La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Giacomo Leopardi, um espírito livre, por Izabel Dal Pont

 

imagem: pxhere.com


 Um dos maiores poetas da literatura italiana e mundial, Giacomo Leopardi (Recanati, 1798 - Napoli, 1837), tem frequentemente, sua produção escrita associada à melancolia, ao pessimismo, ao desespero, à desilusão, à dor. Considerado por parte da fortuna crítica como poeta da morte, todavia, sua obra é também plena de vigor, de ironia e de leveza, ou seja, plena de vida.
Menino prodígio (enfant prodige) de uma família aristocrática e conservadora, tem a infância e a juventude marcadas por um pai extravagante e autoritário e uma formação fundamentada em valores religiosos e morais rígidos. Cedo aprende grego, latim, hebraico, francês e alemão. Cresce em Recanati, um pequeno borgo pontifício, distante dos grandes centros culturais. Porém a morada da família, uma espécie de gaiola dourada, é provida de uma prodigiosa biblioteca: quatro salas plenas de obras clássicas do grego, latim, árabe, hebreu etc., que faz pensar na biblioteca imaginária de Borges: “O universo (que outros chamam a Biblioteca) é composto de um número indefinido, e talvez infinito de galerias hexagonais”[1]. Para Leopardi, seu universo biblioteca é uma das principais fontes de formação e fomenta sua erudição. Durante boa parte de sua vida, esse espaço, com seu rico acervo, foi seu cosmos, seu refúgio, seu esconderijo, sua defesa, seu abrigo e igualmente sua prisão. O silêncio, que ali encontrava, seria para ele remédio, bálsamo, inspiração. Em meio a esse labirinto habitado por pensadores, filósofos, poetas e escritores, pode-se imaginar esse jovem tão singular tendo uma relação de cumplicidade, quase de sensualidade com os livros.
Personagem de alma livre, ao mesmo tempo submisso e rebelde, abdica, em seus primeiros anos, quem sabe como forma de protesto, dos prazeres mundanos que a posição de sua família teria permitido, para se entregar inteiramente aos estudos. Em suas próprias palavras “sete anos de estudos loucos e desesperados”[2]. Dito diferentemente, para escapar da oprimente atmosfera doméstica e da estreiteza do ambiente provinciano que o envolvia, esse espírito dedicado aprisionado em um corpo frágil recolhe-se em sua poesia, em seus ensaios, em suas reflexões. Seus próprios escritos testemunham a opressão que o cerca no período que vive no palácio da família: “[...] condenado a se consumir nesta aldeia selvagem nativa, entre uma gente Zotica, vil; [...]”[3]. Todavia, no período em que o corpo permanece em ambiente fechado, o pensamento leopardiano começa a ganhar “forma” e complexidade até chegar a sua concepção do real, que do “pessimismo individual” culminará com a concepção do “pessimismo cósmico”.
Depois de tentativas fracassadas de fuga, Leopardi consegue, em 1982, se afastar pela primeira vez de Recanati para passar um período em Roma. A cidade, entretanto, o deixa profundamente decepcionado e desconfortável, pois ao contrário do que esperava a descobre decadente e abandonada a própria sorte. A partir de 1825 começa a romper os laços com a família e com seu borgo natal e passa a viajar para Firenze, Bologna, Pisa, Milano etc., e a efetivamente participar dos debates culturais e filosóficos da época.
No que se refere à obra de Leopardi, numa avaliação sem dúvida reducionista, pode-se dizer que esta encerra uma soma de reflexões sobre sua vida pessoal, sobre a linguística, a estética, a política, a filosofia, a história, a natureza, a astronomia, sobre “o insustentável peso do viver”, sobre ilusões perdidas. E é claro, seus escritos não poderiam deixar de refletir o ambiente opressivo da cidade natal, o culto à antiguidade grega e latina, principalmente de seus anos de formação, a época de crise e transição atravessada pela Itália pós-invasão napoleônica, as experiências de suas viagens etc. Influenciado, dentre tantos outros, por Petrarca, sua produção, tanto poética, quando em prosa, contempla temas como, o amor, a desilusão amorosa, a busca pelo prazer, o infinito, o homem e suas relações com a natureza e consigo mesmo, o confronto entre valores do passado e do presente, o tédio, a pequenez do dia a dia.
Como mencionado previamente, seus escritos falam do sofrimento e dos obstáculos com os quais todo ser humano se defronta no percurso da vida e parte importante de sua lírica pode ser compreendida como forma de protesto contra a dor. Porém, igualmente, desses mesmos escritos, emana uma força vital inegável e inimaginável, onde não faltam ironia, bom humor e leveza. De acordo com Wataghin[4], ainda que resultante de árduo labor, de esmerada precisão e exatidão, a leveza habita uma parte da poética leopardiana. Certas poesias como Scherzo, são marcadas pela concretude, outras como Infinito pela abstração. Ou seja, o conjunto de sua obra é pleno de sentimentos, sensações e sentidos e para dizer o mínimo, de contrastantes.
Seus escritos, que nunca acabam de se revelar e que permitem itinerários infinitos, são marcadas por diversas características e tons. Alguns dos seus textos e poesias são formais, outros utilizam linguagem mais coloquial. Em muitas de suas produções o fio condutor é o pessimismo, em outras a ironia, em outras, ainda, a melancolia. Além do mais, o discurso leopardiano é caracterizado, predominantemente e não exclusivamente, ora pela leveza, outras vezes pela fluidez, outras ainda pela brevidade. Algumas de suas poesias carregam o peso da dor, outras traduzem a felicidade inatingível, a angústia pela busca de prazeres efêmeros.
Na obra que reúne parte de sua lírica, I Canti, poemas como L’infinito, La sera del dì di festa e Alla luna, remetem a temáticas como dissolução da esperança, efemeridade, fugacidade do tempo. E neste ponto destaca-se um dos aspectos que atravessa a lírica leopardiana, “a leveza”, recorrendo, para tanto, a um dos grandes escritores italianos do século XX, Italo Calvino. Para Calvino[5] nos poemas de Leopardi “os pássaros, a voz de uma mulher que canta na janela, a transparência do ar, e sobretudo a lua”, comunicam graça e encantamento e são metáforas para a leveza. Embora, “as numerosas aparições da lua em sua obra [ocupem] poucos versos [...]”, diz Calvino[6], já “bastam para iluminar toda a composição com sua luz ou para nela projetar a sombra de sua ausência.”
Com outra perspectiva o livro Operette morali (1827), privilegia a forma breve. As vinte e quatro narrativas compostas em forma de diálogos e prosa, tratam de questões filosóficas relativas à condição humana, e de temas como natureza, felicidade, tédio e morte. Outra marca das Operette é a ironia. E o registro linguístico é mais informal, mais coloquial do que o de outras obras leopardianas. No texto de Dialogo di un venditore di almanacchi e di un passeggere (incluído na segunda edição de 1834), por exemplo, o personagem vendedor de almanaques está permanentemente a espera da felicidade (a que virá com o próximo Ano Novo). A narrativa sugere que a felicidade nada mais é que uma vã esperança. Ela não estaria presente no já vivido, sequer no que se está vivendo. A felicidade, no caso, é espera. Ambientada na rua de uma cidade cujo nome não é mencionado, o passante termina o colóquio com ironia: a felicidade, ou a “vida que é uma coisa bela, não é a que se conhece, mas a que não se conhece”, ou seja, depende da espera de algo que não se conhece, da esperança de um futuro diferente e melhor do que o passado e do que o presente.
Por sua vez, Zibaldone, é uma espécie de diário, mediação entre a poesia e a filosofia, amálgama desordenado de anotações que formam um verdadeiro mosaico, construído com reflexões filosóficas, fragmentos do cotidiano e que discorre sobre as crises contemporâneas, sobre “a dor do viver”, sobre especulações científicas etc. Pode-se especular que todos esses fragmentos sejam resultado de uma peregrinação “em busca de um livro, talvez o catálogo dos catálogos”[7].
Para finalizar, cremos que a estética desse gênio poético é carregada com as cores da dor e da solidão inerentes à condição humana, mas igualmente porta consigo lampejos de esperança que permitiriam ao homem escapar da condenação a qual está destinado. Por exemplo, um de seus últimos poemas, La Ginestra, sugere aos homens, sabedores de seu sofrimento, que se aliem uns aos outros, que sejam solidários, para deste modo poderem aliviar o peso existencial:
 

[...]

E aquele horror que no princípio
Contra a ímpia natureza
Reuniu os mortais em social corrente,
For restabelecido em parte
Por um verdadeiro saber, o honesto e o justo
Conversar citadino,
[...][8]

 

Como citar: DAL PONT, Izabel. "Giacomo Leopardi, um espírito livre". In "Revista de Literatura Italiana", v. 3, n. 2, mai-ago, 2022.  Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/239901



[1] BORGES, Jorge Luis. “A biblioteca de babel”. In: BORGES, Jorge Luis. Ficções. Trad.: Davi Arrigucci Jr.São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 69.
[2] “sette anni di studio matto e disperatissimo” Lettera di Giacomo Leopardi a Pietro Giordani, Recanati, 2 marzo 1818.
[3] “[...] dannato a consumare in questo Natio borgo selvaggio, intra una gente Zotica, vil;[…]” LEOPARDI, Giacomo, Le Ricordanze. In: LEOPARDI, Giacomo. Canti. Milano: Einaudi, 1974. p. 71. Disponível em: http://www.letteraturaitaliana.net/pdf/Volume_8/t346.pdf
[4] WATAGHIN, Lucia. “O labor da lima”. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.5, jun. 2020. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209818
[5] CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad.: Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das letras, 1990, p. 39.
[6] Idem.
[7] BORGES, Jorge Luis. A biblioteca de babel. Op. cit., p. 70.
[8] LINDO, Luiz Antônio. A giesta la ginestra de Leopardi: tradução e comentário. “Revista Philologus”. Rio de Janeiro, v. 33, n. 11, p. 07-26, out. 2005. Disponível em: http://www.filologia.org.br/rph/ANO11/33/RPH33_em_A5.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.