La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

A melancolia amorosa e o fantasma em Francesco Petrarca, por Laura Danielly de Souza Couto

 


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       INTRODUÇÃO
 
Se houve um homem que, provavelmente, foi muitíssimo apaixonado, esse homem foi Francesco Petrarca, e não me refiro a uma mera paixão trivial e banal, “ele era apaixonado de uma maneira extraordinária, incendiária, solar.” (ROUGEMONT, 1988, p. 153). Isto é do conhecimento de todos os amantes da lírica amorosa, pois Petrarca descortinou seu espetáculo amoroso encenando poeticamente a turbulenta paixão que o dominava. Tudo começou na manhã da Sexta-Feira Santa de 1327, quando o nosso poeta avistou pela primeira vez uma jovem de tranças louras, e apaixonou-se imediatamente, “é absolutamente conhecido do mundo o nome do grande amor ‘poético’ de Petrarca: Laura.” (DOTTI, 2006, p. 72). Daquela manhã em diante, Petrarca dedicou todas as líricas de amor da sua existência a ela. Essas líricas integram o Canzoniere, composto por trezentos e dezessete sonetos, vinte nove canções, nove sextinas, sete baladas e quatro madrigais.
O que proponho neste trabalho é um breve entendimento de alguns aspectos da melancolia amorosa no petrarquismo, para isto iremos observar alguns sonetos de Petrarca, principalmente da segunda parte do Canzoniere, intitulado “In morte di Madonna Laura”, valendo-se, da teoria pneuma-fantasmalógica do Amor tecida pelo filósofo Giorgio Agamben em seu livro Estâncias. A palavra e o fantasma na cultura (2007) e da noção de sujeito melancólico e melancolia expressados pela psicanalista Julia Kristeva em Sol Negro: depressão e melancolia (1989).
Quando falamos de petrarquismo é comumente lembrarmos de seu estilo intenso e paradoxal de cantar sobre o Amor, é justamente por isto que o Canzoniere se tornou um exemplo da lírica amorosa no Ocidente e os versos de Petrarca reverberaram tanto na posteridade que se tornaram o idioma próprio do Amor. O que o nosso poeta mais nos relata em sua lírica é o seu tormento amoroso, toda a contradição entre a alegria e o sofrimento de amar uma mulher que o despreza, uma mulher inalcançável em vida e, principalmente, em morte.
Laura morreu durante a pandemia da peste negra que assolou a Europa a partir do ano de 1348, “começando em 6 de abril de 1327, o amor de Petrarca durou exatamente até a morte de Laura em 6 de abril de 1348, ou seja, 21 anos exatos.” (DOTTI, 2006, p. 75) A perda de sua amada causou a divisão do Canzoniere em duas partes: In vita di Madonna Laura e In morte di Madonna Laura. Com a morte de Laura, Petrarca adentrou em uma fase de luto e suas poesias assumiram um tom melancólico, e até o fim do Canzoniere ele buscou exprimir a sua evolução espiritual como cristão, que a seu modo ecoou na progressiva espiritualização da imagem de Laura.

A MELANCOLIA PETRARQUISTA E O OBJETO AMADO PERDIDO

A melancolia, de acordo com Agamben (2007), é um processo fantasmático: o homem foge da realidade e se refugia na imagem do objeto perdido, graças a uma psicose alucinatória do desejo e esta fuga é uma reação ao não suportamento da perda, assim o fantasma do desejo tem liberdade para se instalar na consciência e no inconsciente do sujeito. “É através desta esquiva do real que a prova da realidade acaba evitada e os fantasmas do desejo, não removidos, mas perfeitamente conscientes, podem penetrar na consciência e vir a ser aceitos como realidades melhores.” (AGAMBEN, 1942, p. 49). É na imaginação e na fantasia que o encontro entre o poeta e a sua musa se realiza, assim, na melancolia, a musa não é nem apropriada e nem perdida, mas as duas coisas acontecem ao mesmo tempo.
O Amor e a melancolia entrelaçaram-se por meio de uma tradição médica medieval na qual são catalogados como doenças mentais e análogas pois ambas causam uma alienação, unida de imensa e irracional concupiscência, como afirma Agamben:
 
Nessa tradição, […] o amor, que comparece com o nome amor hereos ou amor heroycus, e a melancolia estão catalogados na lista das doenças da mente em rubricas contíguas e às vezes, […] aparecem sob a mesma rubrica: ‘de melancolia nigra et canina et de amore qui ereos dicitur’ [‘sobre a melancolia negra e canina e sobre o amor que se denomina ‘ereos’’]. […] O processo do enamoramento converte-se nesse caso no mecanismo que abala e subverte o equilíbrio humoral, enquanto, inversamente, a empedernida inclinação contemplativa do melancólico o empurra fatalmente para a paixão amorosa. (AGAMBEN, 2007, p. 40)
 
 O objeto de Amor ‒ em nosso caso, a musa petrarquista ‒ possui uma capacidade fantasmática, que se desenvolve melancolicamente, de surgir como um objeto perdido sendo que nunca foi possuído. “O objeto do amor é, com efeito, um fantasma, mas tal fantasma é um ‘espírito’, inserido, como tal, em um círculo pneumático no qual ficam abolidas e confundidas as fronteiras entre o exterior e o interior, o corpóreo e o incorpóreo, o desejo e o seu objeto” (AGAMBEN, 2007, p. 182).
Agamben, compreende o objeto do Amor como fantasia, ou seja, como uma imagem, ou um fantasma ligado à antiga tradição filosófica e médica que enxergava o Amor como uma patologia que se assemelhava à melancolia. A noção elevada do Amor característica dos poetas stilonovistas, é herdada da ideia aristotélica do fantasma, que se une a ideia neoplatônica e estoica do pneuma. Os elementos fantasmáticos, unidos aos pneumatológicos permitem um entendimento mais fiel da poesia do século XIII, já que os poetas são movidos pela concepção pneuma-fantasmalógica medieval do Amor e da melancolia.

 Podemos afirmar […] que a teoria estilo-novista de amor é, no sentido que a vimos, uma pneumo-fantasmologia, na qual a teoria do fantasma, de origem aristotélica, se funde com a pneumatologia estóicomédico-neoplatônica, em uma experiência que é, ao mesmo tempo e na mesma medida, “movimento espiritual” e o processo fantasmático. Só esta complexa herança cultural pode explicar a característica dimensão, contemporaneamente, real e irreal, fisiológica e soteriológica, objetiva e subjetiva, que a experiência erótica tem na lírica estilo-novista. O objeto do amor é, com efeito, um fantasma, mas tal fantasma é um “espírito”, inserido, como tal, em um círculo pneumático no qual ficam abolidas e confundidas as fronteiras entre o exterior e o interior, o corpóreo e o incorpóreo, o desejo e seu objeto. (AGAMBEN, 2007, p. 182)

  
Julia Kristeva, em Sol Negro: depressão e melancolia (1989) concebe uma importante análise sobre a melancolia, expondo-a como algo mais que apenas tristeza ou como uma forma de depressão, mas tratando-a como uma força psíquica imaginativa. A partir da Idade Média a concepção da melancolia, assume dois lugares: primeiro; um retorno às origens aristotélicas que ligava a melancolia a Saturno, planeta do espírito e do pensamento; e segundo, a concepção cristã que caracterizava a melancolia como pecado, visto que o espírito melancólico significava o afastamento de Deus. A autora afirma que o amor (a perda dele) é a principal razão da melancolia, “conscientes de estarmos destinados a perder nossos amores, ficamos talvez ainda mais enlutados ao perceber no amante a sombra de um objeto amado, outrora perdido.” (KRISTEVA, 1989, p. 12), dessa forma, é possível que o luto e a melancolia em uma fuga ou recusa do presente impulsionem o sujeito melancólico a viver no passado:
 
O tempo em que vivemos sendo o do nosso discurso, a palavra estranha, retardada, ou dissipada do melancólico o conduz a viver numa temporalidade descentrada. Ela não se escoa, o vetor antes/depois não a governa, não a dirige de um passado para uma finalidade. Maciço, pesado, sem dúvida traumático porque carregado de muita dor ou de muita alegria, um momento tapa o horizonte da temporalidade depressiva, ou melhor, tira-lhe qualquer horizonte, qualquer perspectiva. Fixado ao passado, regressando ao paraíso ou ao inferno de uma experiência não ultrapassável, o melancólico é uma memória estranha: tudo findou "ele parece dizer, mas eu permanece fiel a esta coisa finda estou colado a ela, não há revolução possível, não há futuro.. (KRISTEVA, 1989, p. 61)
 
A realidade do sujeito melancólico sempre o lembra que está destinado a perder seus amores, isto o faz sofrer ainda mais, pois ele convive com a improbabilidade de exercer o luto, porque a vivência do luto do objeto perdido significaria a perda dele. Para Kristeva, o sujeito melancólico não sabe perder, qualquer perda ocasionaria a perda do seu próprio ser, transformando-o em um ateu radical e soturno. A melancolia escora-se, então, numa intolerância à perda, para o melancólico a dor e a tristeza são substitutos do objeto perdido, que ele cria e adula por não poder encontrar outro.
Assim, tendo em vista que o discurso petrarquiano é imbuído e transpassado por suas experiências pessoais relacionadas ao objeto do Amor, o fantasma de Laura é elementar para a manifestação amorosa da poesia de Petrarca, toda a obra é imbuída na relação: poeta-amada. Diante disto, após a perda da sua amada, mesmo tentado o eu-petrarquista se recusa a esquecê-la, pois isso significaria perder a si próprio. O poeta se constrói ante a amada em um diálogo incessante, na intenção de trazê-la para a realidade concreta, não tão espiritualizada ou inalcançável, mas tangível, o que é impossível, uma vez que ele só existe imaginativamente, entretanto a melancolia e a dor eterna são a única forma de ainda senti-la.  É, por isto que após a morte de sua musa o eu-petrarquista adentra em uma fase de luto que predominará por toda segunda parte do Canzoniere:
 
I' ò pien di sospir' quest'aere tutto,
d'aspri colli mirando il dolce piano
ove nacque colei ch'avendo in mano
meo cor in sul fiorire e 'n sul far frutto,

è gita al cielo, ed hammi a tal condutto,
col súbito partir, che, di lontano
gli occhi miei stanchi lei cercando invano,
presso di sé non lassan loco asciutto.

Non è sterpo né sasso in questi monti,
non ramo o fronda verde in queste piagge,
non fiore in queste valli o foglia d'erba,
 
stilla d'acqua non vèn di queste fonti,
né fiere àn questi boschi sí selvagge,
che non sappian quanto è mia pena acerba.
 
(Soneto CCLXXXVIII)
 
Neste soneto o poeta está em seu refúgio, lembrando de sua amada, ele enfatiza que a partida de Laura o lançou em um cansativo luto, (ove nacque colei ch'avendo in mano/ meo cor in sul fiorire e 'n sul far frutto,/ è gita al cielo, ed hammi a tal condutto,/ col súbito partir/) mas apesar do cansaço ele ainda segue a buscando mesmo sabendo que a busca é em vão (che, di lontano/ gli occhi miei stanchi lei cercando invano), as lágrimas derramadas pelo poeta são tantas que molham tudo que o cerca (presso di sé non lassan loco asciutto.). Dessa forma, ele une toda a paisagem ao seu redor com o seu sofrimento (né fiere àn questi boschi sí selvagge,/ che non sappian quanto è mia pena acerba.).



A morte usurpou do poeta o que ele possuía de mais valioso:
 
Discolorato ài, Morte, il piú bel volto
che mai si vide, e i piú begli occhi spenti;
spirto piú acceso di vertuti ardenti
del piú leggiadro et più bel nodo ài sciolto.
 
In un momento ogni mio ben m'ài tolto,
post'ài silenzio a' piú soavi accenti
che mai s'udiro, et me pien di lamenti:
quant'io veggio m'è noia, et quand'io ascolto.
 
(Soneto CCLXXXIII)
 
Os belos olhos de Laura já não existem mais, as magias pelos quais ele foi dominado se extinguiram, tudo tornou-se escuro sem suas tranças louras que brilhavam mais que o sol:
 
Gli occhi di ch'io parlai sí caldamente,
et le braccia et le mani et i piedi e 'l viso,
che m'avean sí da me stesso diviso,
et fatto singular da l'altra gente;
 
le crespe chiome d'òr puro lucente
e 'l lampeggiar de l'angelico riso,
che solean fare in terra un paradiso,
poca polvere son, che nulla sente.
 
(Soneto CCXCII)
 
Os seus dias ficam vazios e sem sentido, o poeta já não sente mais vontade de escrever e suas lágrimas se esgotam:
 
Passato è 'l tempo omai, lasso, che tanto
con refrigerio in mezzo 'l foco vissi;
passato è quella di ch'io piansi et scrissi,
ma lasciato m'à ben la penna e 'l pianto.
 
(Soneto CCCXIII)
 
O poeta então passará a desejar estar junto a sua amada nos mais elevados céus, e roga que a Morte o leve também, pois não consegue continuar a viver com a perda de sua Laura:
 


Dunque vien', Morte: il tuo venir m'è caro.
 
Et non tardar, ch'egli è ben tempo omai;
et se non fusse, e' fu 'l tempo in quel punto
che madonna passò di questa vita.
 
D'allor innanzi un dí non vissi mai:
seco fui in via, et seco al fin son giunto,
et mia giornata ò co' suoi pie' fornita.
 
(Soneto CCCLVIII)
 
Morrer então, é a única solução que o eu-petrarquista encontra para reencontrar a sua amada, o Amor já não faz mais sentido após anos e anos de agonia, melancolia e luto incessante, nenhuma esperança mais há para ele:
 
Che debb'io far? che mi consigli, Amore?
Tempo è ben di morire,
et ò tardato piú ch'i' non vorrei.
Madonna è morta, et à seco il mio core;
et volendol seguire,
interromper conven quest'anni rei,
perché mai veder lei
di qua non spero, et l'aspettar m'è noia.
Poscia ch'ogni mia gioia
per lo suo dipartire in pianto è volta,
ogni dolcezza de mia vita è tolta.
 
(Canção CCLXVIII)
 
       

CONCLUSÃO
 
Como podemos observar, o que ocorre com o eu-petrarquista está ligado a experiência fantasmática e de recusa a perda da sua amada. O poeta se tornou melancólico após a ausência do objeto amado, esta melancolia se apoderou obsessivamente dele, e por consequência, ele se apegou a imagem ficcional da sua amada e se recusou a largá-la mesmo após a sua morte. De acordo com Agamben:
 
no luto, a libido reage diante da prova da realidade que mostra que a pessoa amada deixou de existir, fixando-se em toda lembrança e em todo objeto que se encontravam relacionadas com ela, assim também a melancolia é uma reação diante da perda de um objeto de amor. (AGAMBEN, 2007, p. .44)
 
A ausência de Laura transporta Petrarca a uma melancolia constante e a um estado de anseio pela morte que se prefigurará como o único caminho até a sua dama, e é neste anseio que o eu lírico encontra-se com o próprio poeta o levando a uma espécie de redenção. O objeto de amor já não é mais Laura, e sim o seu fantasma. A melancolia não é erro de assimilação, nem uma imprecisão, mas sim um desejo excedido que colide com a inacessibilidade do objeto amado. Destarte, o eu-petrarquista em vez de fugir e se permitir amar novamente, prefere acentuar este sentimento e padecer dele ao extremo, como afirma Kristeva (1989, p. 95): “Nomear o sofrimento, exaltá-lo, dissecá-lo em seus menores componentes é, sem dúvida, um meio de reabsorver o luto. Às vezes, de nele se deleitar, mas também de ultrapassá-lo, de passar para um outro, menos ardente, cada vez mais indiferente”.

 

Como citar: COUTO, Laura Danielly de Souza. "A melancolia amorosa e o fantasma em Francesco Petrarca". In "Revista de Literatura Italiana", v. 2, n. 12, dez. 2021.  Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/230515


REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estâncias. A palavra e o fantasma na cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
DOTTI, Ugo. Vida de Petrarca. Campinas. SP: Editora da Unicamp, 2006.
KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. Rio de Janeira: Rocco, 1989. Tradução de Carlota Gomes.
PETRARCA, Francesco. Cancioneiro. Trad. José Clemente Pozenato. SP: Ateliê Editorial; Capinas: Editora da Unicamp, 2014.
PETRARCA, Francesco. Canzoniere. Turim: Einaudi, 2015.
ROUGEMONT, Denis de. O amor e o Ocidente. Trad. Paulo Brandi e Ethel Brandi Cachapuz. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.