La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Pier Paolo Pasolini: versos cinematográficos, por Mariarosaria Fabris


       Tradução de fragmento extraído de Poeta delle ceneri (1966-67). O “poema bio-bibliográfico, como o próprio Pasolini o definiu, foi publicado no número de julho-dezembro de 1980 da revista Nuovi argomenti, integrando depois o volume Bestemmia. Tutte le poesie (Milão: Garzanti, 1993). O trecho selecionado pode ser considerado o argumento do filme Teorema e o fio condutor do romance publicado sob o mesmo título, ambos de 1968. [1] Tradução dedicada a Flavio Kactuz, em agradecimento pela indicação.



                                                                                     Cartaz do filme e capa do livro


Quanto alle mie opere future, ...
vedrai un giovane arrivare un giorno
in una bella casa
dove un padre, una madre, un figlio e una figlia,
vivono da ricchi, in uno stato che non critica se stesso,
quasi fosse un tutto, la vita pura e semplice;
c’è anche una serva (di paesi sottoproletari); viene,
il giovane,
bello come un americano,
e subito, per prima, la serva si innamora di lui,
e si tira su le sottane. Egli le dà la dolce
pesante rabbia del suo membro. S’innamora, poi,
di lui, il figlio; dormono i due, nella stessa camera
del ragazzo, coi resti dell’infanzia; ed anche al figlio
egli dona il suo membro di seta, più adulto e potente;
e lo stesso dono, accondiscendente e generoso,
perché egli è colui che dà, egli farà alla madre,
adoratrice delle sue vesti, i calzoni, la maglietta,
gli slip, lasciati in uno chalet
in un caldo giorno d’estate, sul Tirreno;
e ancora lo stesso dono egli farà al padre, divenendo
padre del padre – poiché egli, con ambigua dolcezza materna,
è, per nome, padre –
al padre svegliato all’alba
da un dolore che lo taglia a metà,
alla pancia, e scopre, alzandosi per andare in bagno
la bellezza muta delle quattro del mattino
col sole già radioso... e scoprirà il suo amore
con la stessa meraviglia,
con cui ha scoperto quel sole:
un amore come quello di Ilja Ilic per il suo servo
contadino e ragazzo; ma cosciente, e drammatico 
perché egli il vecchio industriale con la faccia
di Orson Welles, è un piccolo borghese, e drammatizza tutto.
Lo stesso dono del membro, durante le ore
della malattia del padre – e prima che al padre –
egli farà alla figlia quattordicenne, innamorata
di suo padre, e che lo scopre, il giovane tutto amore,
attraverso gli occhi innamorati, appunto, del padre. Poi
il giovane se ne va:
la strada in fondo a cui scompare
resta deserta per sempre.
E ognuno, nell’attesa, nel ricordo,
come apostolo di un Cristo non crocefisso ma perduto,
ha la sua sorte.
È un teorema:
e ogni sorte è una conseguenza.
Le sorti sono quelle che sai,
quelle del mondo dove tu col tuo antipatico
sorriso anticomunista, e io col mio infantile odio
antiborghese, siamo fratelli:
ne sappiamo tutto!
Come prende una nevrosi d’ansia
e come una piccola vittima femmina di quattordici anni,
finisca nel letto di una clinica,
coi pugni così chiusi che nemmeno uno scalpello
potrebbe scalzarli,
come un ragazzo parli tra sé come un matto
dipingendo e inventando nuove tecniche,
fino a diventare
un Giacometti, un Bacon,
con lo spettacolo dei suoi spettri figurativi
simboli della tragedia del mondo in un’anima malata
maleodorante del livore meschino del male; come
una donna di mezza età, bella ancora, e curata,
non sappia dimenticare il Cristo della Chiesa
e insieme, una volta perduta,
non sappia resistere al desiderio di perdersi, ancora,
e così viva tra ragazzi facili e angosce cristiane;
e come infine un padre
che aveva confuso la vita con il possesso,
una volta posseduto,
perda la vita, la butti via: doni cioè il suo possesso
– una fabbrica alla periferia della grande città –
ai suoi operai; e si perda nel deserto,
come gli Ebrei.
Casi di coscienza, tutti questi.
Ma la serva diventa, invece, una santa matta,
va nel cortile della sua vecchia casa sottoproletaria,
tace, prega, e fa miracoli,
guarisce gente,
mangia ortiche soltanto, finché i capelli le divengono verdi,
e infine, per morire,
si fa seppellire piangendo da una scavatrice,
e le sue lacrime rampollando dal fango
divengono una fonte miracolosa.
Prima del Padre e della Madre,
nel paradiso terrestre, c’era un Primo Padre,
è nella sua intimità che, primamente, siamo vissuti.
Ma poi, l’importante è stato l’amore della madre
con cui ci siamo identificati
perché non possiamo vivere 
se non identificandoci con qualcuno. Non possiamo, quindi,
concepire amore che non abbia la dolcezza materna.
Quel primo Padre ha così dolcezza di Madre.
Ma in una famiglia borghese
egli non è più in grado
che di scatenare drammi morali.
La religione, la religione del rapporto diretto con Dio
è ancora nel mondo anteriore a quello borghese.
Gli operai stanno a guardare. [2]


uma cena do filme Teorema




Quanto às minhas obras futuras, ...
você verá um jovem um dia chegar
numa linda casa
onde um pai, uma mãe, um filho e uma filha
vivem como ricos, num estado que não critica a si mesmo,
como se fosse um todo, a vida pura e simples;
ainda há a serviçal (de aldeias lumpemproletárias); vem
o jovem,
lindo como um americano,
e a serviçal é a primeira a apaixonar-se por ele,
e arregaçar as saias. Ele oferece a doce,
pesada raiva de seu membro. Apaixona-se, então,
por ele, o filho; dormem os dois, no mesmo cômodo
do rapaz, com restos da infância; e já ao filho
oferece seu membro de seda, mais adulto e potente;
e a mesma prenda, condescendente e generoso,
por ser ele o que doa, oferecerá à mãe,
adoradora de seus trajes, as calças, a camiseta,
a sunga, esquecidos num chalê
num dia quente de verão, no Tirreno;
e a mesma prenda ainda oferecerá ao pai, tornando-se
pai do pai – porque ele, com ambígua doçura materna,
é, por nome, pai –
ao pai que ao alvorecer
acorda dobrado em dois por uma dor,
na barriga, e descobre, ao levantar para ir ao banheiro,
a beleza muda das quatro da manhã
com o sol já radioso... descobrindo seu amor
com a mesma maravilha
com que descobriu esse sol:
um amor como o de Ilia Ilich [3] pelo serviçal
camponês e garoto; mas consciente, e dramático
porque ele, o velho industrial com cara
de Orson Welles, é um pequeno-burguês, e dramatiza tudo.
A mesma oferta do membro, nos momentos
da doença do pai – e antes do que ao pai –
ele fará à filha de catorze anos, apaixonada
pelo pai, e que o descobre, o jovem só amor,
pelos olhos apaixonados, logo, do pai. Depois
o jovem vai embora:
a estrada pela qual ele some
fica deserta para sempre.
E cada um, à espera, na lembrança,
qual apóstolo de um Cristo não crucificado mas perdido,
tem seu destino.
É um teorema:
cada destino é uma consequência.
Destinos que você conhece, 
os do mundo onde você com seu antipático
sorriso anticomunista, e eu com meu infantil ódio
antiburguês, somos irmãos:
dele tudo sabemos!
Como se instale uma ansiedade neurótica
e como uma pequena vítima feminina de catorze anos
acabe no leito de uma clínica,
de punhos tão fechados que nem mesmo um escalpelo
poderia descerrar, como um rapaz fale sozinho feito um louco
pintando e inventando novas técnicas
até tornar-se
um Giacometti, um Bacon,
com o espetáculo de seus espectros figurativos
símbolos da tragédia do mundo numa alma adoentada
malcheirosa do livor mesquinho do mal; como
uma mulher de meia-idade, ainda bela, e cuidada,
não saiba esquecer o Cristo da Igreja
e ao mesmo tempo, já perdida,
não saiba resistir ao desejo de se perder, de novo,
e assim viva entre garotos fáceis e angústias cristãs;
e como por fim um pai
que havia confundido a vida com a posse,
uma vez possuído,
perca a vida, a jogue fora: isto é, doe sua posse
– uma fábrica na periferia da grande cidade –
a seus operários; e se perca no deserto,
como os Hebreus.
Casos de consciência, todos eles.
A serviçal, porém, se torna uma santa doida,
lá no quintal de sua velha casa lumpemproletária,
fica muda, reza, faz milagres,
sara as pessoas,
come urtigas tão somente, até seu cabelo ficar verde,
e por fim, para morrer,
deixa que a enterre, chorando, uma escavadeira,
e suas lágrimas irrompendo da lama
se tornam uma fonte milagrosa.
Antes do Pai e da Mãe,
no paraíso terrestre, havia um Primeiro Pai,
é com sua intimidade que, primeiramente, privamos.
Mas depois, o importante foi o amor da mãe
com quem nos identificamos
porque podemos viver
só nos identificando com alguém. Não podemos, por isso,
conceber amor que não tenha a doçura materna.
Esse primeiro Pai tem assim doçura de Mãe.
Mas numa família burguesa
ele é apenas capaz
de desencadear dramas morais.
A religião, a religião da relação direta com Deus
ainda está no mundo anterior ao burguês.
Os operários ficam à espreita.

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[1] Esboçada em 1966, Teorema, deveria ter sido uma das sete tragédias que Pasolini escreveu na segunda metade dos anos 1960 – Orgia (1966-1968), Pilade (1966-1967), Affabulazione (1966-1969), Bestia da stile (1966-1975), Porcile (1967-1968) e Calderón (1967-1973) – mas, de peça (inédita), se transformou no exíguo roteiro cinematográfico homônimo e, depois, em livro. Cf. FABRIS, Mariarosaria. “Pier Paolo Pasolini e o teatro: uma introdução”. In: Anais do XXIV Encontro Estadual de História da Anpuh-SP. São Paulo: Anpuh, 2018, p. 1 [recurso eletrônico].
[2] PASOLINI, Pier Paolo. “Poeta delle ceneri”. In: Album Pasolini. Milão: Mondadori, 2005, p. 166-167, 170-171.
[3] Ilia Ilich Teléguine é um dos personagens do drama Tio Vânia (1897), de Anton Tchékhov: fazendeiro arruinado, vive como agregado na propriedade rural da família Serebriákov. 


como citar: FABRIS, Mariarosia. “Pier Paolo Pasolini: versos cinematográficos”. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.6, jun. 2020.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209668