La poesia e la sapienza del mondo, di Marco Ceriani

A poesia é uma palavra que mantém consigo também o silêncio - Entrevista com Mariangela Gualtieri, por P. Peterle e E. Santi





Palavra poética e performance são intimamente ligadas na experiência de Mariangela Gualtieri (1951), já que, em 1983, junto ao diretor Cesare Ronconi, funda o Teatro Valdoca. Em seus poemas Gualtieri funde uma grande sensibilidade com o ritmo e a oralidade e a necessidade de indagar os laços da comunidade humana, suas relações, suas luzes e suas sombras. Como é possível ler na introdução a entrevista de Mariangela Gualtieri, publicada no volume Vozes: cinco décadas de poesia italiana (2017), organizado por Patricia Peterle e Elena Santi: "com uma poesia cristalina, Gualtieri testemunha uma constante escuta e uma vontade de compreensão e inclusão do mistério que subjaz o nosso viver em relação com outros". Essa relevância do estar-com pode ser vista também em suas leituras para as escolas, com crianças e adolescentes, em que o momento da performance se transforma em um gesto genuíno de abertura para o outro, se tornando uma chave de acesso para os jovens ao mundo da poesia, frequentemente sentido como distante ou inacessível.
por Patricia Peterle e Elena Santi


A entrevista se encontra disponível na integra em Vozes: cinco décadas de poesia italiana, acompanhada por uma introdução sintética mas explicativa, e por um poema em italiano e em tradução. Dando continuidade à série começada com Fabio Pusterla e Fabio Franzin, publicamos um trecho da entrevista, em que a poeta se interroga sobre a palavra, sobre seu trabalho, sobre as vozes que a inspiraram.





A poesia é uma palavra que mantém consigo também o silêncio

Entrevsita com Mariangela Gualtieri (Vozes p. 183)


Vozes: O que significa ser poeta hoje? O que é um poeta? O poeta é um cantor nostálgico da palavra já desgastada e obsoleta? É necessariamente um opositor do mundo? 

MG: Penso o poeta como fenda, porta através da qual uma força se condensa e se revela ao mundo, a
Mariangela Gualtieri
Fonte: Ai 300 scalini
força que Dante chama de Amor, “Amor che move il sole e l’altre stelle” (“Amor que move o sol e as mais estrelas”[1]). O poeta é um ‘escancarado’ que sabe acolher e que sabe relançar, em virtude de sua capacidade de atenção, de sua capacidade de escutar que é quase um auscultar, como faz o médico nas costas do doente. Há nele sempre, acredito, um aspecto anacrônico, pois ele não pertence inteiramente ao próprio tempo, (embora deva também pertencer ao próprio tempo – caso contrário, pode cair no Arcadismo) e mantém um pé no não tempo, na direção de uma dimensão atemporal, ou no imperecível, como chamaria Jung. E isto porque a matéria que ele trata deve manter a fragrância atravessando o tempo, não se deve consumir: por isto os versos do passado nos alcançam em plena vitalidade e frescor, como um pão bom, sempre pronto para nos alimentar, uma nutrição que não envelhece. A nostalgia é inevitável para alguém que é exilado no próprio tempo, em casa somente na palavra. Cabe ao poeta conciliar a alma humana com a alma cósmica, cabe ao poeta recarregar de energia as palavras que a língua corrente constantemente enfraquece: ambos os aspectos o tornam um opositor do mundo, de um mundo que proclama continuamente o finito e que prefere o desleixo e a apatia dos falantes. 

Vozes: O elemento essencial para um poeta é a palavra, a matéria prima a ser buscada, trabalhada e depois “fixada” na página em branco. Quais relações possui com a palavra? E também com a língua? Enfim, como pode ser definida sua língua? 

MG: Acredito não bastar dizer que o elemento essencial para um poeta é a palavra, porque isso valeria também para a prosa, para a narrativa. Acredito que seja necessário acrescentar na matéria-prima também o silêncio: a poesia é uma palavra que mantém consigo também o silêncio. É difícil para mim separar palavra poética e silêncio. Quando me pergunta da palavra eu imediatamente penso também no silêncio, talvez como lugar de origem da poesia. Penso às palavras como divindades, ou certamente como condensados mágicos, que nos permitem comunicar de uma profundidade a outra profundidade, capazes de guiar-nos em uma aventura de conhecimento alto e vertiginoso, de uma psique a outra psique, de um coração a outro coração. Da minha língua posso dizer que, mesmo sendo italiano, tem uma raiz no dialeto ou seria melhor dizer no italiano falado por quem habitualmente fala dialeto. Essa raiz ou herança vem das minhas avós, com as quais vivi nos meus primeiros dez anos de vida. Eu tive o privilégio de crescer dentro desta língua arcaica, rica de invenções linguísticas, sem adornos, fortemente expressiva, quase descontroladamente expressiva, e acolhedora, como é acolhedor o dialeto. Trinta anos de escrita em versos para o teatro certamente condicionaram, então, minha linguagem poética, a impulsionaram ainda mais para uma urgência comunicativa, para um desnudamento e uma simplificação, forçaram-na a manter-se baixa, mesmo pedindo-lhe para lidar com temas mais altos: daquele ‘baixo’, dizer o paraíso. Nisso, a lição de Dante é e permanece magnifica.


Vozes: Quais poetas ou escritores (italianos ou estrangeiros) operam na sua escritura? E em que modo se constroem essas relações de leitura, escritura e poéticas? 


Mariangela Gualtieri
Fonte: Poesia Festival
MG: Dante, Dino Campana, Amelia Rosselli. Estes três nomes são, mais do que outros, verdadeiros âmbitos de nutrição para mim. Mas posso citar também Milo de Angelis e Giovanni Pascoli, Antonin Artaud, Arthur Rimbaud, Dylan Thomas, Paul Celan, Thomas Eliot. E em seguida Dostoiévski, Kafka, a Clarice Lispector, a Simone Weil, a Rossana Campo, e os filósofos, de Platão a Nietzsche, a Colli ou a Zambrano. E recentemente o encontro com Bruno Schulz e suas botteghe[2] para mim estão cheias de versos memoráveis. Deveria também citar os muitos anônimos que escreveram os grandes textos sacros. Na literatura sacra, na enorme montanha de pensamentos gastos em torno dela, encontrei de fato muita nutrição. E assim como de certos manuais de biologia, de botânica e de astrofísica, certos dicionários antiquados – o dicionário de italiano continua sendo uma das minhas leituras preferidas. As relações com esses textos são de tipo amoroso, apaixonado, devoto, apreciativo, mas certamente há também um trabalho subterrâneo que estas palavras implementam, não plenamente consciente. Frequentemente tenho a impressão de ter escrito certos versos de outros, tão perto de mim os sinto, de tanto me sentir centrada em certas palavras. E, no entanto, eu sei que aquilo que amo se deposita em mim e faz seu misterioso trabalho de nutrição e de crescimento, até encontrá-los, às vezes transformado sobre a página: eu o reconheço, vejo a fonte de onde, às vezes, certos versos meus provêm, quase por contágio. Outras vezes – foi o caso da Rosselli e também do Artaud – peguei alguns versos e os continuei. Eu literalmente copiei, abri aspas e prossegui em meu caminho. Existem palavras que se tornam lugares, lugares muito amados, e por toda a vida para lá se retorna, se vai para alcançar, para se reconhecer, para repousar, para incendiar-se. 


[1] ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Introdução, tradução e notas Vasco Graça Moura.São Paulo: Editora Landmark, 2005, p.887.
[2] Referência à obra Le botteghe color cannella (Einaudi, 1970)


como citar: PETERLE, Patricia. SANTI, Elena. A poesia é uma palavra que mantém consigo também o silêncio - Entrevista com Mariangela Gualtieri. In Literatura Italiana Traduzida, v.1., n.6, jun. 2020.Disponível em

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/209784