La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

Tradução de trechos do apêndice a "É isto um homem?" de Primo Levi, por Helena Bressan Carminati






É isto um homem?, que nasce da experiência dilacerante da prisão do italiano Primo Levi (1919-1987) no campo de concentração de Auschwitz, é uma das obras mais lidas e comentadas a respeito do período da segunda grande guerra. Levi, químico por formação, descobriu-se como escritor após a experiência traumática no Lager*. Retornando à Turim, sua cidade natal, deparou-se com a palavra escrita como uma forma de transmitir aquilo que vivenciara. Nessas páginas, portanto, Levi dá seu testemunho, não com o intuito de ser mais um texto de denúncias das atrocidades nazistas, mas como um documento "para um sereno estudo da alma humana", como ele mesmo coloca em seu prefácio. 

Publicado em 1947 por uma pequena editora chamada Francesco De Silva - após algumas recusas -, É isto um homem? é reeditado e lançado em 1958, dez anos mais tarde, agora pela maior editora da Itália: Einaudi. Com uma maior circulação de sua obra, pois quando da primeira publicação a edição não ultrapassou as 2.500 cópias, Levi passou a se dedicar, ao lado de seu ofício como químico e escritor, ao comentário de seus escritos. Foi aí, que deu-se o início de sua interação com jovens estudantes de escolas italianas.

Em 1973, após o convite da Einaudi para a feitura de uma edição escolástica de seu livro - que fosse adaptada para os jovens leitores - Levi fez alguns cortes na narrativa e acrescentou um prefácio intitulado "Ai giovanni lettori". À essa edição, dois anos mais tarde, escreve um apêndice, respondendo e comentando oito das perguntas que lhe eram constantemente feitas. E a partir de 1976, tal apêndice passou a integrar o livro de modo definitivo, sofrendo uma atualização, em 1986, com correções e acréscimos.  




Tendo acesso a esse texto, na edição impressa de 2014, decidi traduzi-lo para publicar junto de minha dissertação de mestrado que trata sobre É isto um homem?. Trago aqui, portanto, como um meio também de antecipar certas reflexões - tendo em vista o momento atual -, alguns trechos dessa tradução, para que seja de conhecimento dos leitores brasileiros. Seguem alguns fragmentos, relacionados à resposta da primeira pergunta escrita pelo autor:


No seu livro não se encontram expressões de ódio em relação aos alemães, nem rancor, nem desejo de vingança. Você os perdoou?

Pela minha natureza, não sou propenso ao ódio. O considero como um sentimento animalesco e áspero, e prefiro que ao invés disso, as minhas ações e os meus pensamentos, no limite do possível, nasçam da razão. Por esse motivo, nunca cultivei dentro de mim o ódio como desejo primitivo de compensação, de sofrimento infligido ao meu inimigo verdadeiro ou imaginado, de vingança pessoal. Devo dizer também que, ao que me parece, o ódio pessoal, é voltado a uma pessoa, um nome, um rosto: bem, os nossos perseguidores de então não tinham rosto nem nome, isso se percebe nas próprias páginas deste livro: eram distantes, invisíveis, inacessíveis. Com prudência, o sistema nazista fazia com que o contato direto entre os escravos e os senhores fosse o menor possível. Vocês terão notado que nesse livro, se descreve somente um encontro do autor-protagonista com uma SS (p. 156), e não por acaso isso acontece somente nos últimos dias, no Lager em decadência, quando o sistema quebrou.

Além disso, nos meses em que esse livro foi escrito, isto é, em 1946, o nazismo e o fascismo pareciam realmente sem um rosto: pareciam ter virado pó, desaparecido como um sonho monstruoso, justamente e merecidamente, assim como desaparecem os fantasmas no amanhecer. Como eu poderia ter cultivado rancor, querer vingança, contra uma multidão de fantasmas?

Não muito tempo depois, a Europa e a Itália perceberam que essa era uma ilusão ingênua: o fascismo estava bem longe de estar morto, estava somente escondido, camuflado, se transformando para reaparecer em uma nova veste, um pouco menos reconhecível, um pouco mais respeitável, mais adaptada ao novo mundo que tinha recém saído da catástrofe da Segunda Guerra Mundial a qual o próprio fascismo havia provocado. Devo confessar que diante de rostos antigos, certas velhas mentiras, certas figuras a procura de respeitabilidade, certas indulgências, e certas conivências, sinto a tentação do ódio, e com uma certa violência. Mas eu não sou um fascista, acredito na razão e na discussão como supremos instrumentos de progresso, e, portanto ao ódio prefiro a justiça. Justamente por esse motivo, ao escrever este livro, assumi, deliberadamente, a linguagem pacata e sóbria da testemunha, não aquela lastimosa da vítima nem aquela irada do vingador: pensava que a minha palavra teria sido mais confiável e útil quanto mais parecesse objetiva e quanto menos soasse exaltada; somente assim a testemunha em juízo cumpre a sua função, que é aquela de preparar o terreno para o juiz. Os juízes são vocês. 



Fica aqui o convite de Levi, estendido a nós! 


*Lager é uma expressão alemã criada para se referir aos campos de concentração nazistas.


Referências

LEVI, Primo. Se questo è un uomo. Torino: Einaudi, 2014.