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Literatura Italiana Traduzida ISSN 2675-4363
Giacomo Leopardi
Izabel Dal Pont
em
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imagem: pxhere.com |
Menino
prodígio (enfant prodige) de uma família aristocrática e conservadora,
tem a infância e a juventude marcadas por um pai extravagante e autoritário e
uma formação fundamentada em valores religiosos e morais rígidos. Cedo aprende
grego, latim, hebraico, francês e alemão. Cresce em Recanati, um pequeno borgo
pontifício, distante dos grandes centros culturais. Porém a morada da família,
uma espécie de gaiola dourada, é provida de uma prodigiosa biblioteca: quatro
salas plenas de obras clássicas do grego, latim, árabe, hebreu etc., que faz
pensar na biblioteca imaginária de Borges: “O universo (que outros chamam a
Biblioteca) é composto de um número indefinido, e talvez infinito de galerias
hexagonais”[1].
Para Leopardi, seu universo biblioteca é uma das principais fontes de
formação e fomenta sua erudição. Durante boa parte de sua vida, esse espaço,
com seu rico acervo, foi seu cosmos, seu refúgio, seu esconderijo, sua defesa,
seu abrigo e igualmente sua prisão. O silêncio, que ali encontrava, seria para
ele remédio, bálsamo, inspiração. Em meio a esse labirinto habitado por
pensadores, filósofos, poetas e escritores, pode-se imaginar esse jovem tão
singular tendo uma relação de cumplicidade, quase de sensualidade com os
livros.
Personagem
de alma livre, ao mesmo tempo submisso e rebelde, abdica, em seus primeiros
anos, quem sabe como forma de protesto, dos prazeres mundanos que a posição de
sua família teria permitido, para se entregar inteiramente aos estudos. Em suas
próprias palavras “sete anos de estudos loucos e desesperados”[2].
Dito diferentemente, para escapar da oprimente atmosfera doméstica e da
estreiteza do ambiente provinciano que o envolvia, esse espírito dedicado
aprisionado em um corpo frágil recolhe-se em sua poesia, em seus ensaios, em
suas reflexões. Seus próprios escritos testemunham a opressão que o cerca no
período que vive no palácio da família: “[...] condenado a se consumir nesta
aldeia selvagem nativa, entre uma gente Zotica, vil; [...]”[3].
Todavia, no período em que o corpo permanece em ambiente fechado, o pensamento
leopardiano começa a ganhar “forma” e complexidade até chegar a sua concepção
do real, que do “pessimismo individual” culminará com a concepção do
“pessimismo cósmico”.
Depois
de tentativas fracassadas de fuga, Leopardi consegue, em 1982, se afastar pela
primeira vez de Recanati para passar um período em Roma. A cidade, entretanto,
o deixa profundamente decepcionado e desconfortável, pois ao contrário do que
esperava a descobre decadente e abandonada a própria sorte. A partir de 1825
começa a romper os laços com a família e com seu borgo natal e passa a viajar para
Firenze, Bologna, Pisa, Milano etc., e a efetivamente participar dos debates
culturais e filosóficos da época.
No
que se refere à obra de Leopardi, numa avaliação sem dúvida reducionista,
pode-se dizer que esta encerra uma soma de reflexões sobre sua vida pessoal,
sobre a linguística, a estética, a política, a filosofia, a história, a
natureza, a astronomia, sobre “o insustentável peso do viver”, sobre ilusões
perdidas. E é claro, seus escritos não poderiam deixar de refletir o ambiente
opressivo da cidade natal, o culto à antiguidade grega e latina, principalmente
de seus anos de formação, a época de crise e transição atravessada pela Itália
pós-invasão napoleônica, as experiências de suas viagens etc. Influenciado,
dentre tantos outros, por Petrarca, sua produção, tanto poética, quando em
prosa, contempla temas como, o amor, a desilusão amorosa, a busca pelo prazer,
o infinito, o homem e suas relações com a natureza e consigo mesmo, o confronto
entre valores do passado e do presente, o tédio, a pequenez do dia a dia.
Como
mencionado previamente, seus escritos falam do sofrimento e dos obstáculos com
os quais todo ser humano se defronta no percurso da vida e parte importante de
sua lírica pode ser compreendida como forma de protesto contra a dor. Porém,
igualmente, desses mesmos escritos, emana uma força vital inegável e
inimaginável, onde não faltam ironia, bom humor e leveza. De acordo com Wataghin[4],
ainda que resultante de árduo labor, de esmerada precisão e exatidão, a leveza
habita uma parte da poética leopardiana. Certas poesias como Scherzo,
são marcadas pela concretude, outras como Infinito pela abstração. Ou
seja, o conjunto de sua obra é pleno de sentimentos, sensações e sentidos e para
dizer o mínimo, de contrastantes.
Seus
escritos, que nunca acabam de se revelar e que permitem itinerários infinitos,
são marcadas por diversas características e tons. Alguns dos seus textos e
poesias são formais, outros utilizam linguagem mais coloquial. Em muitas de
suas produções o fio condutor é o pessimismo, em outras a ironia, em outras,
ainda, a melancolia. Além do mais, o discurso leopardiano é caracterizado,
predominantemente e não exclusivamente, ora pela leveza, outras vezes pela
fluidez, outras ainda pela brevidade. Algumas de suas poesias carregam o peso
da dor, outras traduzem a felicidade inatingível, a angústia pela busca de
prazeres efêmeros.
Na
obra que reúne parte de sua lírica, I Canti, poemas como L’infinito,
La sera del dì di festa e Alla luna, remetem a temáticas como
dissolução da esperança, efemeridade, fugacidade do tempo. E neste ponto destaca-se
um dos aspectos que atravessa a lírica leopardiana, “a leveza”, recorrendo,
para tanto, a um dos grandes escritores italianos do século XX, Italo Calvino.
Para Calvino[5]
nos poemas de Leopardi “os pássaros, a voz de uma mulher que canta na janela, a
transparência do ar, e sobretudo a lua”, comunicam graça e encantamento e são
metáforas para a leveza. Embora, “as numerosas aparições da lua em sua obra
[ocupem] poucos versos [...]”, diz Calvino[6],
já “bastam para iluminar toda a composição com sua luz ou para nela projetar a
sombra de sua ausência.”
Com
outra perspectiva o livro Operette morali (1827), privilegia
a forma breve. As vinte e quatro narrativas compostas em forma de diálogos e
prosa, tratam de questões filosóficas relativas à condição humana, e de temas
como natureza, felicidade, tédio e morte. Outra marca das Operette é a
ironia. E o registro linguístico é mais informal, mais coloquial do que o de
outras obras leopardianas. No texto de Dialogo di un venditore di
almanacchi e di un passeggere (incluído na segunda edição de 1834), por
exemplo, o personagem vendedor de almanaques está permanentemente a espera da
felicidade (a que virá com o próximo Ano Novo). A narrativa sugere que a
felicidade nada mais é que uma vã esperança. Ela não estaria presente no já
vivido, sequer no que se está vivendo. A felicidade, no caso, é espera.
Ambientada na rua de uma cidade cujo nome não é mencionado, o passante termina
o colóquio com ironia: a felicidade, ou a “vida que é uma coisa bela, não é a
que se conhece, mas a que não se conhece”, ou seja, depende da espera de algo
que não se conhece, da esperança de um futuro diferente e melhor do que o
passado e do que o presente.
Por
sua vez, Zibaldone, é uma espécie de diário, mediação entre a poesia e a
filosofia, amálgama desordenado de anotações que formam um verdadeiro mosaico,
construído com reflexões filosóficas, fragmentos do cotidiano e que discorre
sobre as crises contemporâneas, sobre “a dor do viver”, sobre especulações
científicas etc. Pode-se especular que todos esses fragmentos sejam resultado
de uma peregrinação “em busca de um livro, talvez o catálogo dos catálogos”[7].
Para
finalizar, cremos que a estética desse gênio poético é carregada com as cores
da dor e da solidão inerentes à condição humana, mas igualmente porta consigo
lampejos de esperança que permitiriam ao homem escapar da condenação a qual
está destinado. Por exemplo, um de seus últimos poemas, La Ginestra, sugere
aos homens, sabedores de seu sofrimento, que se aliem uns aos outros, que sejam
solidários, para deste modo poderem aliviar o peso existencial:
[...]
E aquele
horror que no princípio
Contra a
ímpia natureza
Reuniu
os mortais em social corrente,
For
restabelecido em parte
Por um
verdadeiro saber, o honesto e o justo
Conversar
citadino,
[...][8]
Como citar: DAL PONT, Izabel. " Giacomo Leopardi, um espírito livre". In "Revista de Literatura Italiana", v. 3, n. 2, mai-ago, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/239901
[1] BORGES, Jorge Luis. “A biblioteca de babel”.
In: BORGES, Jorge Luis. Ficções. Trad.: Davi
Arrigucci Jr.São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 69.
[2] “sette anni di studio matto e disperatissimo” Lettera di Giacomo Leopardi a Pietro Giordani, Recanati, 2 marzo 1818.
[3] “[...] dannato a consumare in questo Natio borgo
selvaggio, intra una gente Zotica, vil;[…]” LEOPARDI, Giacomo, Le Ricordanze. In: LEOPARDI, Giacomo. Canti. Milano: Einaudi,
1974. p. 71. Disponível em: http://www.letteraturaitaliana.net/pdf/Volume_8/t346.pdf
[4] WATAGHIN,
Lucia. “O labor da lima”. In Literatura Italiana Traduzida,
v.1., n.5, jun. 2020. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209818
[5] CALVINO,
Italo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad.: Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das letras, 1990, p. 39.
[6] Idem.
[7] BORGES,
Jorge Luis. A biblioteca de babel. Op. cit., p. 70.
[8] LINDO,
Luiz Antônio. A giesta la ginestra de Leopardi: tradução e comentário. “Revista Philologus”.
Rio de Janeiro, v. 33, n. 11, p. 07-26, out. 2005. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/rph/ANO11/33/RPH33_em_A5.pdf. Acesso em: 10 jun.
2021.
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