia, Piazza
d’Italia, pode ser considerado uma metanarrativa historiográfica[2]: é
uma reescrita da história, uma reflexão sobre a história italiana contada na
perspectiva dos perdedores, dos anti-heróis, dos que estão à margem da história
oficial. Ao narrar a história de três gerações de uma família de
revolucionários, a trama percorre quase cem anos de história italiana à luz dos
ideais anárquicos republicanos, inserindo-se numa tradição literária que vai de
Giovanni Verga a Beppe Fenoglio.
Os anos de 1980 é um período em que Tabucchi se dedica
particularmente à publicação de narrativas breves: sua primeira coletânea de
contos, Il gioco del rovescio, é de 1981. Em 1983, publica Donna di
Porto Pim, misto de diário de viagens e contos. Em 1985, publica Piccoli
equivoci senza importanza; em 1987, I volatili del Beato Angelico e
em 1991, publica L’Angelo Nero, todos coletâneas de contos[3]. A
forma breve é praticada com maior constância e conhecimento neste momento, pois
Tabucchi acredita que a escolha pela forma breve intensifica o efeito de
entrega imediata e precisa do texto[4],
buscado por ele.
Il gioco del rovescio apresenta temas, procedimentos e expedientes
literários que serão recorrentes nas narrativas posteriores de Tabucchi. Nesse
sentido, pode ser visto como notas iniciais de uma poética. Il gioco del
rovescio possui como natureza embrionária uma “intenção interrogativa”, que
será retomada e ampliada em Piccoli equivoci senza importanza e em L’Angelo
Nero criando um efeito de pluralização e complicação da experiência vivida
pelos personagens. Em termos de poética, as três coletâneas
são constituídas a partir da presença marcante de um “onirismo metaliterário”[5],
que alarga as fronteiras entre a ficção e o real, questiona as bases da noção
de realidade, problematiza o modelo da visão realista da representação – ao
mesmo tempo em que se utiliza critica e parodicamente da tradição realista, já
que Tabucchi é um escritor que herda uma tradição italiana de “realismos”.
A partir de 1994, temos uma fase considerada mais
“realista” da obra tabucchiana, com a publicação dos dois romances mais
importantes para a sua carreira, os quais tornaram o escritor famoso no mundo
todo: Sostiene
Pereira e La testa perduta di Damasceno Monteiro[6]. Estes romances,
traduzidos em vários países, inclusive no Brasil, consagraram o escritor
italiano.
A problemática da representação da história, como
vimos, é uma constante na obra de Tabucchi desde a publicação de Piazza d’Italia que focaliza a questão
histórica a partir de uma tentativa de escrever a história a “contrapelo”, em
termos benjaminianos. Segundo Brizio-Skov, quase toda a produção literária de
Tabucchi gira em torno de duas constantes fundamentais: História e Literatura.
A reescrita da história advém por meio de textos literários que tentam “fazer
História”, ou seja, textos que revelam como as coisas realmente aconteceram,
textos que falam da história italiana do último século vista de uma perspectiva
“rovesciata” – invertida – aquela dos rebeldes, dos perseguidos, dos perdedores
que observam de “baixo” a realidade que os rodeia e se chocam tragicamente com
a perspectiva “alta” daqueles que detém o poder[7].
Dentre as narrativas breves, L’Angelo Nero é
uma das coletâneas de contos que melhor representa esta problematização da
experiência histórica contemporânea por meio da expressão literária. Neste
volume, Tabucchi conjuga o binômio História e Literatura, voltando seu olhar
para a condição do homem contemporâneo, sem perder de vista, entretanto, a
formalização estética da matéria narrativa e as especificidades do gênero
literário. O final dos anos de 1960 e seus acontecimentos tumultuosos na Europa
constituem não só a ambientação temporal e o pano de fundo de alguns dos
contos, como também entrelaçam tematicamente algumas das narrativas. Em alguns
dos contos, traumas individuais são colocados em relação direta com momentos
dramáticos da história italiana, tais como o fascismo e o terrorismo dos anos
de 1970, discutindo os limites do estético na representação e na crítica do
real histórico e social[8].
Em algumas das narrativas de L’Angelo Nero, a ficção cede espaço à citação, à acumulação e
repetição de imagens e textos já existentes. O próprio título é uma homenagem a
um poema do poeta Eugenio Montale, que nas palavras do autor, foi o que
primeiro deparou com um “anjo de asas negras”[9]. Tabucchi
utiliza o processo da colagem de trechos, seja de obras literárias, poemas,
seja de trechos da história recente – os totalitarismos e as guerras do século
XX, os anos de Chumbo na Itália – combinando-os em textos fragmentados, em que
predomina a instabilidade da linguagem e do discurso. A experiência do narrador
se reduz, nessas narrativas, a uma colagem de fragmentos descontínuos, a uma
mistura de sonho e delírio, a um mosaico de citações, em que cada elemento
citado quebra a continuidade ou a linearidade do discurso.
L’Angelo
Nero, segundo Tabucchi, diferencia-se muito de seus outros
livros anteriormente publicados por possuir uma visão pessimista da realidade.
É um livro em que se discutem as várias formas de materialização do Mal no
homem e isso se dá por meio da discussão de questões históricas que são
importantes para o autor, entre elas a temática do terrorismo nos anos de 1970
na Itália:
“Per uno
scrittore della mia generazione, passato attraverso la visione, la
constatazione di quello che stava succedendo nel nostro paese negli anni del
terrorismo, certi segni degli avvenimenti che stavamo vivendo sono rimasti. Io
non ho mai preso di petto il problema del terrorismo, anche perché credo che
pur riuscendo a riflettere sulla storia non riuscirei a fare cronaca ed ho
sempre temuto che affrontando il problema in una maniera diretta potessi fare
una letteratura sostanzialmente cronachista che non mi piace. Naturalmente,
questi temi affiorano nella mia narrativa, perché non si può mai chiudere gli
occhi di fronte a quello che sta succedendo. Oltre tutto io sono, come tutti
noi, una persona che legge i giornali, che vede la televisione e fa una
constatazione del nostro presente. Dunque questi avvenimenti, in qualche modo,
si possono riflettere nella mia scrittura, ma mai entrarci in maniera diretta”[10].
Tabucchi acredita que, para um
escritor da sua geração, é difícil fugir da discussão da problemática da
experiência histórica contemporânea, nesse caso específico, dos anos de
terrorismo que marcam o começo dos anos de 1970 na Itália, dos sinais que estes
anos deixaram impressos na memória coletiva. A sua posição, entretanto, é
aquela de refletir sobre a história, de dar uma forma estética à sua matéria
narrativa.
Propondo-se a refletir sobre o seu
tempo histórico, como afirma na entrevista acima e como bem o faz em seu livro La Gastrite di Platone, Tabucchi
acredita que o intelectual e, por extensão, o escritor, possui uma “função
interrogativa”[11]
na sociedade contemporânea: isto é, aquela de colocar dúvidas e estimular a
reflexão, e não confortar ou oferecer respostas fáceis – “credo che l’ipotetica
funzione dell’intellettuale non sia tanto ‘creare’ delle crisi, ma mettere in crisi”[12]. Na esteira de Maurice Blanchot, Tabucchi afirma que todo
“atto di conoscenza intellettuale è anche un atto creativo” [13].
Em La Gastrite di Platone, Tabucchi cita ainda Pier Paolo Pasolini,
que em um polêmico texto de 1974, Io so, declara
“saber tudo sobre os mistérios da Itália”, sobre os atentados terroristas
praticados no começo dos anos de 1970. Assim como Pasolini, Tabucchi acredita
que esse “saber tudo” é um saber intuitivo e faz parte realmente do trabalho e
do instinto do trabalho do intelectual:
Io so perché sono un
intellettuale, uno scrittore, che cerca di seguire tutto ciò che succede, di
conoscere tutto ciò che se ne scrive, di immaginare tutto ciò che non si sa o
che si tace; che coordina fatti anche lontani, che mette insieme i pezzi
disorganizzati e frammentari di un intero coerente quadro politico, che
ristabilisce la logica là dove sembrano regnare l'arbitrarietà, la follia e il
mistero. /Tutto ciò fa parte del mio mestiere e dell'istinto del mio mestiere.”[14].
Com esta afirmação sobre a natureza instintiva do trabalho do escritor,
Pasolini figura como o exemplo mais significativo para ilustrar a “função
interrogativa” do intelectual/escritor a que se refere Tabucchi, e esta
consiste justamente em “leggere la realtà ‘al rovescio’, scambiando l’asse
causa-effetto”[15].
Este ato de conhecimento e este modo de ler a realidade ao contrário se transformam em criatividade e servem para a escrita do conto “Il battere d’ali di una farfalla a New York può provocare un tifone a Pechino?”, presente em L’Angelo Nero. Esta narrativa estabelece um interessante diálogo com um evento polêmico da história italiana contemporânea: o caso Adriano Sofri. O enredo narrativo traz para a ficção um dado histórico real: o testemunho de um ex-militante da facção revolucionária italiana Lotta Continua, Leonardo Marino, contra o jornalista e político Adriano Sofri, ex-líder desta facção – um “pentito” (arrependido) que teve uma parte muito importante como testemunha no caso Sofri.
O ex-militante arrependido atribui a
Sofri a responsabilidade moral pelo ato terrorista que resultou na morte de um
comissário da polícia italiana, o comissário Luigi Calabresi. Calabresi tinha
sido acusado por Sofri de ser o responsável pela morte do anarquista Giuseppe
Pinelli, precipitado de uma janela da Delegacia de Milão durante um
interrogatório sobre o ato terrorista que ficou conhecido como Atentado de
Piazza Fontana, em 1969, que resultou na morte de vários civis[16].
Publicado às vésperas do julgamento
de Sofri, o conto de Tabucchi foi citado por um dos juízes no processo de
apelação de 1991, que incluiu a narrativa (assim como também um texto de
Leonardo Sciascia) nos autos do processo, pois ela teria sido concebida com a
intenção de “influenciar o sucesso do processo”. Tabucchi narra o fato em L’oca al passo:
“Era il 1989, mi pare, era appena
cominciata la sua odissea e io avevo letto sul giornale di un signore che vende
frittelle il quale, vent’anni dopo, inchiodava tre persone con la ‘spontanea’
testimonianza resa a un sacerdote, prima di essere resa ai carabinieri e
credibile perché ‘aveva studiato dai salesiani’ (sic, dagli atti del processo).
L’incerta testimonianza mi suggerì allora un racconto intitolato Il battere
d’ali di una farfalla a New York può provocare un tifone a Pechino? (...) Il
mio racconto uscì nel 1990, in un volume intitolato L’Angelo Nero e fu subito
oggetto di un’occhiuta magistrata, Laura Bertolé Viale, che lo inserì nella
sentenza del primo processo d’appello, del 1991, in compagnia di un libro di
Leonardo Sciascia, come opera atta a influenzare l’esito del processo”[17].
Tabucchi nega a acusação
reivindicando a autonomia de seu personagem e protesta contra a consideração da
juíza dizendo que:
“Se lei in quel poveraccio di
personaggio letterario la cui falsa e contradditoria confessione fatta
partorire da un maieuta di servizio, tipo il grande inquisitore o l’accusatore
politico dei processi staliniani, vedeva Leonardo Marino, io revindicavo il fatto
che quello era il mio personaggio, che da Marino traeva sì ispirazione, ma che
era assolutamente autonomo, inventato e elaborato dalla mia fantasia. Oggi,
dopo dodici anni e tanti processi subiti da Sofri e compagni, devo ricredermi.
La magistrata aveva ragione in anticipo: quel personaggio è davvero Leonardo
Marino. Nel senso che dai processi che sono seguiti, Marino ha fatto di tutto
per assomigliare al mio personaggio. È
diventato il mio personaggio. Mi ha copiato”[18].
Ao reivindicar a autonomia de seu
personagem, Tabucchi retoma a tese sobre a autonomia da literatura defendida
por muitos autores, em particular, por Giorgio Manganelli que afirma, em La
letteratura come menzogna, um breve ensaio de 1967, que a literatura é
“menzogna”, “artificio”, “assenza di sincerità”: “l’opera letteraria è un
artificio, un artefatto di incerta e ironicamente fatale destinazione”[19]
que, com as suas posições, muitas vezes desprovidas de sentido e afirmações
“não verificáveis”, inventa universos, ordenados de acordo com um catálogo de
desenhos, sinais e esquemas, e assim nos provoca e desafia[20].
Ao tematizar eventos da história
recente italiana, Tabucchi procura re-contextualizar os processos históricos
dentro de uma situação discursiva que inclui os contextos social, ideológico,
histórico e estético. O autor incorpora, assim, o passado recente dentro de sua
narrativa e procura registrar sua crítica com relação a este passado. Não entra
necessariamente em acordo ou desacordo com a “ordem” ou com a “desordem” deste
período, mas questiona as duas, cada uma em relação à outra. Sua narrativa se
constitui, assim, como autoconsciência e reflexão metadiscursiva sobre as
catástrofes e as mudanças históricas, pois, como afirma Linda Hutcheon,
“reescrever ou reapresentar o passado na ficção e na história é revelá-lo ao
presente, impedi-lo de ser conclusivo”[21].
Cabe ressaltar ainda a postura de
Tabucchi em relação a uma literatura “engajada”, visto que o autor conhece bem
as implicações ideológicas de se escrever sobre a história e, frequentemente,
declara sua posição política em entrevistas e artigos de jornais. Tabucchi
acredita que escrever sobre a história é uma forma de problematizar e refletir
sobre esta e, portanto, um “gesto social”. Contraria, assim, a perspectiva
crítica de Manganelli, que em La
letteratura come menzogna, afirma:
“Scrivere letteratura non è un
gesto sociale. (...) lo scrittore fatica a tenere il passo con gli eventi;
(...) i suoi gesti sono goffi e clandestinamente esatti. Assai imperfetto è il
suo colloquio con i contemporanei. È un fulmine tardivo, i suoi discorsi sono
inintelligibili a molti, a lui stesso” [22].
O autor reconhece a dificuldade em
interagir de modo coerente com seus contemporâneos, prefere fugir à imediatez
dos fatos e esperar pela “memória” deles, o que confirma, em parte, a visão de
Manganelli de que o diálogo com a contemporaneidade é imperfeito e ambíguo.
Todavia, Tabucchi acredita que identificar-se com o ponto de vista dos outros é
um gesto de consciência social, um modo de explorar as diversidades e de olhar
a realidade com os olhos dos outros:
“Quel che non
ho mai fatto, nei miei libri, è stato parlare di me: mi ritengo del tutto
incapace di scrivere un journal intime, preferisco identificarmi nel punto di
vista altrui e forse è questa la mia maniera di impegnarmi. Mettermi nei panni
di un bambino, di un vecchio, di un moribondo, di un vedovo come Pereira mi
permette di allontanarmi dal mio ombelico, mi permette di osservare il mondo
attraverso altri occhi. Ritengo che sia proprio questa diversità l’elemento che
caratterizza meglio il romanziere: la moltiplicazione dei punti di vista. Il
mio ‘impegno’ consiste nell’esplorare le diversità rispetto a me stesso,
nell’indagare la realtà con gli occhi altrui”[23].
________________________
Como citar: SALATINI, Erica. "Antonio Tabucchi e a função interrogativa da literatura". In "Revista de Literatura Italiana", v. 2, n. 7, jul. 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/224573
[1] As considerações
aqui presentes estão melhor aprofundadas e discutidas no capítulo “Anjo Negro e a ficcionalização da
História”, do meu livro Antonio Tabucchi contista: entre a incerteza do
sentido e os equívocos da experiência. São Paulo: Nova Alexandria, 2016.
[2]Uso o termo conforme a definição de
Linda Hutcheon, ou seja, um tipo de narrativa híbrida, em que a relação entre
literatura e história é problematizada, como naqueles “romances famosos e
populares que são intensamente auto-reflexivos e, mesmo assim, de maneira
paradoxal, também se apropriam de acontecimentos e personagens históricos”. In:
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria,
ficção. Trad. Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
[3] No Brasil, foram traduzidos Anjo Negro (trad. Mário Fondelli, 1994), Mulher
de Porto Pim (trad. Rachel Gutierrez, 1999.) e Os voláteis do Beato Angélico (trad. Ana Lucia Belardinelli,
2003), todos pela editora Rocco.
[4]Trentini,
N. Una scrittura in partita doppia. Tabucchi fra romanzo e racconto. Roma: Bulzoni, 2003, p. 35.
[5]Trentini,
N. Una scrittura in partita doppia. cit., pp. 40 e ss.
[6] Ambos traduzidos no Brasil por
Roberta Barni: A cabeça perdida de
Damasceno monteiro, Rocco, 1998. Afirma
Pereira, 2ª. ed., CosacNayf, 2013.
[7]Brizio-Skov,
“Dai racconti a Notturno Indiano: ‘gioco
del rovescio’, rebus, equivoci, mistero, intertestualità e percorsi incongrui”.
In: Antonio Tabucchi: navigazioni in un
arcipelago narrativo. Cosenza: Pellegrini,
2002., p. 17.
[8]Francese,
J. Apud Jansen, M. Il dibattito sul
postmoderno in Italia: in bilico tra dialettica
e ambiguità. Firenze: F. Cesati, 2002,
p. 299.
[9] Nota a Anjo negro. Trad. Bras. Mário Fondelli: Rio de Janeiro, Rocco,
1994, p.8.
[10] Entrevista
a Antonio Tabucchi, org. Marcello Cella e Elena Pinori. In: http://www.alleo.it/content-97.
Acesso em 21/06/11. “Para um escritor da minha geração, que passou pela visão,
pela constatação daquilo que estava acontecendo em nosso país nos anos do
terrorismo, certas marcas dos acontecimentos que estávamos vivendo
permaneceram. Nunca encarei de frente o problema do terrorismo, até porque
acredito que mesmo conseguindo refletir sobre a história, não conseguiria fazer
um relato linear e sempre tive medo de que, enfrentando o problema de maneira
direta, pudesse fazer uma literatura substancialmente jornalística, o que não
me interessa. Naturalmente, estes temas afloram na minha narrativa, porque nunca
se pode fechar os olhos diante do que está acontecendo. Além disso tudo, eu
sou, como todos nós, uma pessoa que lê os jornais, que vê televisão e faz uma constatação
do nosso presente. Portanto, esses acontecimentos, de alguma forma, podem se
refletir na minha escrita, mas nunca entrar nela de maneira direta”. Os trechos
traduzidos são de nossa autoria, exceto quando indicado tradutor.
[11]Tabucchi,
A. La gastrite di Platone. Palermo:
Sellerio Editore, 1998. p. 39
[12]Tabucchi,
A. La gastrite di Platone. cit., p.
32. “acredito que a
hipotética função do intelectual não seja tanto ‘criar’ as crises, mas colocar em crise”.
[13]Tabucchi, A. La gastrite di Platone. cit., p. 36: “ato de conhecimento
intelectual é também um ato criativo”.
[14]Pasolini, Pier Paolo. “Il romanzo delle stragi”. Saggi sulla politica e sulla società. Org.
Walter Siti e Silvia De Laude. Milão: Arnoldo Mondadori, 1999. pp. 362-367.
Publicado originalmene no Corriere della
Sera, de 14/11/1974, com o título “Che cos’è questo golpe?”. “Eu
sei porque sou um intelectual, um escritor, que tenta seguir tudo que acontece,
conhecer tudo que se escreve sobre isso, imaginar tudo que não se sabe ou que
se cala, que coordena fatos mesmo distantes, que coloca lado a lado os pedaços
desorganizados e fragmentários de um quadro político inteiro e coerente, que
reestabelece a lógica lá onde parece reinar a arbitrariedade, a loucura e o
mistério. Tudo isso faz parte do meu trabalho e do instinto do meu trabalho”.
[15]Tabucchi, A. La gastrite di Platone. cit., p. 36: “ler a realidade ‘ao
contrário’, invertendo o eixo causa-efeito”.
[16]Este atentado serve como argumento
para a peça teatral de Dario Fo, Morte accidentale
di um anarchico (Morte acidental de um anarquista), o que mostra a
preocupação dos intelectuais e escritores italianos contemporâneos com os
eventos históricos do período em questão.
[17]Tabucchi,
A. L’oca al passo. Notizie dal buio che
stiamo attraversando. Org.
Simone Verde. Milão: Feltrinelli, 2006, p. 141: “Era 1989, acho, tinha acabado
de começar a sua odisseia e eu tinha lido nos jornais sobre um senhor que vende
frittelle, o qual, vinte anos depois, incriminava três pessoas com o seu
‘espontâneo’ testemunho dado a um sacerdote, antes de ser declarado aos policiais
e, acreditável porque ‘tinha estudado com os salesianos’ (sic, dos autos do processo). O duvidoso testemunho do vendedor de
frittelle, retirado da imprensa italiana, sugeriu-me um conto intitulado: O bater de asas de uma borboleta em nova
York pode provocar um tufão em
Pequim? (...). O meu conto saiu em 1990, em um volume intitulado Anjo Negro e logo foi objeto de uma
arguta magistrada, Laura Bertolé Viale, que o inseriu na sentença do primeiro
processo de apelação, de 1991, juntamente com um livro de Leonardo Sciascia,
como obra capaz de influenciar o resultado do processo”.
[18]Tabucchi, A. L’oca al passo, cit, p. 141: “Se ela, naquele pobre personagem
literário, cuja falsa e contraditória confissão, feita parir por um obstetra de
plantão, como o grande inquisidor ou o acusador político dos processos de
Stálin, via Leonardo Marino, eu reivindicava o fato que aquele era o meu
personagem, que era inspirado sim em Marino, mas que era absolutamente
autônomo, inventado e elaborado pela minha fantasia. Hoje, após doze anos e
tantos processos sofridos por Sofri e companheiros, devo mudar de opinião. A
magistrada tinha razão por antecipação: aquele personagem é, de fato, Leonardo
Marino. No sentido que, dos processos que se seguiram, Marino fez de tudo para se
assemelhar ao meu personagem. Tornou-se o meu personagem. Copiou-me”.
[19]Manganelli,
G. La letteratura come menzogna. Milão: Adelphi Edizioni, 1985. p.
222: “mentira”, “artifício”, “ausência de sinceridade”; “a obra literária é um artifício,
um artefato de incerta e, ironicamente, fatal destinação”.
[20]Manganelli,
G. La letteratura come menzogna. cit.,
p. 223.
[21]Hutcheon, L. Poética do Pós-Modernismo. cit., p. 147.
[22]Manganelli, G. La letteratura come menzogna. cit., p. 219: “Escrever literatura
não é um gesto social. (...) o escritor se esforça para seguir o passo dos
eventos; (...) os seus gestos são desajeitados e clandestinamente exatos. O
diálogo com os seus contemporâneos é muito imperfeito. É um relâmpago tardio,
os seus discursos são ininteligíveis a muitos, inclusive a si mesmo”.
[23]Tabucchi,
A. “Catullo e il cardellino”. In: MicroMega.
Antonio Tabucchi la scrittura e l’impegno. Roma: Gruppo Editoriale L’Espresso. n. 5, 2012. p. 94:
“O que nunca fiz, nos meus livros, foi falar de mim: considero-me totalmente
incapaz de escrever um journal intime,
prefiro me identificar com o ponto de vista dos outros e talvez esta seja a
minha maneira de me empenhar. Colocar-me na pele de uma criança, de um velho,
de um moribundo, de um viúvo como Pereira, permite me afastar do meu umbigo e
observar o mundo por meio de outros olhos. Considero que esta diversidade é
justamente o elemento que melhor caracteriza o romancista: a multiplicação dos
pontos de vista. O meu ‘empenho’ consiste em explorar as diversidades em
relação a mim mesmo, em indagar a realidade com os olhos dos outros”.
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