La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Nove março de dois mil e vinte de Mariangela Gualtieri, por Patricia Peterle

Mariangela Gualtieri


Mariangela Gualtieri (1951), poeta italiana contemporânea, tem uma experiência muito peculiar da poesia, com incursões pelo teatro, pela performance, que dão à sua voz matizes mais do que singulares. Ao lado de outras poetas do panorama cultural e contemporâneo italiano, Mariangela Gualtieri tem sido nos últimos anos uma presença mais do que constante. Seja por meio das publicações de seus livros de poesia, pelas leituras feitas em lugares públicos e festivais, como a dedicada a Wislawa Szymborska, seja pela atividade de atriz no Teatro Valdocca, da cidade de Cesena – do qual foi fundadora, ao lado de Cesare Ronconi. Pensar, portanto, em Gualtieri, significa pensar numa conjuntura polivalente, híbrida, espaço de contínuas experimentações no poético, no palco e na performance. Uma de suas interpretações é Voci di tenebra azzurra, em que retorna a cara lembrança de Giovanni Pascoli. 

Os fios do cotidiano, ordinário e extraordinário, familiar e perturbador, ao lado dos ecos da natureza em seus múltiplos aspectos estão presentes em sua escrita desde Antenata (1992) Fuoco Centrale (1995), Senza polvere senza peso (2006) até Quando non morivo (2019), e retornam em Nove de março de dois mil e vinte. Versos que nos convocam, uma espécie de advertência, para refletirmos sobre o momento que estamos vivendo, em todas as latitudes. Uma reflexão sobre um momento histórico – pandemia e suas ramificações – que nos coloca diante de muitas questões éticas e que deixará marcas indeléveis no nosso presente e na construção de um futuro.



Nove marzo duemilaventi
de Mariangela Gualtieri -


Questo ti voglio dire
ci dovevamo fermare.
Lo sapevamo. Lo sentivamo tutti
ch’era troppo furioso
il nostro fare. Stare dentro le cose.
Tutti fuori di noi.
Agitare ogni ora — farla fruttare.

Ci dovevamo fermare
e non ci riuscivamo.
Andava fatto insieme.
Rallentare la corsa.
Ma non ci riuscivamo.
Non c’era sforzo umano
che ci potesse bloccare.

E poiché questo
era desiderio tacito comune
come un inconscio volere —
forse la specie nostra ha ubbidito
slacciato le catene che tengono blindato
il nostro seme. Aperto
le fessure più segrete
e fatto entrare.
Forse per questo dopo c’è stato un salto
di specie — dal pipistrello a noi.
Qualcosa in noi ha voluto spalancare.
Forse, non so.

Adesso siamo a casa.

È portentoso quello che succede.
E c’è dell’oro, credo, in questo tempo strano.
Forse ci sono doni.
Pepite d’oro per noi. Se ci aiutiamo.
C’è un molto forte richiamo
della specie ora e come specie adesso
deve pensarsi ognuno. Un comune destino
ci tiene qui. Lo sapevamo. Ma non troppo bene.
O tutti quanti o nessuno.

È potente la terra. Viva per davvero.
Io la sento pensante d’un pensiero
che noi non conosciamo.
E quello che succede? Consideriamo
se non sia lei che muove.
Se la legge che tiene ben guidato
l’universo intero, se quanto accade mi chiedo
non sia piena espressione di quella legge
che governa anche noi — proprio come
ogni stella — ogni particella di cosmo.

Se la materia oscura fosse questo
tenersi insieme di tutto in un ardore
di vita, con la spazzina morte che viene
a equilibrare ogni specie.
Tenerla dentro la misura sua, al posto suo,
guidata. Non siamo noi
che abbiamo fatto il cielo.

Una voce imponente, senza parola
ci dice ora di stare a casa, come bambini
che l’hanno fatta grossa, senza sapere cosa,
e non avranno baci, non saranno abbracciati.
Ognuno dentro una frenata
che ci riporta indietro, forse nelle lentezze
delle antiche antenate, delle madri.

Guardare di più il cielo,
tingere d’ocra un morto. Fare per la prima volta
il pane. Guardare bene una faccia. Cantare
piano piano perché un bambino dorma. Per la prima volta
stringere con la mano un’altra mano
sentire forte l’intesa. Che siamo insieme.
Un organismo solo. Tutta la specie
la portiamo in noi. Dentro noi la salviamo.

A quella stretta
di un palmo col palmo di qualcuno
a quel semplice atto che ci è interdetto ora —
noi torneremo con una comprensione dilatata.
Saremo qui, più attenti credo. Più delicata
la nostra mano starà dentro il fare della vita.
Adesso lo sappiamo quanto è triste
stare lontani un metro.


Publicado primeiramente em Doppiozero, 09/03/2020.



Nove de março de dois mil e vinte 
de Mariangela Gualtieri 
Trad. Patricia Peterle

Isso quero te dizer
que devíamos parar.
Sabíamos disso. Sentíamos todos
que era demasiado furioso
o nosso fazer. Estar dentro das coisas.
Todos fora de nós.
Sacudir cada ora — fazê-la render.

Devíamos parar
e não conseguíamos.
Era para fazer juntos.
Diminuir o ritmo.
Mas não conseguíamos.
Não havia esforço humano
que nos pudesse barrar.

E visto que isso
era desejo tácito comum
como um inconsciente querer
quiçá a espécie nossa obedeceu
desatou as correntes que mantêm blindada
nossa semente. Abriu
as fissuras mais secretas
e deixado entrar.
Quiçá por isso, depois, houve um pulo
de espécie — do morcego até nós.
Algo em nós quis escancarar.
Quiçá, não sei.

Agora estamos em casa.

É portentoso o que acontece.
E tem ouro, acredito, nesse tempo estranho.
Quiçá existam dons.
Pepitas de ouro para nós. Se nos ajudarmos.
Há um intenso forte chamado
da espécie agora, e como espécie, agora,
cada um se deve pensar. Um comum destino
nos mantém aqui. Sabíamos disso. Mas não muito bem.
Ou todos ou ninguém.

É potente a terra. Viva realmente.
Eu a sinto pensativa de um pensamento
que nós não conhecemos
E o que acontece? Consideremos
se não é ela que move.
Se a lei que mantém bem guiado
todo o universo, se o que acontece me pergunto
não seja a plena expressão daquela lei
que também nos governa — exatamente como
cada estrela — cada partícula de cosmo.

Se a matéria obscura fosse isso
manter-se ao lado de tudo num ardor
de vida, com a varredoura morte que chega
para equilibrar todas as espécies.
Mantê-la dentro de seus limites, em seu lugar,
guiada. Não somos nós
que fizemos o céu.

Uma voz imponente, sem palavra
nos diz agora para ficar em casa, como crianças
que muito aprontaram, sem saber o quê,
e não terão beijos, nem serão abraçadas.
Dentro de cada uma freada
que nos leva para trás, quiçá nas lentidões
das antigas antepassadas, das mães.

Olhar mais para o céu,
pintar de ocre um morto. Fazer pela primeira vez
o pão. Olhar bem um rosto. Cantar
devagarinho para que uma criança durma. Pela primeira vez
apertar com a mão outra mão
sentir a intensidade da aliança. Que estamos juntos.
Um único organismo. Toda a espécie
carregamos em nós. Dentro de nós a salvamos.
Quando non morivo, Einaudi 2019

Aquele aperto
de uma palma com a palma de alguém
aquele simples gesto que nos é impedido agora —
nós voltaremos com uma compreensão dilatada.
Estaremos aqui, mais atentos, acredito. Mais delicada
nossa mão estará dentro do fazer da vida.
Agora sabemos o quanto é triste
estar distante de um metro.











* Uma primeira publicação dessa tradução foi publicada no Jornal Rascunho.


como citar: PETERLE, Patricia. Nove março de dois mil e vinte de Mariangela Gualtieri. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.4, abril. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209890